31 de dez. de 2010

"A palavra ‘espião’ é invenção do Globo", diz professor

O jornal O Globo publicou, dia 19 de dezembro, uma reportagem sobre telegramas de diplomatas norteamericanos, divulgados pelo Wikileaks, dando destaque à existência de espiões do MST dentro do Incra e sobre uma suposta prática dos assentados “de alugar a terra de novo ao agronegócio”. Citado como fonte das informações, o professor Clifford Andrew Welch, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), denuncia manipulação do jornal: “Nunca falei e jamais falaria algo assim. Em primeiro lugar, a palavra ‘espião’ é invenção do Globo, porque não aparece nos relatos diplomáticos disponibilizados pelos jornais".
Fonte: Carta Maior

O professor Clifford Andrew Welch, do curso de história da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi citado como fonte das informações de telegramas remetidos por diplomatas estadunidenses no Brasil aos Estados Unidos, divulgados pelo Wikileaks.

O jornal O Globo publicou uma reportagem sobre esses telegramas, no dia 19 de dezembro, dando destaque a existência de espiões do MST dentro do Incra e sobre uma suposta prática dos assentados “de alugar a terra de novo ao agronegócio”.

Nunca falei e jamais falaria algo assim. Em primeiro lugar, a palavra ‘espião’ é invenção do Globo, porque não aparece nos relatos diplomáticos disponibilizados pelos jornais”, denuncia Welch.

Em relação ao aluguel de áreas de assentados ao agronegócio, o professor da Unifesp destaca que a coordenação nacional do MST é declaradamente contra a prática e que a declaração aparece sem contextualização.

Fora de contexto, assim como apresentado no despacho diplomático, o aluguel dos lotes parece ser de fato “cínico e irônico.” "O relatório não contempla a pressão das usinas nos assentados, com oferta de dinheiro fácil para o plantio da cana de açúcar, que tem causado muitos problemas aos assentados, como demonstram várias pesquisas realizadas pela Unesp”, pontua.

Welch rebate também a tese de que os movimentos de sem-terra, especialmente o MST, entraram em declínio dos oito anos do governo Lula, apresentando dados que demonstram que no caso das ocupações de terras e do número de famílias envolvidas na luta pela terra, as estatísticas dos governos FHC e Lula se equivalem.

Durante os oito anos do governo Cardoso, 571.650 famílias participaram em 3.876 ocupações organizadas por mais que 20 movimentos. Os números do governo Lula ainda não foram calculados totalmente, mas durante os primeiros sete anos, são registrados a participação de 480.214 famílias em 3.621 ocupações”.

Abaixo, leia esclarecimento do professor Welch.


Wikileaks, a imprensa, o MST e eu

Por Clifford Andrew Welch
Prof. Dr. Adjunto do Curso de História da Universidade Federal de São Paulo


Demorou. Em abril de 2007, pedi pessoalmente uma cópia do relatório do investigador dos Estados Unidos da América que me entrevistou sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Pedi de novo por email em setembro, mas nem resposta recebi, muito menos o documento.

Foi o grupo Wikileaks que recentemente revelou os resultados dos andamentos do agente estadunidense no Pontal do Paranapanema, São Paulo, e meu nome estava no meio das reportagens que saíram nos jornais nos dias 19 e 20 do mês atual.

Como coordenador ajunto do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em abril de 2009, confesso que estava pouco animado com a visita do Vice Consul Benjamin A. LeRoy do Consulado Geral dos EUA, em São Paulo, quando nos pediu uma hora para “conhecer o trabalho do Nera e aprender um pouco mais sobre reforma agrária e movimentos sociais de sem-terra,” como nos escreveu a assistente de assuntos políticos do consulado, Arlete Salvador.

Como historiador especializado em estudos da política externa dos EUA na América Latina, já conhecia figuras como LeRoy e seus relatórios. Eram fontes importantes para entender a natureza da interferência do império em sua esfera de influência. Agora o disco virou e era eu a fonte. Fiquei assustado com os erros do relatório de Benjamin, a distorção dos fatos interpretados pelo cônsul-geral Thomas White e, mais uma vez, preocupado com o método empírico do historiador, que depende demais em documentos oficiais e notas jornalísticas.

Faz sentido confiar em um investigador que nem sabe onde estava ou com quem estava falando? O despacho que relata a investigação de Benjamin usa a sigla Uneste no lugar da sigla Unesp e dá como a minha afiliação institucional a Universidade de Michigan, ambas afirmações equivocadas.

Pior, ainda, é a fala atribuída a mim por Benjamin e relatado pelo White que ficou como manchete no Globo: “MST teria espiões no Incra para orientar invasões”. Nunca falei e jamais falaria algo assim. No primeiro lugar, a palavra “espião” é invenção do Globo, porque não aparece nos relatos diplomáticos disponibilizados pelos jornais.

No “telegrama” em questão de 29 de maio, White escreveu que “O MST segue uma metodologia programada em suas ocupações de terra que inclui a utilização de contatos dentro do Incra para ajudar selecionar alvos, segundo [...] Welch.”

Em outro momento, o cônsul relata que eu o informei de que “o MST aproveita contatos dentro do Incra para determinar qual será a próxima área sujeito a desapropriação.” Segundo o relato, “Welch contou para Benjamin que o Incra não disponibiliza as informações ao público e que o único jeito para o MST acessar os dados seria através de informantes dentro do Incra.”

O jeito como o cônsul interpretou o relato de Benjamin de coisas que não falei sobre as relações entre o MST e o Incra reflete mais do macartismo que a realidade do Brasil. Macartismo é a ideologia do “medo vermelho” que causou alarme nos EUA nos meados do século passado quando foi alegado que espiões russos infiltrados no setor público estavam minando a segurança nacional do país.

A atual situação no Brasil não tem nada ver com a Guerra Fria, obviamente. O dever constitucional do Incra é fazer reforma agrária. O MST procura pressionar para que o Incra realize a reforma agrária.

É bom lembrar, como falei para o Benjamin, que as informações do Incra são públicas para todo mundo. Me lembro que tentei explicar para o Benjamin que a maioria das ocupações do MST não foram realizadas em maneira aleatória, mas a partir de áreas com desapropriação em andamento. Quer dizer, o movimento faz esforço para colaborar com o processo constitucional de identificação de terras improdutivas ou sujeito a desapropriação por violar as leis trabalhistas ou ambientalistas. É o cônsul que inventou um sentido de clandestinidade.

No mesmo documento de abril, que tem o titulo “O método do MST: Tira proveito do governo, alienar os vizinhos,” o cônsul toma vantagem da investigação do Benjamin para alegar que membros do MST que ganham lotes de reforma agrária do Incra vão acabar “alugando ao agronegócio” a terra “numa pratica cínica e irônica.” A fonte para esta informação parece ter sido “um líder do agronegócio” em Presidente Prudente.

Fora de contexto, assim como apresentado no despacho diplomático, o aluguel dos lotes parece ser de fato “cínico e irônico.”

O relatório não contempla a pressão das usinas nos assentados, com oferta de dinheiro fácil para o plantio da cana de açúcar, que tem causado muitos problemas aos assentados, como demonstram várias pesquisas realizadas pela UNESP. A coordenação nacional do MST é declaradamente contra a prática.

São outros erros de fato e interpretação nos documentos e noticias. A Folha aproveitou o esvaziamento dos documentos para alegar que o MST está em “declínio,” que a “base do movimento encolheu.” O Globo dá destaque para um suposto abandonou da causa da luta pela terra pelo presidente Lula, uma interpretação que apareça nos telegramas do White.

Porém, é difícil sustentar estes argumentos. De fato, os cálculos das estatísticas do governo Lula bem como os do Nera sustentam o contrário, mostrando de que Lula assentou mais famílias que o presidente Fernando Henrique Cardoso que declarou ter feito mais para reforma agrária que qualquer outro presidente brasileiro, mas o governo Lula defende que assentou 59 por cento dos beneficiários de reforma agrária na história do Brasil.

No caso das ocupações de terras e o número de famílias envolvidas na luta pela terra, as estatísticas são quase iguais. Durante os oito anos do governo Cardoso, 571.650 famílias participaram em 3.876 ocupações organizadas por mais que 20 movimentos. Os números do governo Lula ainda não foram calculados totalmente, mas durante os primeiros sete anos, são registrados a participação de 480.214 famílias em 3.621 ocupações.

Temos que agradecer Wikileaks por quebrar o sigilo que ainda reina nos círculos diplomáticos décadas depois do final da Guerra Fria. Em meu caso, deu para desmentir fatos equivocados e desconstruir interpretações anacrônicas, inclusive das reportagens da grande imprensa.

12 de dez. de 2010

Homenagem a João Pedro Stedile: efeitos de uma vaia paradoxalmente consagradora

Artigo de Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin.
Fonte: Carta Maior


Na homenagem que a Câmara dos Deputados prestou a João Pedro Stédile, esta semana [primeira semana de dezembro/2010], conferindo-lhe a Medalha de Mérito Legislativo "por seus serviços prestados para a sociedade", algumas vaias tentaram tirar o efeito dos aplausos entusiasmados que ele recebeu. Para quem acompanha o trabalho desse líder do MST, a trajetória dedicada, corajosa e perseverante que tem marcado sua luta em favor das/os trabalhadoras/es sem terra e à causa da reforma agrária, não é difícil identificar de quem partiu a grosseria e os motivos que a inspiraram.

A oposição que os latifundiários do país movem contra tudo o que possa afetar seus privilégios, acomodada historicamente fortemente na bancada ruralista do Congresso Nacional, não podia aceitar uma honraria como essa, que reconhece na pessoa do João Pedro tudo aquilo que serve de resposta e contestação à concentração desumana da propriedade da terra, por eles promovida, a um produtivismo que não se importa de matá-la, à sujeição estúpida desse bem de vida, reduzido à simples mercadoria, cujos frutos devem ser abortados se não derem bom lucro, ainda que isso custe a fome de milhões.

Foi uma vaia, portanto, que tentou abafar o ruído daquelas verdades ocultas pelo poder da grande propriedade rural, como a da conquista indiscriminada do nosso território, em conluio com transnacionais dedicadas à exploração agrícola, à venda de venenos, à fraude dos registros públicos, à manipulação das leis em benefício próprio, ainda que isso custe a violação dos nossos direitos sobre as áreas de fronteira, dos nossos mananciais, da segurança de posse das/os quilombolas e das/os índias/os.

Foi uma vaia ao discernimento crítico oportuno e necessário capaz de identificar todos aqueles fatores de injustiça social que estão acoplados a megaprojetos agroexportadores. Esses não distinguem a diferença fundamental que caracteriza um direito de propriedade, mesmo quando esse respeita só minimamente a sua função social, aquela que identifica a relação-pertença entre o dono e o seu bem, mas não esquece a relação-destino desse mesmo bem, a qual não pode ser garantida em prejuízo alheio. A pretexto de aumentar nossas divisas, esse tipo de exploração da terra não hesita em levar consigo a floresta, a água, a fauna e a flora que a natureza nos deu de graça.

Foi uma vaia partida dos abusos e dos tradicionais desvios de direito, de que não estão excluídos nenhum dos Poderes Públicos, sempre que sacrificam as/os sem-terra, sob a justifitiva de que, em defesa deles próprios (!?) a lei tem que ser respeitada, mesmo que isso custe a sua morte, como aconteceu o ano passado, em São Gabriel, com o assassinato do sem-terra Elton Brum da Silva.

Foi uma vaia partida de quem não se envergonha de obstruir qualquer tentativa do Executivo, ou do Congresso Nacional, de imporem a revisão dos índices de produtividade das terras do país, coisa defasada há décadas, nem de permitir a tramitação de qualquer projeto de lei tendente a punir a exploração do trabalho escravo. Se os meios para esconder essa sujeira exigir despistes do tipo criação de CPMIS contra as/os sem-terra, presença diária na mídia para a sua criminalização, nenhum escrúpulo seja considerado suficiente para impedi-los.

Foi uma vaia à justa indignação de que estão possuídas/os as/os brasileiras/os empenhadas em apoiar as reivindicações dos direitos humanos fundamentais do povo pobre do nosso país, em sindicatos, ONGs, Igrejas, espaços políticos alternativos onde ele ao menos é ouvido contra o coronelismo armado de jagunços, de manobras de bastidores empreendidas em Bancos, em órgãos Públicos, em “tenebrosas transações” como diz Chico Buarque.

Foi uma vaia, enfim, de vendilhões, bem como o daqueles que Jesus Cristo expulsou a relho de dentro do templo. Hoje, o templo da cidadania e da dignidade humana, que deveria estar sendo venerado reciprocamente, por todas/os brasileiras/os, a ponto de erradicar a pobreza, como diz a nossa Constituição Federal e recomenda o mais elementar princípio de bom senso, não alcança ser reconhecido por aquela gente que vaiou o João Pedro. Não poderia haver prova melhor, portanto, de que a homenagem que ele recebeu se justificou e foi mais do que merecida.

Áreas rurais concentram 75% da pobreza mundial

Cléo Fatoorehchi - IPS. Tradução: Katarina Peixoto. Fonte: Carta Maior

Por todo o mundo, camponeses estão sendo apanhados em um círculo vicioso: os governos não investem o suficiente na agricultura e os produtores locais estão sendo expulsos de suas terras e lançados em periferias urbanas onde se afundam ainda mais na pobreza. Isso só dificulta os esforços para aliviar o problema da desnutrição: em todo o mundo, 925 milhões de pessoas seguem sofrendo fome crônica, segundo dados divulgados em setembro pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

Olivier de Schutter, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direito à alimentação, assinalou que a solução mais sustentável é incrementar os investimentos agrícolas nos países em desenvolvimento do Sul para melhorar a renda dos camponeses e dar-lhes uma maior estabilidade no setor. De Schutter, que trabalha de forma independente, foi designado em maio de 2008 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra. Desde então, visitou a Nicarágua, Guatemala, Brasil, Benin e Síria. Segue a entrevista que ele concedeu a IPS:

IPS: Qual a importância da agricultura nas economias dos países em desenvolvimento?

Vários países em desenvolvimento dependem demasiadamente de um punhado de matérias primas, como o algodão, o café, o tabaco e o açúcar. Isso os torna muito vulneráveis a mudanças dos preços desses produtos e também significa que têm uma tendência a investir muito nestes cultivos para sua exportação e menos para o consumo local. Esse é o caso de quase todos os países da África Subsaariana. Neste contexto, eu estou sugerindo a esses países que façam duas coisas: primeiro, investir na agricultura para produzir alimentos internamente e, assim, tornar-se menos vulnerável no futuro aos aumentos de preços no mercado de alimentos, uma medida fundamental para a sua segurança alimentar.

Segundo, que diversifiquem suas economias para ter um setor secundário (a indústria) e outro terciário (os serviços) que possam absorver a mão de obra excedente e diminuir a dependência de um pacote limitado de cultivos de exportação como fonte de renda.

IPS: Uma maior produtividade agrícola impulsionaria as economias de alguns dos países mais pobres na África e Ásia?

Os investimentos na produtividade agrícola podem ser fundamentais se beneficiarem os camponeses, que são os mais pobres. Cerca de 75% da pobreza mundial está concentrada em áreas rurais. Melhorar a renda dessas pessoas fará com que comprem mais de produtores e provedores de serviços locais, com um importante efeito multiplicador nas economias, beneficiando também os setores da indústria e de serviços em seus respectivos países.

IPS: Que tipo de investimento está recomendando?

São necessários investimentos públicos e privados. Os países simplesmente não tem o orçamento necessário, muitos carecem de recursos. Certos investimentos provavelmente devem ser feitos pelo Estado, já que não existem incentivos ou são débeis para o setor privado. Por exemplo, os estados deveriam desenvolver serviços de extensão rural, infraestrutura e pesquisa agrícola. Deveriam criar escolas agrárias e apoiar organizações e cooperativas de camponeses.

Os investimentos do setor privado também são importantes e podem complementar os do setor público. Mas não devem tomar a forma de aquisições ou de compra de terra em grande escola, pois isso pode causar enormes perturbações sociais e políticas, constituindo um retrocesso nos esforços para melhorar o acesso a terras por parte dos pobres que, em geral, já tem pouco para cultivar. Então, qual é a alternativa? Creio que certas formas de contratos agrícolas podem garantir importantes benefícios para os camponeses, possibilitando que sejam apoiados por investimento e garantam o acesso à terra.

IPS: De quanto exatamente necessita a agricultura e quanto está sendo investido hoje? Qual é o déficit?

Estima-se que, para relançar a agricultura na África Subsaariana e cobrir 30 anos de esquecimento, são necessários entre 35 e 45 bilhões de dólares anuais durante um período de cinco anos (2010-2015). Isso é mais do que se prometeu até agora e, de fato, pouco dinheiro foi prometido para essa finalidade.

IPS: Quais são algumas das soluções para esta falta de responsabilidade?

A participação dos parlamentos nacionais e de organizações da sociedade civil, incluindo grupos de camponeses, pode ser muito importante para garantir que os governos tomem decisões bem informadas na base de uma adequada compreensão sobre o que os pobres necessitam. Eu recomendo a adoção de estratégias que sejam desenvolvidas em marcos participativos, por meio dos quais os governos estabeleçam pontos de referência para eles mesmos dentro de um prazo determinado e atribuam responsabilidades em diversos departamentos para a adição das medidas necessárias para atingir tais metas. Isso aumenta a responsabilidade do governo, já que terá que justificar a ausência de ações e explicar por que não cumpriu as metas que fixou para si mesmo.

IPS: O alimento pode ser usado como arma de guerra?

Pode sim. Interromper o transporte de ajuda alimentar a zonas afetadas pela guerra sob o pretexto de que a ajuda poderia terminar em mãos de guerrilheiros, matar de fome uma população para castigá-la por ser hostil ao governo central ou destruir cultivos para privar as pessoas de alimentos são graves violações aos direitos humanos. Em alguns casos podem constituir crimes de guerra ou contra a humanidade. No entanto, o mais frequente é o uso de alimentos como ferramenta política, para recompensar partidários e castigar adversários.

28 de nov. de 2010

Neoliberalismo gera desemprego e pune os desempregados

Artigo de Andre Damon, originalmente publicado no World Socialist Web Site, 10-11.
Fonte: Agência Carta Maior


A taxa oficial de desemprego nos EUA atingiu 10,2% em outubro, de acordo com o relatório apresentado na sexta-feira, dia 6, pelo Departamento do Trabalho do país. Trata-se da segunda vez apenas, desde a II Guerra Mundial, em que a taxa atinge dois dígitos. Trata-se, assim, do mais alto índice desde 1983.

Os últimos relatórios evidenciam a verdadeira base da “reconstrução” clamada pelo governo Obama: aumento do desemprego, aliado ao aumento da intensidade de trabalho e ao corte nos salários. O relatório sobre o desemprego foi divulgado apenas um dia após aquele que relatava um aumento na intensidade de trabalho, numa jornada representada em menos dinheiro.

A taxa de desemprego, medida com base numa pesquisa familiar, aumentou 0,4% em outubro, muito mais do que esperavam os economistas.

Como um todo, foram perdidos 190.000 empregos, acima dos 175.000 previstos pelos economistas. Como um todo, a pesquisa familiar realizada - incluindo aqueles que trabalham para si próprios e pequenos comerciantes - obteve um número muito maior de empregos cortados: 558.000.

Cerca de 61.000 empregos na manufatura foram perdidos no mês, elevando o número total perdido no setor desde dezembro de 2007 para 2,1 milhões. Já no varejo o número de empregos cortados no mês foi de 40.000. O setor de serviço, como um todo, cortou 61.000 empregos.

A taxa de desemprego no Canada aumentou 0,2% em outubro, para 8,6%. O país perdeu 43.000 empregos no último mês, em contraste com a adição de 10.000 empregos prevista pelos economistas. Cerca de 400.000 empregos foram eliminados no país desde outubro de 2008.

Desde o início da recessão, 8,2 milhões de empregos foram destruídos nos EUA, elevando o número de pessoas desempregadas no país para 15,7 milhões, significativamente maior que a população de Cuba, da Grécia ou da Suécia. Dentro desse quadro, cerca de 5,6 milhões, ou 35,6%, estão desempregados há 27 semanas ou mais.

A taxa de desemprego mais ampla, que inclui aqueles que já deixaram de procurar emprego e aqueles que trabalham apenas meio-período involuntariamente, atinge números ainda mais alarmantes: 17,5% da população. Trata-se do maior número já registrado na história e cerca de 0,5% a mais que o de setembro. O número de pessoas que gostaria de ter um emprego de período integral mas não pode, somados àqueles que tiveram as horas cortadas pela metade, atinge 9,3 milhões.

Diante disso, os economistas revisaram para cima sua estimativa da taxa de desemprego para o próximo ano, com muitos deles prevendo algo além dos 11%. Tal número representaria a mais alta taxa desde a II Guerra Mundial.

A última vez que a taxa ultrapassou os 10% foi durante a recessão de 1982-83, quando atingiu 10,8%. As condições para os trabalhadores, hoje, entretanto, estão muito piores que aquelas da década de 80. Nas três décadas que se passaram, avançou uma consciente campanha pela flexibilização dos direitos trabalhistas, que representou-se não apenas em cortes de empregos, como também em corte de tempo de trabalho e imposição de trabalhos mais intensos.

Tudo isso se expressou no relatório divulgado na quinta-feira pelo Departamento do Trabalho dos EUA, que divulgou um aumento de 9,5% na produtividade do trabalho, em comparação com o último semestre do ano passado. A produtividade é calculada de acordo com o produzido durante determinado período trabalhado. Nos últimos seis meses, a produtividade aumentou no maior nível desde 1961.

O aumento da produtividade choca-se com o fato de que os trabalhadores têm de fazer mais por menos. Muitas empresas cortam parte de sua força de trabalho e forçam aqueles trabalhadores que ficaram a trabalhar por seus companheiros demitidos.

A resposta de Obama aos dados divulgados na sexta-feira era uma mistura de indiferença e ideias paliativas. Numa declaração na Casa Branca, afirmou: “Mesmo que isso nos tome tempo e paciência, sou confiante na recuperação da economia. Tenho confiança de que estamos no caminho certo”.

Em seguida, Obama defendeu que as medidas de “estímulo” injetadas por seu governo “salvaram e criaram” milhões de empregos. Tal idéia baseou-se em dados altamente inflados a respeito dos empregos que seriam cortados caso não tivessem agido. Na verdade, o número de pessoas diretamente empregadas graças às medidas de Obama é insignificante.

Em seguida, Obama anunciou a extensão do plano de benefícios aos desempregados em 20 semanas para alguns estados do país. O presidente norte-americano informou que a lei assinada por ele aumentará os benefícios existentes para mais de 700.000 pessoas. O salário-desemprego chegará a US$ 300, podendo ser estendido para até 33 semanas.

A lei também inclui um aumento da taxa de crédito para aqueles que comprarem casas. Tais programas buscam aliviar o processo mas, de forma alguma, apontam um caminho para superação da crise.

Buscando diminuir os comentários de que seu governos está ampliando demais os gastos federais, Obama declarou que as lei que estende os benefícios aos desempregados era “neutra” do ponto de vista dos gastos do Estado. “A lei que assinei não acarretará em nossos gastos. Trata-se de algo muito pequeno e, nesse sentido, responsável do ponto de vista fiscal”, afirmou.

O foco no corte dos gastos federais, tema repetido por muitos representantes do governo nas últimas duas semanas, surgiu após os cofres do governo serem abertos ao setor financeiro. O aumento dos lucros e dos bônus aos maiores bancos serão pagos via corte nos gastos sociais.

Obama indicou que seu governo busca medidas adicionais, focadas em cortes fiscais para corporações, supostamente para gerar empregos. Com isso, o governo rejeitaria novos pacotes de estímulo.

Alan Krueger, economista-chefe do Departamento do Tesouro, disse a jornalistas que não existem planos seguros sendo planejados. “Não posso falar sobre o que está sendo considerado, nem mesmo se o que está sendo considerado acontecerá”, afirmou ele.

A esse respeito, Obama ainda defendeu “uma agenda agressiva para promover as exportações e ajudar os negócios americanos no resto do mundo”. Tal declaração refere-se a um componente chave da estratégia americana para diminuir seus gastos fiscais: a desvalorização do dólar para aumentar as exportações e diminuir importações.

A realidade por trás de tal proposta, no entanto, é o ataque aos salários, base da competição em todo o mundo por mão-de-obra. Os salários nos EUA caíram neste ano para um nível recorde e continuará caindo.

O próprio governo desferiu esse ataque com o processo de bancarrota da General Motors e da Chrysler no começo deste ano, vinculado ao rebaixamento dos padrões de vida da classe operária.

No começo desta semana, Obama declarou, num encontro do Conselho de Recuperação Econômica, que gostaria de “criar algo para que os investimentos fossem alavancados”. A única forma de fazer isso, para ele, no entanto, se dá através da permanente redução dos salários e pelo aumento da produtividades dos trabalhadores americanos.

Para Obama e o setor da burguesia que representa, altos índices de desempregos não são indesejáveis - pelo contrário, são absolutamente necessários.

7 de set. de 2010

Pelo limite da propriedade da terra

Artigo de Dom Pedro Casáldaliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, publicado pela cartilha do Encontro Nacional de Formação e Capacitação do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo.
Fonte: UNISINOS


Um santo profeta de antigamente dizia que Deus criou o Universo e o diabo inventou a propriedade. "A Terra é de Deus e Ela dá a todos", repete o povo. Nos quatro primeiros séculos da Igreja cristã, muitas vozes proféticas condenaram o pecado do lucro, da acumulação, da absolutização da propriedade. Seguiam o exemplo de Jesus, tão explicito frente ao dinheiro e a acumulação. Ele nos ensinou que o Pai é "nosso" e que o pão deve ser "nosso". Ele próprio se faz partilha e comunhão.

Depois dessa primeira época, banhada em sangue mártir, a Igreja de Jesus tem cometido muitas alianças espúrias com o dinheiro e o poder. Lamentavelmente ela tem ajudado com palavras, com feitos e com estruturas, a fazer da propriedade um direito "sagrado". Também ela tem ajudado, muitas vezes, a condenar a propriedade absoluta e a reivindicar a hipoteca social que pesa sobre toda a propriedade.

A propriedade é um direito e também um dever. A propriedade capitalista, por definição, acumula e exclui, justifica a fome, a miséria, a depredação e o ecocídio, o armamentismo e as guerras...

Frente à propriedade absoluta, há tempo que vêm surgindo vozes e ações de protesto, de revolta, de propostas justas e alternativas. Concretamente no nosso Brasil (e em toda nossa América). Este Brasil, que poderia ser uma bênção, ocupa o segundo lugar mundial na concentração da propriedade fundiária. É campeão em latifúndio e em desigualdade social.

Está na hora de condenar o latifúndio como uma iniquidade. Está na hora de fazer da reforma agrária uma realidade e não mais um sarcasmo de promessas e subterfúgios. Proclamamos, com indignação e com esperança, que é possível, necessário e urgente acabar com o latifúndio. Todo latifúndio é injusto. E só se fará justiça ao povo do campo com uma reforma agrária e agrícola de terra distribuída e estabelecidos os limites máximos de toda propriedade.

Estamos em campanha por um outro modelo para o campo brasileiro. Atualizaremos e radicalizaremos uma autêntica revolução no campo. Pelo Deus da vida e da Terra. Militantes e mártires, que vêm dando seu suor e seu sangue, nos comprometem e nos acompanham. Exigimos do Congresso e do Judiciário o cumprimento da Constituição que dispõe que "a propriedade atenderá sua função social".

Queremos fazer do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo um Fórum permanente e verdadeiramente nacional. E, concretizando nossa luta e reivindicação, assumimos, com a teimosia que for necessária, e em união com todas as forças vivas, a Campanha pelo Limite da Propriedade da Terra.

22 de ago. de 2010

"Reforma Agrária Popular exige novo modelo de desenvolvimento"

João Pedro Stédile, dirigente nacional do MST e da Via Campesina, concede entrevista à Nilton Viana, do jornal Brasil de Fato,  analisando o atual cenário eleitoral.
Fonte: UNISINOS 


Com a implementação do modelo neoliberal, os bancos e o capital financeiro aumentaram seus lucros e passaram a dirigir a economia do Brasil, que se sustenta na política de juros altos, meta de inflação, arrocho fiscal e política de exportações. Quais as consequências desse modelo?

Estamos vivendo a etapa do capitalismo que se internacionalizou, dominou toda a economia mundial sob a hegemonia do capital financeiro e das grandes corporações que atuam em nível internacional. O mundo é dominado por 500 grandes empresas internacionalizadas, que controlam 52% do PIB mundial e dão emprego para apenas 8% da classe trabalhadora. As consequências em nível mundial são um desastre, pois toda população e os governos nacionais precisam estar subordinados a esses interesses. E eles não respeitam mais nada, para poder aumentar e manter suas taxas de lucro.

Seus métodos vão desde a apropriação das riquezas naturais, deflagração de conflitos bélicos para manter as fontes de energias e controle do Estado, para se apropriarem da mais-valia social ou poupança coletiva através dos juros que os estados pagam aos bancos. No Brasil, a lógica é a mesma.

Com um agravante, sendo uma economia muito grande e dependente do capital estrangeiro, aqui o processo de concentração de capital e de riqueza é ainda maior. Esta é a razão estrutural do porquê – apesar de sermos a oitava economia mundial em volume de riquezas – estamos em 72º lugar nas condições médias de vida da população e somos a quarta pior sociedade do mundo em desigualdade social. Portanto, essa fase do capitalismo, em vez de desempenhar um papel progressista no desenvolvimento das forças produtivas e sociais, como foi a etapa do capitalismo industrial; agora, os níveis de concentração e desigualdade só agravam os problemas sociais.

Mesmo com a eleição de governos mais progressistas, o Estado brasileiro mantém seu caráter antipopular, sem a realização de mudanças mais profundas que resolvam os problemas estruturais do país. Como você avalia a democracia e o Estado no Brasil?

Primeiro, há uma lógica natural do funcionamento da acumulação e da exploração do capital que sobrepõe os governos e as leis. Segundo, no período neoliberal, o que o capital fez foi justamente isso, privatizar o Estado. Ou seja, a burguesia transformou o Estado em seu refém, para que ele funcione apenas em função dos interesses econômicos. E sucateou o Estado nas áreas de políticas públicas de serviços que servem a toda população, como educação, saúde, transporte público, moradia etc. Por exemplo, temos 16 milhões de analfabetos. Para alfabetizá-los, custaria, no máximo, uns R$ 10 bilhões. Parece muito – o Estado, com todo seu aparato jurídico impede de aplicar esse dinheiro –, mas isso representa duas semanas do pagamento de juros que o Estado faz aos bancos. Construímos viadutos e estradas em semanas, mas para resolver o deficit de moradias populares é impossível? Temos ainda 10 milhões de moradias faltando para o povo.

Por último, a sociedade brasileira não é democrática. Nós nos iludimos com as liberdades democráticas de manifestação, que conquistamos contra a ditadura, que foram importantes. Mas a verdadeira democracia é garantir a cada e a todos cidadãos direitos e oportunidades iguais, de trabalho, renda, terra, educação, moradia e cultura. Por isso, mesmo quando elegemos governos com propostas progressistas, eles não têm força suficiente para alterar as leis do mercado e a natureza do Estado burguês.

Na política internacional, o governo Lula investiu na relação com países do hemisfério Sul, com o fortalecimento do Mercosul e da Unasul, por exemplo. Qual a sua avaliação dessa política e quais os seus limites?

O governo Lula fez uma política externa progressista no âmbito das relações políticas de Estado. E uma política dos interesses das empresas brasileiras, nos seus aspectos econômicos. Comparado às políticas neoliberais de FHC, que eram totalmente subservientes aos interesses do imperialismo, isso é um avanço enorme, pois tivemos uma política soberana, decidida por nós.

Na política, se fortaleceram os laços com governos latinos e daí nasceu a Unasul para a América do Sul, e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) para todo o continente, excluindo-se os Estados Unidos e o Canadá. Esses dois organismo representam o fim da OEA. Aliás, já tarde. Na economia se fortaleceram laços econômicos com países do Sul. Mas ainda precisamos avançar mais na construção de uma integração continental que seja de interesse dos povos, e não apenas das empresas brasileiras, ou mexicanas e argentinas.

Uma integração popular latino-americana no âmbito da economia será o fortalecimento do Banco do Sul, para substituir o FMI. O banco da Alba, para substituir o Banco Mundial. E a construção de uma moeda única latino-americana, como é proposto pela Alba, através do sucre, para sair da dependência do dólar. Se queremos independência e soberania econômica nas relações internacionais e latino-americanas, é fundamental colocarmos energias para derrotar o dólar.

O dólar foi fruto da vitória estadunidense na segunda guerra mundial e tem sido, nessas décadas todas, o principal mecanismo de espoliação de todos os povos do mundo. Num aspecto mais amplo, o presidente Lula tem razão: as Nações Unidas não representam os interesses dos povos, e por isso é besteira o Brasil sonhar em ter a presidência. Precisamos é construir novos e mais representativos organismos internacionais. Mas isso não depende de propostas ou vontade política. Depende de uma nova correlação de forças mundial, em que governos progressistas sejam maioria. E hoje não são.

O sistema de televisão e rádio é extremamente concentrado no Brasil, em comparação até com os outros países da América Latina. Quais as consequências disso para a luta política?

Durante o século 20, hegemonizado pela democracia republicana e pelo capitalismo industrial que produziu uma sociedade de classes bem definida, a reprodução ideológica da burguesia se dava pelos partidos políticos, pelas igrejas e pelos sindicatos e associações de classe. Agora, na fase do capitalismo internacionalizado e financeiro, a reprodução da ideologia dominante se dá pelos meios de comunicação, em especial redes de televisão e as agências internacionais de noticias.

A burguesia descartou os outros instrumentos e prioriza estes, os quais tem controle total. Por isso, no Brasil, na América Latina e em todo o mundo, os meios de comunicação estão sob controle absoluto das burguesias. E eles usam como reprodução ideológica, como fonte de ganhar dinheiro e como manipulação política. E como seus patrões estão internacionalizados, suas pautas e agendas estão também centralizadas.

Por isso, a construção de um regime político mais democrático, mesmo nos marcos do capitalismo, depende fundamentalmente da democratização dos meios de comunicação. Isso é fundamental para garantir o direito ao acesso à informação honesta e impedir a manipulação das massas. E os governos deveriam começar eliminando a publicidade estatal, em qualquer nível, em qualquer meio de comunicação. É uma vergonha o que se gasta em publicidade oficial. No Paraná, para se ter uma ideia, em oito anos de governo Lerner [1995-2002], o Estado pagou mais de R$ 1 bilhão em publicidade para dois ou três grupos de comunicação.

As grandes cidades brasileiras enfrentam problemas como falta de habitação, saneamento básico, escolas, hospitais, além de trânsito e violência. Como você analisa a questão urbana?

A maior parte da população se concentra nas grandes cidades, e aí estão concentrados também os pobres e os maiores problemas resultantes desse modelo capitalista, e de um Estado que atua somente em favor dos ricos. Os pobres das grandes cidades se amontoam nas periferias, não têm direito a moradia, escola, transporte público decente, trabalho, renda. Nem a lazer. Sobram os programas de baixaria da televisão como lazer. Nesse contexto é evidente que o sistema gera um ambiente propício para o narcotráfico, para a violência social.

E o Estado, o que tem feito através dos mais diferentes governos?

A única resposta tem sido a repressão. Mais polícia, mais violência oficial, mas cadeia. As cadeias estão cheias de pobres, jovens, mulatos ou negros. Há uma situação insustentável de tragédia social. Todos os dias assistimos os absurdos da desigualdade social, do descaso do Estado e da truculência do capital.

As estatísticas são aterrorizantes: 40 mil assassinatos por ano nas grandes cidades, a maioria pela polícia. Por isso os movimentos sociais apoiaram a campanha pelo desarmamento. Mas a força das empresas bélicas financiou deputados, campanhas etc., e o povo caiu na ilusão de que o problema da violência urbana se resolveria tendo o direito de ter arma.

Acredito que a pobreza e a desigualdade nas grandes cidades brasileiras é o problema social mais grave que temos. Infelizmente nenhum candidato está debatendo o tema, nem quando o debate é para prometer segurança! Segurança para quem? As famílias precisam de segurança de trabalho, renda, escola para os filhos.

Nas eleições presidenciais, o quadro apresenta duas candidaturas que polarizam a disputa, enquanto as outras não demonstram força para mudar essa situação. Nessa conjuntura, quem abre melhores perspetivas para a classe trabalhadora e para a reforma agrária?

As candidaturas não estão debatendo programas, projetos para a sociedade. Mas as candidaturas representam claramente interesses diversos de forças sociais organizadas. Serra representa os interesses da burguesia internacional, da burguesia financeira, dos industriais de São Paulo, do latifúndio atrasado, com sua Katia Abreu de coordenadora de finanças, e setores do agronegócio do etanol.

Dilma representa setores da burguesia brasileira que resolveram se aliar com Lula, setores mais arejados do agronegócio, a classe média mais consciente, e praticamente todas as forças da classe trabalhadora organizada. Vejam, apesar de toda popularidade do Lula, nessa campanha, a Dilma reuniu mais forças da classe trabalhadora do que na eleição de 2006.

A candidatura da Marina representa apenas setores ambientalistas e da classe média dos grandes centros, e por isso seu potencial eleitoral não decola. E temos três candidaturas de partidos de esquerda, com companheiros de biografia respeitada de compromisso com o povo, mas que não conseguiram aglutinar forças sociais ao seu redor, e por isso, o peso eleitoral será pequeno.

Nesse cenário, nós achamos que a vitória da Dilma permitirá um cenário e correlação de forças mais favoráveis a avançarmos em conquistas sociais, inclusive em mudanças na política agrícola e agrária. E evidentemente que nesse cenário incluímos a possibilidade de um ambiente propício para maior mobilização social da classe trabalhadora como um todo, para a obtenção de conquistas. Como militantes sociais, e como movimentos sociais, temos a obrigação política de derrotar a candidatura Serra, que representa o núcleo central dos interesses da burguesia e a volta do neoliberalismo.

O MST apresentou uma avaliação de que a luta eleitoral não é sufi ciente para a realização das mudanças sociais. Por outro lado, analisa que é um momento importante no debate político. Como o MST vai se envolver nessas eleições?

A esquerda brasileira, os movimentos sociais e políticos ainda estão aturdidos com a derrota político-ideológica-eleitoral que sofremos em 1989. Isso levou a muitas confusões, e também a alguns desvios de setores da classe. Vivemos um período da história da luta de classes de nosso país – e poderíamos dizer em nível internacional, na maioria dos países – em que a estratégia para conseguir acumular forças para mudanças sociais é a combinação da luta institucional com a luta social.

Na luta institucional, compreendemos a visão gramsciana na qual os interesses da classe trabalhadora precisam disputar e ter hegemonia na disputa de governos nos três níveis: municipal, estadual e federal. Nos espaços do conhecimento, universidade, meios de comunicação. Nos sindicatos, igrejas e outras instituições da sociedade de classes. E a luta social são todas as formas de mobilização de massa, que possibilitam o desenvolvimento da consciência de classe e a conquista de melhores condições de vida – sabendo que elas dependem de derrotar os interesses do capital.

Pois bem, o que aconteceu no último período? Parte da esquerda e da classe trabalhadora priorizou a luta institucional da disputa apenas de governos e menosprezou, desdenhou a luta social. E parte dos movimentos sociais, desencantado com a crise ideológica, desdenhou a luta institucional, como se a luta direta, de massas, fosse suficiente. Luta social apenas, sem disputar projeto político na sociedade e sem disputar os rumos institucionais do Estado, não consegue acumular para a classe. Podem até eventualmente resolver problemas pontuais da classe, mas não mudam a natureza estrutural da sociedade.

O MST compreende que devemos aglutinar, combinar, estimular as duas formas de luta, de forma permanente. Para que com isso possamos acumular forças, organizadas, de massa, de forma orgânica, que construa um projeto político da classe e ao mesmo tempo crie condições para o reascenso do movimento de massas, pois este é o período histórico em que a classe tem condições de ir para a ofensiva, de tomar inciativa política, de pautar seus temas para todo o povo. Por isso, claro que todo militante do MST, como cidadão consciente, deve arregaçar as mangas e ajudar a eleger os candidatos mais progressistas em todos os níveis. Isso é uma obrigação de nosso compromisso com a classe.

Desde os tempos do governo FHC, José Serra fez declarações contra a reforma agrária e o MST. No entanto, nas últimas semanas, vem intensificando os ataques. Na sua visão, por que ele vem agindo dessa forma?

Por dois motivos. Primeiro, porque as forças sociais que ele representa agora, como porta-voz maior, são as forças da classe dominante do campo e da cidade, que são contra os interesses dos camponeses, da classe trabalhadora em geral e do povo brasileiro. Portanto, ele é contra a reforma agrária não porque não goste do MST, mas por uma questão de interesse de classe. Segundo, na minha avaliação, é que a coordenação tucana acha que a única chance do Serra crescer eleitoralmente é adotar um discurso de direita, para polarizar e, então, se mostrar mais de confiança do que a Dilma.

Por isso adotou todos os ícones da esquerda para bater. Bate em nós, em Fidel, em Cuba, Chávez, Evo Morales, até no bispo Lugo ele bateu. Achou uma conexão das Farc com o PT absurda. Ele sabe que o partido está mais próximo da social-democracia. Não é por ignorância, é por tática eleitoral. Acho que ele errou também na tática. E vai ficar refém de seu discurso de direita sem ampliar os votos. Eu acho ótimo que ele se revele como direitista mesmo. Ajuda a clarear os interesses de classe das candidaturas. E por isso mesmo vai perder de maior diferença do que o Alckmin perdeu do Lula em 2006.

Atualmente, o movimento sindical vem fazendo a luta pela redução da jornada, mas está fragmentado em uma série de centrais sindicais. Quais os problemas e desafios da luta sindical atualmente?

Não tenho a pretensão de dar lições a ninguém. Há valorosos companheiros que atuam na luta sindical que têm muitos elementos para analisar a situação da organização de classe. Os problemas e desafios da organização sindical são evidentes. Mas não estão no número de sindicatos ou de centrais. Isto, ao contrário, até poderia ser visto como vitalidade, já que as correntes sindicais sempre existiram, são importantes e aglutinam por vertentes ideológicas.

Os desafios da unidade da classe nos sindicatos passam pela necessidade de recuperarmos o trabalho de base, a organização, de toda a classe, lá no local de trabalho e no de moradia. Ninguém mais quer fazer reunião na porta de fábrica, na fábrica (mesmo que de forma clandestina, como era nos tempos do Lula). Precisamos recuperar o sentido da luta de massas como a única expressão da força da classe. Precisamos recuperar o debate de temas políticos, relacionados com um programa para a sociedade que extrapole as demandas salariais e corporativas.

Precisamos recuperar a importância de o movimento sindical ter seus próprios meios de comunicação de massa. Saúdo a chegada da televisão dos trabalhadores no ABC. Mas precisaríamos ter antes, e em todas regiões metropolitanas. Precisamos recuperar a formação de militantes da classe trabalhadora, em todos os níveis. Sem conhecimento, sem teoria, não haverá mudanças. E, com essas iniciativas, certamente poderemos construir um processo de maior unidade, já que os interesses da classe como um todo serão o denominador comum, e de construção do reascenso do movimento de massas.

Um grupo de dirigentes e estudiosos avalia que a sociedade brasileira passou por uma transformação, e sindicatos e partidos políticos não são suficientes para organizar o povo brasileiro, especialmente com o aumento da informalidade. Com isso, seria necessário construir novos instrumentos para a luta política. Como você avalia os desafios organizativos da classe trabalhadora?

As formas de organização da classe em partidos, sindicatos e associações de bairro foram desenvolvidas pela classe, como respostas ao desenvolvimento da exploração pelo capitalismo industrial, desde os tempos de Marx até os dias atuais. Acho que o problema não é ficar analisando se serve ou não, jogar tudo fora e pensar novos instrumentos. Cada tempo histórico tem suas formas de organização, suas formas de luta de massa e produz suas próprias lideranças.

Estamos vivendo um período de derrota político-ideológica que gerou crise ideológica e organizativa na classe. Um período de refluxo do movimento de massas. Mas isso faz parte de um período, de uma onda. Logo ingressaremos em novos períodos.

Acho que o principal não é discutir a forma, mas tratar de organizar de todas as maneiras possíveis todos os setores da classe trabalhadora. E evidentemente que a forma sindical ou partidária não está conseguindo chegar na juventude pobre, da classe trabalhadora das periferias. E precisamos descobrir novos métodos e novas formas.

As formas podem ter outros rótulos, outros apelidos, mas o principal é que a classe precisa se organizar do ponto de vista econômico, corporativo, para resolver suas necessidades e problemas imediatos; e precisa ter organização política, para disputar projetos para a sociedade. E só vamos resolver os problemas de organização organizando. A prática é a melhor conselheira, do que grandes teses, nesse caso.

Dentro de um modelo que tem hegemonia de bancos e do capital financeiro, com o enfraquecimento da indústria, baseado no consumo de massa, quais as perspectivas de futuro para a juventude?

A juventude pobre, da classe trabalhadora urbana, não tem espaço nesse modelo de dominação do capital financeiro e internacionalizado. Nem nos países chamados ricos, como na Europa, onde o desemprego atinge até 40% da juventude. O futuro da juventude está justamente em desenvolver uma consciência como classe trabalhadora. Se apenas ficar se olhando como jovem e sem oportunidades, não vai encontrar as respostas, vai ficar velho sem as respostas.

Precisamos desenvolver consciência de classe, e motivá-los para que se mobilizem, lutem. E como estão fora das fábricas, da escola, temos que desenvolver novas formas de trabalho político com a juventude, que a ajude a debater, a se aglutinar, para que descubra que o futuro é agora. