9 de set. de 2011

Marcio Pochmann

Tributação dos ricos

Marcio Pochmann, em artigo publicado no jornal Valor, 08-09-2011.
Fonte: UNISINOS


A trajetória do desenvolvimento contempla a existência de um sistema tributário progressivo. Ou seja, a presença de impostos, taxas e contribuições que atuam em proporção maior com a elevação da renda e riqueza. Assim, a justiça tributária se manifesta logo na arrecadação do fundo público e se mantém na medida em que o gasto governamental seja proporcionalmente maior com a redução da renda e riqueza. Para se conhecer a eficiência do Estado, basta saber a forma com que tributa a sociedade e redistribui o que arrecadou para a população.

Pela tradição do subdesenvolvimento, a capacidade do Estado tributar os pobres tem sido proporcionalmente maior que a renda e a propriedade dos ricos. O inverso se estabelece na redistribuição do fundo público constituído por impostos, taxas e contribuições, uma vez que os pobres ficam geralmente com a parte menor do que contribuíram e os ricos com a parcela maior. Isso tudo porque os segmentos privilegiados demonstram inegáveis condições de pressionar o Estado a seu favor, bem mais que os demais estratos sociais, sobretudo os mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Sobre isso, aliás, valeria aprofundar o debate acerca da eficiência do Estado.

Na virada do século XXI, o governo brasileiro demonstrou considerável interesse em elevar a qualidade do gasto social, o que permitiu melhorar o tratamento dos segmentos sociais mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Por diversas modalidades de atuação das políticas públicas os segmentos de menor renda terminaram ampliando a absorção do fundo público. O impacto distributivo do Estado brasileiro se mostrou inegável, com queda no grau de desigualdade pessoal da renda de 9,5%, passando de 0,55, em 2003, para 0,50, em 2009 (índice de Gini, quanto mais próximo de 1 mais desigual a distribuição). Se desconsiderada a atuação do Estado sobre os rendimentos do conjunto da população, ou seja, a renda original sem incluir as políticas de transferências de renda, a redução no grau de desigualdade seria de apenas 1,7% (de 0,64, em 2003, para 0,63, em 2009).

Em síntese, constata-se uma positiva contribuição recente do Estado no tratamento da desigualdade da renda, especialmente pelo lado da redistribuição do fundo público arrecadado. Mas falta ainda, por outro lado, avançar na qualidade da arrecadação tributária, que permanece fortemente concentrada na parcela da população de baixa renda. Os ricos seguem demonstrando importante capacidade de driblar o conjunto dos tributos. Um bom exemplo disso pode ser observado na marcha da sonegação fiscal existente no Brasil. Inicialmente pela ausência de tributação nas aplicações financeiras de residentes nas operações realizadas no exterior, sobretudo nos chamados paraísos fiscais. Em 2009, por exemplo, somente os recursos aplicados em quatro dos 60 paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Virgens Britânicas e Bahamas, mais Luxemburgo) existentes no mundo representaram mais de ¼ do total de recursos considerados investimentos diretos externos (IDE) pelo Banco Central. A intransparência e, por que não dizer, escassa regulação permite que esses recursos aplicados externamente possam retornar legalizados e com contida tributação. A ausência de uma taxação internacional faz prevalecer a sistemática de poderosos e ricos evadirem-se de suas contribuição ao fundo público.

Na sequência, podem ser identificadas diversas modalidades existentes no Brasil que facilitam a evasão fiscal. O contrabando nas fronteiras e o exercício da informalidade consagram funcionalidade à concorrência não-isonômica, ao mesmo tempo em que permitem que riqueza existente deixe de ser tributada. O resultado disso tem sido a concentração da renda e, sobretudo, da riqueza. Também nesse sentido segue inalterado o curso da tributação sobre as grandes fortunas no país, sem qualquer contribuição ao fundo público, devido à ausência de taxação específica conforme verificado nas economias desenvolvidas.

No caso ainda do favorecimento aos privilegiados e poderosos, cabe mencionar a baixa eficácia da tributação direta nas três esferas do federalismo brasileiro. Em relação ao imposto de renda da pessoa física, por exemplo, o Ipea estima que R$ 1 a cada R$ 3 deixa de ser arrecadado, ao passo que segmentos de maior renda podem financiar os seus gastos privados com educação, saúde, previdência e assistência social por meio de abatimentos na declaração anual. Só no financiamento da educação privada, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 5 bilhões daqueles que fizeram a declaração anual do Imposto de Renda em 2010.

Por fim, os tributos diretos sobre a propriedade rural (ITR) e urbana (IPTU) seguem inacreditavelmente regressivos, uma vez que sinais exteriores de riqueza concentrada manifestada por latifúndios e mansões em progressão sigam quase imunes à contribuição justa ao fundo público. Além disso, constata-se também que o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) permanece sem incidir sobre aviões, helicópteros e lanchas.

