30 de abr. de 2009

Abril Vermelho?...ou branco?

"Para quem é pessoa de boa vontade, nada mais comovente durante os dias todos do mês findo, do que acompanhar, como fizemos, o noticiário das grandes mobilizações do MST celebrando seus mártires, com carradas de razão, dentro da melhor tradição cristã e cívica", escrevem Antônio Cechin e Jacques Távora Alfonsin, em artigo que publicamos na íntegra. Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.
Fonte: UNISINOS



Dom Pedro Casaldáliga, nosso bispo profeta e poeta costuma afirmar: “uma Comunidade que esquece seus mártires, perde sua razão de existir”. De tal maneira Dom Pedro “não esquece” que, ano vai ano vem, ele nos brinda com um martirológio atualizado e inserido em uma magnífica Agenda Latino-Americana, já agora mundial. Mais do que isso, erigiu em sua diocese, um santuário para que a memória dos mártires seja perpétua. Esse templo está na cidade de Cascalheira com o significativo nome de “Santuário dos Mártires da Caminhada” levantado no lugar exato em que foi assassinado o Padre Burnier. Como mártir, esse padre jesuíta, tombou ao lado de seu bispo Casaldáliga, quando ambos haviam acorrido em socorro de uma pobre mulher que estava sendo torturada pela soldadesca da ditadura militar.

É do saudoso líder cristão Alceu de Amoroso Lima a sentença: “Passado não é aquilo que passa, mas o que fica do que passou”. Do mês de abril que agora é passado, o que é que fica para nós todos? Fica um mês inteiramente pascal: uma grande celebração martirial. Senão vejamos:

Fica a celebração da festa da Páscoa, transcorrida neste ano no dia 12, como a maior festa do calendário cristão. O Mestre de Nazaré depois de ensinar com muita propriedade que “não há maior prova de amor do que dar a vida por aqueles a quem se ama”, com seu exemplo abriu a trilha para todos os mártires que se lhe seguiram. A Páscoa de Jesus foi prefigurada pela páscoa dos Judeus: saída da escravidão do Egito para a entrada na libertação da Terra Prometida. A Terra da superabundância, onde “corria leite e mel” na metáfora poética da Sagrada Escritura. Por ser páscoa festa de libertação é solenissimamente celebrada, totalmente de branco, cor da vitória e da alegria. Cristo por seus amados sofreu paixão e morte, mas ressuscitou no terceiro dia como penhor de libertação total de toda a humanidade.

Fica a celebração do “Dia em Memória do Holocausto” de 6 milhões de judeus assassinados pelos nazi, dia 8 de abril. Nessa mesma data, a celebração do “dia mundial do Povo Cigano que vive em êxodo perpétuo (diáspora) a nos lembrar que estamos nesse mundo só de passagem e que a vida é uma caminhada permanente rumo a uma outra pátria, a definitiva para toda a humanidade.

Fica com o dia 21, a festa de Tiradentes, o protomártir da independência que a fé cristã do povo brasileiro, face a uma ausência de retrato do herói, o representou sempre à moda com que costuma representar o rosto do mártir Jesus Cristo. Como o Mestre, o herói da Inconfidência exclamou: “Se mil vidas eu tivesse, mil vidas eu daria” em favor de liberdade e justiça para meus irmãos brasileiros.

Fica a celebração do “Dia Panamericano do Índio” transcorrido a 19 de abril. Lembramos com júbilo especial o povo fundante do Rio Grande, o povo guarani, criador das sete primeiras cidades do nosso Estado. São Sepé Tiaraju com seu grito em favor de Terra para seus irmãos, dando a vida, firmou-se como o Facho de Luz a iluminar todos os caminhos da Reforma Agrária. Por intermédio dos índios guarani a humanidade triunfou verdadeiramente, no dizer de Voltaire, através da grande experiência realizada nas Missões. Construíram sua utopia da Terra Sem Males como prenúncio do “mundo novo” por todos nós sonhado e cantado em nossos Fóruns Sociais Mundiais mas pelos índios concretizado a trezentos anos atrás.

Fica a grande celebração, durante os dias todos do mês, do martírio dos 22 agricultores Sem Terra, assassinados no massacre de Eldorado dos Carajás, além dos mais de 70 entre mutilados e feridos. Por isso, mês de abril, Páscoa de Cristo sim, mas também Páscoa do MST. Para ninguém talvez seja mais autêntica a expressão “Viver é perigoso” de Guimarães Rosa, quanto para os militantes do MST que não dão trégua às forças reacionárias dos grandes proprietários de terras a fim de conseguir a Reforma Agrária.

A expressão “abril vermelho” quem a pariu foi a mídia. Com essa rotulagem tinha intenção de esculachar com o MST equiparando-o a grupos terroristas de outros mundos. Nossa brava gente em luta por terra, deu de ombros à expressão e de um limão está sabendo, como sempre, fazer uma limonada.

Para quem é pessoa de boa vontade, nada mais comovente durante os dias todos do mês findo, do que acompanhar, como fizemos, o noticiário das grandes mobilizações do MST celebrando seus mártires, com carradas de razão, dentro da melhor tradição cristã e cívica. Na liturgia cristã a Páscoa por ser a maior festa do calendário é celebrada toda de branco por ser esta a cor considerada festiva. Por isso, para quem é cristão, a Páscoa do MST ficaria sempre de novo, dentro de nossos usos e costumes, como abril branco em vez de abril vermelho.