29 de jul. de 2010

Bird alerta para "tomada" internacional de terras

Investidores em terras agrícolas estão visando países com leis frágeis, comprando terra arável por uma ninharia e deixando de cumprir promessas de geração de empregos e investimentos, de acordo com a minuta de um relatório do Banco Mundial (Bird). A reportagem é de Javier Blas, do Financial Times e reproduzida pelo jornal Valor, 29-07-2010.
Fonte: UNISINOS

 
"O interesse dos investidores está concentrado em países com frágil governança fundiária", disse a minuta. Apesar de acordos terem prometido postos de trabalho e infraestrutura, "os investidores não levaram a cabo os seus planos de investimento, em alguns casos depois de terem infligido graves prejuízos à base de recursos local".

Além disso, "o nível de pagamentos formais exigido era baixo", transformando a especulação num motivo importante para aquisições. "Em muitos casos, o pagamento pelas terras era dispensado e grandes investidores frequentemente pagam menos impostos que os pequenos proprietários - ou não pagam."

O relatório, "The Global Land Rush: Can it yield sustainable and equitable benefits?" [A corrida global por terras: ela poderá render benefícios justos e sustentáveis?] é o mais amplo estudo já realizado sobre a chamada "tomada de terras aráveis", na qual países investem em terras no exterior para reforçar a sua segurança alimentar, ou investidores - na sua maioria residentes locais - compram terra cultivável. A tendência de "tomada de terras" ganhou notoriedade depois de uma tentativa da Daewoo Logistics, da Coreia do Sul, em 2008, de obter uma vasta gleba de terra em Madagáscar por um preço muito baixo e vagas promessas de investimento. O acordo contribuiu para um golpe de Estado no país africano.

A minuta foi vazada para o "Financial Times" por uma pessoa que disse que queria-se impedir que o Banco Mundial publicasse o relatório no meio do período de férias de verão o hemisfério Norte.

O organismo, com sede em Washington, disse que um trabalho estava em andamento e que revisões estão sendo feitas. "Quando for publicado, em agosto, acreditamos que contribuirá com dados muito necessários e com outras informações para esse tema complexo", disse a instituição.

O Banco Mundial defendeu na sua minuta o lançamento de uma Iniciativa de Transparência da Terra baseada no modelo da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (Eiti), que obriga governos, principalmente nos países em desenvolvimento, a revelar receitas provenientes de conglomerados dos setores petrolífero e de mineração e a aprimorar a transparência em torno dos acordos.

Críticos observaram que, oito anos depois do seu lançamento, apenas Libéria, Timor Leste e Azerbaijão eram membros plenos do Eiti. Mas, segundo a minuta, "ao estabelecer um formato uniforme para relatar aquisições de terra e monitorar o processo ao longo do tempo, ela poderia proporcionar acesso a uma informação extremamente escassa".

A minuta destacou alguns poucos sucessos em aquisição de terras - na sua maioria na América Latina, mas também na Tanzânia -, mas a visão global que ofereceu foi de exploração, alertando que ou os investidores careciam da habilidade necessária para cultivar terras ou estavam mais interessados em ganhos especulativos do que em usar a terra de forma produtiva.

O documento afirma ainda que "raramente, se é que houve algum", esforços foram feitos para vincular investimentos fundiários à "estratégia de desenvolvimento mais ampla dos países".

"Consultas com comunidades locais muitas vezes eram ineficazes", acrescenta. "Conflitos eram comuns, geralmente em torno de direitos de propriedade à terra".

O relatório diz também que alguns países distribuíram a investidores terras que estavam dentro dos limites das terras agrícolas de comunidades locais.

Os dados sobre acordos de terras aráveis são superficiais, na sua maioria baseados em relatos da mídia local. Mas a minuta do relatório do Banco Mundial disse que os dados oficiais para alguns países revelaram extensas transferências, incluindo 3,9 milhões de hectares no Sudão e 1,2 milhão de hectares na Etiópia entre 2004 e 2009.

24 de jul. de 2010

Programa de estágios japonês é acusado de explorar trabalho de imigrantes

Reportagem de Hiroko Tabuchi/Hiroshima (Japão), publicada no The New York Times. Jiang Yiyi e Yasuko Kamiizumi contribuíram com a reportagem de Tóquio, e Tyler Sipe de Hiroshima. Tradução: Eloise De Vylder.