O adequado enfrentamento da injustiça tributária atual impõe a elevação da eficiência do Estado, seja no formato da arrecadação do fundo público como na sua redistribuição. Isso implicaria abandonar o vergonhoso peso do Estado proporcionalmente maior sobre os segmentos de menor rendimento, que transferem todo o mês praticamente a metade do que recebem por força do esforço do seu trabalho. Já os ricos, que por força de suas propriedades obtêm rendas elevadas, quase nada contribuem com o fundo público no Brasil.




O comentário é de Ivo Poletto, publicado no seu blog, 08-09-2011 http://ivopoletto.blogspot.com//

Está mais do que demonstrado nele que os mais pobres contribuem com 48,9% de sua renda para o Fundo Social criado a partir da cobrança de impostos. No outro extremo, os poucos que ganham mais de 30 salários mínimos só contribuem com 26,3 de sua renda. E na hora de distribuir os recursos do Fundo acontece o contrário: a maior parte vai para os mais ricos, enquanto os pobres ficam com os restos.

É incrível o cinismo de nossas elites econômicas: quando o exemplo dos países mais ricos favorece seus privilégios, exigem que as políticas nacionais o sigam; mas quando as políticas dos países mais ricos mexeriam com seus privilégios, aí elas se tornam nacionalistas! É o caso da política tributária: nos países mais ricos ela é progressiva, enquanto no Brasil ela se mantém escandalosamente regressiva.

Quem deseja relações mais justas e melhores condições de vida para a população brasileira deve defender e lutar por uma justiça tributária, que só se firmará quando for adotada uma política tributária progressiva: quem ganha mais e detém muita riqueza, contribui mais para o Fundo Social. Sem isso, continua-se a apostar no aprofundamento da desigualdade, no sentimento de injustiça estrutural e, por isso, no provável aumento da violência.



Escândalo de escravidão com deficientes mentais comove a China

Quando em 2007 descobriu-se a existência de milhares de pessoas que foram forçadas a trabalhar como escravos em fábricas de tijolos em várias províncias do centro da China, uma onda de indignação percorreu o país e as autoridades lançaram uma campanha para erradicar o problema. Os resultados foram razoáveis. Desde então, tem surgido esporadicamento casos de escravidão laboral em diferentes lugares da China e a situação continua distante de ter sido resolvida como comprova um novo escândalo que veio a tona nessa semana. A reportagem é Jose Reinoso e publicado pelo El País, 08-09-2011. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS



A polícia libertou domingo passado 30 pessoas com deficiência mental que trabalhavam em condições subumanas em fornos de tijolos ilegais na província central de Henan, segundo informou a imprensa chinesa.

As vítimas eram agredidas regularmente e algumas já trabalhavam há mais de sete anos sem receber. Entre os libertos, há cegos e mudos. Outros, depois de serem resgatados, foram incapazes de explicar de onde eram. A polícia, que agiu graças a denúncias, garantiu que alguns dos operários sofrem problemas mentais tão graves que não puderam dizer quem eram. “Alguns deles nem sequer puderam dizer uma frase inteira e não agem como pessoas normais”, afirmou Liu Weimeng, subdiretor de comunicação em Zhumadian de onde foram resgatados 17 dos operários, segundo o jornal em inglês China Daily. Um porta-voz em Dengfeng, local onde foram libertos outros cinco, disse que a polícia enfrentou ali os mesmos problemas.

Os trabalhadores foram sequestrados ou enganados nas ruas e estações ferroviárias e retirados de suas localidades e depois vendidas às fábricas por uma cifra que varia entre 300 e 500 euros segundo a cadeia de televisão de Zhengzhou (capital de Henan) que revelou o escândalo. A polícia prendeu oito pessoas, entre elas, algumas que recrutavam mão de obra escrava e um capataz acusado de castigar os operários, alguns de apenas 14 anos.

Bai Shasha, de 23 anos, um trabalhador com deficiência mental da cidade de Luoyang (Henan) resgatado pela polícia em julho contou à cadeia de televisão que várias pessoas com navalhas o sequestraram em março passado e depois o levaram à fábrica, onde o agrediam com chicote e tijolos. Os operários eram obrigados a trabalhar o dia todo e pela noite dormiam em locais apertados e fedorentos.

Não é a primeira vez que é descoberta mão de obra escrava em Henan, uma das províncias mais pobres da China. Em 2007, foram encontradas milhares de pessoas que trabalhavam sem cobrar em fornos de tijolos nessa província e na vizinha Shanxi. Recebiam surras e eram apenas alimentadas. Os donos das fábricas operavam em alguns casos com a conivência das autoridades locais e a polícia. O fio do novelo que levou à descoberta do caso foi a desesperada busca por um adolescente por parte do seu pai.

Apesar do compromisso das autoridades em erradicar essas práticas, as mesmas continuam surgindo devido, em parte, a forte demanda de materiais de construção criada pelo boom imobiliários que vive a China. Em dezembro de 2010, as autoridades fecharam uma fábrica na região ocidental de Xinjiang, em 11 operários – a maioria com problemas mentais – viviam escravizadas fazia anos. No mesmo mês, Zeng Lingquan, membro da Conferência Consultiva Política – orgão assessor do Parlamento Chinês -, e sua esposa, Li Shuqiong, foram presos por vender 130 pessoas com deficiência mental.