12 de fev. de 2011

Crianças em disputa: o ataque do capital (1)

Por Roberta Traspadini, economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ ES.
Fonte: Radioagência NP



Nos últimos 10 anos cresceu a preocupação dos técnicos dos governos, dos políticos e do capital sobre a necessidade de se projetar cenários para o futuro. Esta projeção nos mostra como, a classe dominante materializa e projeta para dentro da classe trabalhadora sua ideia de manutenção da ordem. Mas por que as crianças da classe trabalhadora?

Destacaremos 4 pontos introdutórios para o debate.

1. O futuro exército produtivo

América Latina possui aproximadamente 600 milhões de habitantes. Destes, pouco mais de 27% têm até 14 anos de idade. Se analisarmos as projeções para os próximos 25 anos, este grupo terá entre 25 a 39 anos de idade.

Em 25 anos estas crianças já terão passado por um processo de formação ideológica, cultural e política que moldará em muitos sentidos sua forma de ver e atuar sobre o mundo. Supõe-se que, quanto mais cedo estas crianças forem educadas no projeto da classe dominante menor resistência estas terão, para assumir sua posição periférica na tomada de decisão em seus territórios.

É com base nesta relação formal de educar/adestrar para a venda da força de trabalho, que o capital determina o que é importante que as crianças internalizem: as imagens, as brincadeiras, os princípios e valores do consumismo-individualismo e, a concepção de que se destaque o “melhor” em cada ambiente de convívio social.

Assim se reitera a ideia sobre a melhor escola, o melhor bairro para se viver, a melhor empresa para trabalhar, o melhor sujeito em contraposição aos piores.

2. A formação da consciência

Na formação da consciência burguesa desta futura juventude, não pode haver espaço para questionamentos sobre a ordem.

O capital só materializa sua formação da consciência, caso domine. O modo de produção dominante consolidou as bases materiais concretas para desenvolver aparatos técnicos científicos que o permita tirar vantagens de sua posição de classe hegemônica.

Também existe a intenção de aniquilar com o sentido do público enquanto se reitera a força do privado, logo, além da conquista do capital sobre o trabalho, deve-se de uns poucos sujeitos sobre muitos.

E, se ainda é possível visualizarmos a importância dos direitos sociais da nossa constituição na atualidade, a intenção do capital é de trabalhar agora para que no futuro estas bandeiras caiam por terra, na pedagogia do exemplo.

3. Um exemplo concreto do projeção do capital.

No estado do Espírito Santo existe um projeto do capital que atua neste território denominado ES: 2025. Dita projeção com linhas de ação concretas para os 25 anos elegeu o governador anterior Paulo Hartung como o mais bem votado do País.

A Vale é uma das empresas que atua no Espírito Santo em ação, ONG criada para projetar-executar as linhas de reconstrução do território capixaba.

A empresa faz uma parceria com algumas escolas públicas e leva as crianças dos centros municipais de educação infantil para conhecerem suas instalações. Disponibiliza o ônibus, os instrutores, explica pedagogicamente o processo a ser apreendido, distribui jogos “educativos” de presente, dá lanche e retorna as crianças para a escola e suas famílias com a certeza de que reproduziu, a partir daquele momento, o diferente e belo na vida daqueles futuros trabalhadores.

Esta ação concreta mexe diretamente com a formação da consciência tanto das crianças, quanto de parte dos educadores, incluindo seus familiares. Por quê? Para que as crianças sejam as que:

a) Verão naquela empresa a possibilidade de se empregarem no futuro; b) Desejarão desde já fazer o melhor para serem selecionadas, ou seja, fazerem por onde estar ali; c) Visualizarão um conceito de sustentabilidade dado pela empresa que disfarça o real vivido. No jogo de montar não se vê minério e sim meio ambiente ecologicamente bem sustentado; d) Poderão comparar o que têm e projetar para o que querem para o futuro, a partir do que ali viveram. Isto as remeterá inclusive para uma reflexão individual sobre a situação dos pais, dos amigos, do bairro, com o fim de ou negarem o que têm, ou reforçarem o que querem para saírem do espaço dos que nada têm.