Seis jovens chinesas chegaram nessa cidade histórica há três anos, entre dezenas de milhares de aprendizes trazidas ao Japão a cada ano sob a promessa de treinamento profissional, bom pagamento e uma chance de ter uma vida melhor quando voltam.

Em vez disso, elas contam que foram submetidas a 16 horas de trabalho por dia montando telefones celulares, por menos de um salário mínimo, sem quase nenhum tipo de treinamento, todas com o apoio do programa de “treinamento de estrangeiros” do governo, que os críticos dizem ser o “segredo sujo” do Japão.

Minha cabeça doía, minha garganta ardia”, diz Zhang Yuwei, 23, que operava uma máquina que imprimia os teclados dos telefones celulares, sob uma fumaça que segundo ela deixava o ar tão poluído que os gerentes diziam para os operários japoneses evitarem a área.

Zhang diz que ela foi dispensada no mês passado depois que seu empregador descobriu que ela e cinco compatriotas haviam reclamado para uma assistente social sobre suas condições de trabalho. Um advogado japonês está ajudando o grupo a processar o antigo empregador, demandando pagamentos atrasados e por prejuízos no total de US$ 207 mil (R$ 368,6 mil).

Os críticos dizem que os estagiários estrangeiros se tornaram uma fonte de trabalho barato explorada no país que tem uma das populações que envelhece mais rapidamente e as menores taxas de natalidade. Quase fechado para a imigração, o Japão enfrenta uma falta aguda de mão de obra, especialmente para o trabalho duro nas fazendas do país ou em pequenas fábricas familiares.

Os maus-tratos de estagiários parecem ser generalizados”, diz Shoichi Ibusuki, advogado de direitos humanos em Tóquio.

De toda a Ásia, cerca de 190 mil estagiários – migrantes adolescentes e até 30 e poucos anos – trabalham duro nas fábricas e fazendas do Japão. Eles foram trazidos ao país, em tese, para aprender conhecimentos técnicos num programa de ajuda internacional iniciado pelo governo japonês nos anos 90.

Para as empresas, o programa de estagiários apoiado pelo governo ofereceu uma brecha para contratar trabalhadores estrangeiros. Mas com pouca proteção legal, a força de trabalho legal é exposta a condições de trabalho precárias e às vezes até letais, dizem os críticos.

Os números do governo mostram que pelo menos 127 estagiários morreram desde 2005 – ou cerca de um em cada 2.600 estagiários, o que segundo os especialistas é uma taxa de natalidade alta para os jovens que têm de passar por exames físicos rígidos para entrar no programa. Muitas mortes se deram por conta de derrames ou ataques cardíacos que os grupos de defesa dos trabalhadores atribuem ao estresse do trabalho excessivo.

O Ministério da Justiça encontrou mais de 400 casos de maus-tratos de estagiários em companhias de todo o Japão em 2009, incluindo a falta de pagamento de salários legais e a exposição dos estagiários a condições de trabalho perigosas. Este mês, inspetores laborais no centro Japão informaram que um estagiário chinês de 31 anos, Jiang Xiaodong, havia morrido de falência cardíaca induzia por excesso de trabalho.

Pressionados por grupos de direitos humanos e uma série de processos judiciais, o governo do Japão começou a combater alguns dos piores abusos do programa. A Organização das Nações Unidas pediu para o Japão cancelá-lo totalmente.

Depois de um ano de treinamento, durante o qual os trabalhadores migrantes recebem pagamento abaixo do salário mínimo, os estagiários podem permanecer no país para mais dois anos de trabalho em sua área de conhecimento recebendo salários estipulados pela lei. Entrevistas com especialistas do trabalho e uma dúzia de estagiários indicam que os trabalhadores estrangeiros raramente atingem esses níveis de pagamento.

No papel, o pagamento prometido ainda seduz os trabalhadores imigrantes. Muitos vêm da China rural, onde a renda per-capita pode ser de apenas US$ 750 (R$ 1.335) por ano. Para garantir uma vaga no programa, os candidatos a estagiários pagam muitas vezes essa quantia em taxas e depósitos a agentes locais, às vezes oferecendo suas casas como garantia – que podem ser confiscadas se os estagiários saem do país antes ou causam problemas.

A Organização Internacional de Treinamento e Cooperação do Japão, ou Jitco, que opera o programa, diz que sabe que algumas companhias abusaram do sistema e que estava tomando medidas para impedir os piores casos. A organização pretende garantir que “os estagiários recebam proteção legal e os casos de fraude sejam eliminados”, disse a Jitco numa resposta por escrito.

Zhang diz que pagou US$ 8.860 (R$ 15.780) para um agente em sua província natal, Hebei, por uma vaga no programa. Ela foi enviada para uma oficina gerenciada pela Modex-Alpha, que monta telefones celulares vendidos pela Sharp e outras fabricantes de eletrônicos. Zhang disse que seu empregador pediu seu passaporte e a abrigou num apartamento apertado sem aquecimento, junto com outros cinco estagiários.

Em seu primeiro ano, Zhang trabalhou oito horas por dia e recebeu US$ 660 por mês depois de vários descontos, de acordo com seu processo – cerca de US$ 3,77 (R$ 6,7) por hora, ou menos do que o nível do salário mínimo em Hiroshima. Além disso, todo o salário exceto US$ 170 (R$ 302) era guardado pela companhia como poupança, e foi pago apenas quando Zhang pressionou a companhia para receber a quantia toda, diz ela.

Em seu segundo ano de trabalho, seu salário mensal aumentou para cerca de US$ 1.510 – ou US$ 7,91 (R$ 14) por hora, de acordo com seu processo. Isso ainda era menos do que o salário mínimo de US$ 8,56 (R$ 15,25) para a indústria de eletrônicos em Hiroshima. E seus empregadores só liberavam US$ 836 (R$ 1.488) por mês para suas despesas de acomodação e outras, de acordo com seu processo.

E à medida que seu salário aumentou, o mesmo aconteceu com suas horas de trabalho, que chegaram a até 16 horas por dia, cinco a seis dias por semana.

A Modex-Alpha recusou-se a comentar o relato de Zhang, por conta do processo legal contra a companhia.

Numa tentativa do governo de sanar o programa, a partir de 1º de julho, o salário mínimo e outras proteções trabalhistas foram aplicados pela primeira vez para os trabalhadores do primeiro ano. O governo também proibiu os empregadores de confiscarem os passaportes dos estagiários.

Os especialistas dizem que será difícil mudar a cultura do programa.

As dificuldades econômicas também pesam. Embora grandes companhias como a Toyota e a Mazda tenham transferido a maior parte de suas fábricas para a China para se valerem dos baixos salários de lá, as empresas menores não conseguem fazer isso – e no entanto também sofrem pressão para baixar os custos.

Se essas empresas contratassem funcionários japoneses, elas teriam de pagar”, diz Kimihiro Komatsu, consultor trabalhista em Hiroshima. “Mas os estagiários trabalham pelo mínimo. O Japão não pode se dar ao luxo de parar.”

Durante quase três anos, Catherine Lopez, 28, estagiária de Cebu, Filipinas, trabalhou até 14 horas por dia, às vezes seis dias por semana, como soldadora numa fábrica de peças automotivas de Hiroshima, fornecedora da fabricante e automóveis japonesa Mazda. Ela recebe US$ 1.574 (R$ 2.803) por mês, ou US$ 7,91 por hora – abaixo do salário mínimo de US$ 8,83 do setor em Hiroshima.

Lopez diz que os gerentes japoneses na fábrica, Kajiyama Tekko, costumam gritar abusos verbais para seu grupo de seis estagiários, dizendo para eles seguirem as ordens ou “voltarem nadando para as Filipinas”.

Viemos para o Japão porque queríamos aprender tecnologias avançadas”, disse Lopez.

Yukari Takise, gerente da Kajiyama Tekko, negou as acusações.

Se eles não gostam daqui”, diz ela, “podem ir para casa”.

Mas depois de questionada por um repórter do “The New York Times”, a companhia que organiza o programa de estagiários em Hiroshima, Ateta Japan, disse que havia aconselhado a Kajiyama Tekko a recalcular os salários que paga para seus estagiários estrangeiros e ordenado que ela concedesse os dias de férias que deve aos estagiários.

Talvez eles tenham pressionado demais os estagiários”, disse Hideki Matsunishi, presidente da Ateta. “Mas você também precisa ter simpatia pelas companhias, que estão lutando para sobreviver nessa economia.”

(Simpatia por companhias que buscam  lucros via exploração de pessoas? Muito pelo contrário. Não comprarei mais qualquer produto com a marca SHARP, por exemplo! Enoisa) 

2 de jul. de 2010

Plebiscito Popular. Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra

Fonte: UNISINOS

Em setembro deste ano, do dia 01 a 07, será realizado o Plebiscito Popular pelo limite da terra. A iniciativa é parte de uma campanha pela emenda constitucional que “estabelece um limite máximo à propriedade da terra no Brasil”. Na sequência os objetivos e a fundamentação que orienta o plebiscito.

 

CAMPANHA NACIONAL PELO LIMITE DA PROPRIEDADE DA TERRA,
PELA SOBERANIA TERRITORIAL E ALIMENTAR

1. O que é a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra?

Com o objetivo de conscientizar e mobilizar a sociedade brasileira sobre a necessidade e importância de se estabelecer um limite para a propriedade da terra, no ano 2000, o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo - FNRA, lançou a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra: em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar.

Esta campanha foi criada para acabar com a histórica concentração fundiária existente no país. É preciso estabelecer um limite para a propriedade da terra se o Brasil quiser fazer valer um dos objetivos fundamentais da república que é o de "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais." - artigo 3º, inciso III da Constituição.

2. O que é um Plebiscito Popular?

A participação popular é um direito dos cidadãos, pois ela está na essência do conceito de Estado Democrático de Direito. Ela pode ser exercida pela via indireta, quando se elege pelo voto, representantes que exercem o poder político em nome do população brasileira, ou pela via direta, quando a sociedade se manifesta diretamente sobre temas relevantes para o país, por meio de plebiscitos, referendos ou outra forma de iniciativa popular.

A participação popular legitima as decisões sobre os destinos a serem dados para a Nação, fazendo com que o povo seja protagonista direto deste processo. A Constituição Federal Brasileira de 1988, no seu artigo 14, determina que "a soberania popular será exercida pelo voto direto e secreto, e também, nos termos da lei, pelo plebiscito, referendo e pela iniciativa popular." Segundo o artigo 49, XV, compete ao Congresso Nacional, autorizar um referendo e convocar um plebiscito.

Mas a prática de consultar o povo está muito longe de ser concretizada. Até o presente só tivemos um plebiscito e um referendo convocados pelo governo. Diante disto, a sociedade civil organizada tem lançado mão de plebiscitos de iniciativa popular para que a sociedade possa se manifestar sobre problemas relevantes que atingem a vida de cada brasileiro. Mesmo não tendo valor jurídico legal, esta consulta popular tem um grande valor simbólico para mostrar que a sociedade está atenta às grandes questões nacionais e que, por isso mesmo, deveria ser ouvida com respeito e atenção.

3. Por que limitar as propriedades de terras no Brasil?

O Brasil é o campeão mundial em concentração de terra. E está comprovado que a pequena propriedade familiar é a principal produtora de alimentos que chega à mesa dos brasileiros. Ela é responsável por toda a produção de hortaliças, com 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo; 58% do leite, 59% dos suínos, 50% das aves.

Ela emprega 74,4% das pessoas ocupadas no campo, enquanto que as grandes empresas do agronegócio só empregam 25,6% da mão de obra do total.

Enquanto a pequena propriedade ocupa a cada cem hectares 15 pessoas, as empresas do agronegócio ocupam 1,7 pessoas a cada cem hectares.

Os estabelecimentos com até 10 hectares apresentam os maiores ganhos por hectare, chegando até R$ 3.800,00.

A concentração de terras no latifúndio e grandes empresas expulsa as famílias do campo, jogando-as nas favelas e áreas de risco das grandes cidades e é responsável diretamente pelos conflitos e a violência no campo. Somente nos últimos 25 anos foram registrados os seguintes dados: 1.546 trabalhadores assassinados e houve uma média anual de 2.709 famílias expulsas de suas terras. 13.815 famílias foram despejadas. 422 pessoas presas por conflitos agrários.765 conflitos no campo diretamente relacionados à luta pela posse da terra. 92.290 famílias envolvidas em conflitos por terra.

Além do mais, as grandes empresas latifundiárias lançam mão de relações de trabalho análogas às do trabalho escravo. Em 25 anos foram registradas 2.438 ocorrências de trabalho escravo, envolvendo 163 mil trabalhadores escravizados.

4. Existem limites em outros países do mundo?

Sim. O limite para a propriedade da terra não é uma novidade. Muitos países o adotaram com sucesso. Na Coréia do Sul, Malásia, Japão, Filipinas e Tailândia a redistribuição da terra foi um instrumento para o desenvolvimento econômico e social.

Países que estabeleceram limites para a propriedade no século XX:






 
 
 
 
 
Fonte: Carter, Miguel. Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo, Editora da Unesp, 2010, p. 48.

5. Qual é o limite proposto pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo?

O Fórum propõe um limite de 35 módulos fiscais, que varia de região para região - entre cinco e cento e dez hectares cada módulo - e é definido para cada município de acordo com a situação geográfica, a qualidade do solo, o relevo e as condições de acesso.

O limite de 35 módulos significa uma variação entre 175 hectares, em casos de imóveis próximos às capitais com boa infra-estrutura e de fácil acesso aos mercados consumidores e até 3.500 hectares, em boa parte da região da amazônica.

Confira as variações dos módulos fiscais em seu estado:






 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6. O que é um módulo fiscal?
 
O módulo fiscal é uma referência, estabelecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, que define a área mínima suficiente para prover o sustento e a vida digna de uma família de trabalhadores e trabalhadoras rurais. Ele varia de região para região - entre cinco e cento e dez hectares- e é definido para cada município a partir da análise de várias regras, como por exemplo, a situação geográfica, qualidade do solo, o relevo e condições de acesso.
 
A criação do módulo fiscal foi uma tentativa de adequar as propriedades às realidades regionais e municipais. Essa concepção está presente nas leis como, por exemplo, na Lei nº. 8.629. Essa lei foi instituída em 1993 para regulamentar os artigos 184, 185 e 186, da Constituição Federal, que tratam da reforma agrária. Essa Lei estabeleceu, em seu art. 4º, que a pequena propriedade é aquela "de área compreendida entre um e quatro módulos fiscais" - Inciso II. No mesmo artigo, estabelece-se que a média propriedade é aquele imóvel que possui "área superior a quatro até quinze módulos fiscais" - Inciso III. Esta definição é importante porque os imóveis abaixo deste tamanho não são passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, segundo consta no art. 185 da Constituição.
 
7. Por que o FNRA propõe um limite de 35 módulos fiscais?
 
Mesmo tendo este parâmetro legal de até 15 módulos para a média propriedade, o Fórum Nacional de Reforma Agrária propôs como limite máximo, 35 módulos. As entidades do Fórum entendem que, mesmo estabelecendo um limite máximo, a estrutura fundiária brasileira continuará composta de pequenas, médias e grandes propriedades.
 
O limite de 35 módulos significa uma variação entre 175 hectares, em casos de imóveis próximos às capitais, portanto, assistidos com infra-estrutura e bom acesso aos mercados consumidores e 3.500 hectares, em boa parte da região da amazônica. Este limite supera o limite máximo estabelecido na Constituição.
 
8. A quem pertence a Terra?
 
Olhando a realidade à nossa volta, dominada pela brutal mercantilização da vida, em que todas as coisas são transformadas em mercadorias e dominados pelo mundo dos negócios, dizemos que a terra pertence aos que detém o poder, aos que controlam os mercados, aos que podem vender e comprar seu chão, seus bens e serviços, água, genes, sementes, alimentos, ar, energia, lazer, comunicação, transporte, segurança, educação, órgãos humanos e até mesmo pessoas feitas também mercadorias. Estes pretendem ser os donos da terra e dispõem dela como bem entendem.
 
Mas são donos ridículos, pois esquecem que não são donos deles mesmos, nem de sua origem nem de sua morte.
 
A quem pertence a terra? A resposta mais sensata e satisfatória nos vem das religiões, bem representadas pela tradição judaico-cristã. Nesta, Deus diz: "Minha é a terra e tudo o que ela contém e vocês são meus hóspedes e inquilinos" (Lv 25,23). Só Deus é senhor da terra e não passou escritura de posse a ninguém. Nós somos hóspedes temporários e simples cuidadores com a missão de torná-la o que um dia foi: o Jardim do Éden. Por ser geradora de vida, a terra possui a dignidade e o direito de ser cuidada e protegida.
 
9. Como está o planeta terra?
 
Vivemos um momento da história em que está em jogo nosso futuro comum. O encadeamento de crises e especialmente a questão ecológica podem originar uma tragédia de enormes proporções, que impõe a urgente adoção de medidas pessoais em nossa maneira de nos relacionar com a terra e urgentíssimas medidas políticas. O que importa não é a salvação do status quo, mas a salvação da vida e do sistema terra. Esta é a nova centralidade, que redefinirá os grandes rumos da política e das leis.
 
Hoje, aflora, em vários setores da sociedade, uma nova consciência que considera a terra e a humanidade como parte de um vasto universo em evolução, que possuem o mesmo destino e constituem, em sua complexidade, uma única entidade.
 
10. E a crise ambiental?
 
Como a crise ambiental deve ser enfrentada globalmente, é preciso definir o “bem comum da terra e da humanidade”. As características do bem comum são a universalidade e a gratuidade. Deve incluir todos, pessoas e povos, e ao mesmo tempo é oferecido a todos gratuitamente porque representa o que é essencial, vital e insubstituível para a humanidade e a própria Terra. O primeiro bem é a terra, que é condição para todos os outros bens.
 
A biosfera é um patrimônio que a humanidade deve tutelar. Isto vale para todos os recursos naturais: ar, água, fauna, flora, micro-organismos e também para a manutenção do clima. Por isso as mudanças climáticas devem ser enfrentadas globalmente, como uma responsabilidade compartilhada. Fazem parte do patrimônio comum os bens públicos a serviço da vida, como os alimentos, as sementes, a eletricidade, as comunicações, os conhecimentos acumulados pelos povos e pela pesquisa, pelas culturas, artes, técnicas, música, religiões, saúde, educação e segurança.
 
O segundo bem comum é a humanidade, com seus valores intrínsecos como portadora de dignidade, consciência, inteligência, sensibilidade, compaixão, amor e abertura para o Todo. A humanidade aparece como um projeto infinito e por isso sempre inacabado. O fecundo conceito de bem comum proíbe que sejam patenteados recursos genéticos fundamentais para a alimentação e a agricultura, enquanto as descobertas técnicas patenteadas devem sempre ter um destino social. Pertence ao bem comum da humanidade e da Mãe Terra a convicção de que uma energia benfeitora está subjacente a todo o universo, sustenta cada um dos seres e pode ser invocada, acolhida e venerada.


Qual o limite da propriedade da terra? Entrevista especial com Gilberto Portes

Greve da Vale no Canadá vira 'planetária'

Os trabalhadores em greve das minas da Vale no Canadá estão recebendo a ajuda financeira de sindicatos de outros países, como Estados Unidos e Alemanha, que veem na paralisação uma disputa decisiva para definir o futuro de negociações com empresas multinacionais em outras partes de mundo em meio a uma grave crise econômica.A reportagem é do jornal Valor, 01-07-2010.
Fonte: UNISINOS


Cerca de 2.600 trabalhadores de Sudbury recebem um auxílio greve de US$ 200 por semana do sindicato. Do ponto de vista dos grevistas, é relativamente pouco dinheiro para fazer frente ao custo de vida relativamente alto dessa região canadense. Mas, para o sindicato, a despesa acumulada com o pagamento dos benefícios é respeitável, e se aproxima de US$ 30 milhões desde o início da paralisação.

O sindicato gasta cerca de US$ 70 mil por mês para ajudar os grevistas a comprar remédios, depois que o benefício previsto pelo contrato com a empresa foi suspenso, em virtude da paralisação. Também opera um depósito de comida para distribuir aos mais necessitados, e atende casos individuais de pessoas que enfrentam dificuldades para pagar contas, como o aluguel e eletricidade.

Há dinheiro também para transportar representantes dos grevistas que defendem o ponto de vista dos trabalhadores em eventos em lugares como o Brasil, EUA, Inglaterra e África do Sul. Protestos dos trabalhadores em Nova York, diz o sindicato, levaram ao cancelamento de homenagens programadas pelas Bolsa de Valores local à Vale. "O dia da Vale foi cancelado por causa de problemas de agenda", sustenta o diretor de comunicação da Vale Inco, Cory McPhee.

Trabalhadores estavam em frente do hotel Astoria Wardorf, localizado em Nova York, no dia em que ocorreria uma cerimônia em homenagem ao presidente da Vale, Roger Agnelli. No fim de semana passado, ônibus foram fretados para levar trabalhadores aos protestos em torno da reunião do G-20, que reuniu lideres das 21 principais economias do Planeta, em Toronto. As disputas judiciais com a empresa também custam caro. Apenas numa ação, a Vale demanda do sindicato o pagamento de uma multa de US$ 24 milhões, para recuperar supostos prejuízos causados por bloqueios nas entradas de suas minas.

A maior parte do dinheiro que banca a paralisação vem de um fundo internacional de greve mantido pelos Metalúrgicos Unidos (USW), um sindicato internacional com base nos EUA, para o qual os trabalhadores sindicalizados contribuem em tempos de paz. Mas o sindicato Local 6500, organização que está à frente da mobilização, também tem recebido doações de sindicatos de outras partes do mundo.

"Eles dizem que a nossa greve vai definir muito do que vai acontecer no movimento sindical em outras partes do mundo", afirma o presidente do Local 6500, John Fera. Muitos acham bom o apoio internacional, mas a reportagem do Valor ouviu receios de alguns trabalhadores, que falaram de forma reservada, de que seus interesses trabalhistas imediatos estejam sendo subordinados ao movimento sindical internacional.

Para ter direito ao auxílio de US$ 200 por semana do sindicato, os grevistas têm que, a cada dois meses, participar durante oito horas em uma das linhas de piquete. Para pagar as contas, muitos arrumam empregos temporários para, vencido o período mínimo de três meses, candidatarem-se ao seguro-desemprego. É o caso do eletricista John Cavallin, que arrumou emprego temporário em um centro de distribuição e, agora, recebe do governo US$ 400 por semana. "Poderia ganhar mais do que na Vale se fosse trabalhar numa empresa de energia em outra região, mas quero permanecer perto de minha família", disse Cavallin, pouco antes de iniciar um churrasco numa linha de piquete na entrada de uma das unidades da Vale. Cerca de 400 funcionários foram trabalhar temporariamente nas minas de uma cidade próxima e não recebem auxilio do sindicato.

A cidade de Sudbury foi fundada no início do século passado pelas mineradoras que se instalaram na região. No início, não passava de conjuntos de pequenas casinhas em volta das minas, onde moravam sobretudo imigrantes vindo de países como Itália e Irlanda.

A paisagem urbana começou a mudar a partir da década de 1960, quando a renda média dos trabalhadores das minas começou a subir - e eles se mudaram para casas maiores, rodeadas de gramados e carros novos nas garagens. Os ativistas sindicais gostam de vincular a ascensão econômica da categoria à filiação dos trabalhadores aos Metalúrgicos Unidos na década de 1960.

Essa organização segue a linha sindicalista americana do pós-guerra, focada principalmente nas reivindicações econômicas, ao contrário da tradição sindical socialista da região de Sudbury, que tinha forte bandeira política. Hoje, com um salário básico de cerca de US$ 60 mil por ano, a categoria é vista como "rica" na cidade. "Ouço isso de vários amigos", afirmou um especialista em explosões, que não quis se identificar, diante de um copo de cerveja, num bar em Sudbury. "Eu digo que, se eles têm alguma dúvida se eu mereço o meu salário, é só entrarem debaixo da terra para verem como o trabalho é duro e perigoso", completou.