A Vale projeta, junto com seus pares, um futuro de submissão para estas crianças da classe, cuja aparente certeza de inclusão, se constrói sob as bases dos princípios e valores ditados pelo grande capital.

4. O que está em jogo afinal?

Está em jogo a manutenção da acumulação de capital centrada na exploração do trabalho, fruto de uma perversa dominação de classe.

Está em jogo o atual consumo da criança associado à inserção futura como trabalhador endividado consciente. Enquanto hoje são os pais os que arcam de forma endividada com o consumo das crianças, amanhã estes trabalhadores já terão internalizado que toda inclusão passa pelo tipo de consumo que são capazes de desejar e realizar.

Está em jogo a formação da consciência de que não existe outro projeto senão o da classe dominante. Talvez esta seja a mensagem mais clara de todas: a de que só resta para o trabalho, trabalhar para consumir e que a acumulação fica como propriedade privada, indiscutível, de quem emprega.

Está em jogo eliminar a disputa, as contradições, e colocar no lugar da divergência um processo de dominação de classe como um projeto único de sociedade.

Isto não é novo na dinâmica de manutenção da hegemonia capitalista. Quiçá as bases técnico-científicas com as quais o capital ora conta, coloquem outros elementos que dificultam ainda mais a clareza dos projetos e processos em disputa.

4 de fev. de 2011

Caso Cutrale: trabalhadores livres e processo trancado

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
Fonte: Carta Maior

Por meio de habeas corpus[1] impetrado pelos advogados da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e do Setor de Direitos Humanos do MST, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por unanimidade, determinou o trancamento do processo crime instaurado na Comarca de Lençóis Paulista/SP contra todos os trabalhadores rurais sem terra acusados da prática de crimes durante a ocupação da Fazenda Santo Henrique – Sucocitrico-Cutrale – entre 28/9 e 7/10/2009.

Os trabalhadores tiveram prisão temporária decretada, que foi posteriormente convertida em prisão preventiva. Os decretos de prisões foram revogados em fevereiro de 2010, por meio de decisão liminar, concedida pelo Desembargador Relator Luiz Pantaleão, mas, a decisão final no habeas corpus, aguardava, desde então, voto vista do Desembargador Luiz Antonio Cardoso.

Para firmarem as revogações das prisões preventivas, os Desembargadores além de entenderem que a Magistrada de primeiro grau deixou de indicar os indícios de autoria em relação a cada um dos acusados, declararam inexistir ocorrências dando conta de que os trabalhadores tenham subvertido a ordem pública.

Por outro lado, determinou-se o trancamento do processo crime sob entendimento de que o Promotor de Justiça, em sua denúncia, não descreveu “referentemente a cada um dos co-réus, os fatos com todas as suas circunstâncias” como lhe é exigido pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, de forma que:
“Imputa-se a todos a prática das condutas nucleares dos tipos mencionados. Em outras palavras, plasmaram-se imputações em blocos, o que implicaria correlativamente absolvição ou condenação também coletiva. Isso é impossível. Imprescindível que se defina qual a conduta imputada a cada um dos acusados. Só assim, no âmbito do devido processo legal, cada réu poderá exercer, à luz do contraditório, o direito de ampla defesa. (...)
Imputações coletivas, sem especificação individualizada dos modos de concorrência para cada episódio, e flagrante contradição geram inépcia que deve ser reconhecida. O prosseguimento nos termos em que proposta a ação acabaria, desde que a apuração prévia deve ser feita no inquérito, não, na fase instrutória, por levar aos Órgãos jurisdicionais do primeiro e segundo grau, um verdadeiro enigma a ser desvendado com o desprestígio do contraditório e da ampla defesa, garantias constitucionais inafastáveis.”
A decisão do Tribunal de Justiça representa importante precedente jurisprudencial contra reiteradas ilegalidades perpetradas contra a luta dos trabalhadores rurais sem terra, contra o ordenamento processual penal, e, sobretudo, contra as garantias constitucionais vigentes. Esperamos que esta decisão se torne cotidiana, para fazer prevalecer o senso de justiça em oposição aos interesses do agronegócio, do latifúndio e dos empresários contrários ao desenvolvimento da reforma agrária que, naquela oportunidade, louvaram os ilegais decretos de prisão contra os trabalhadores.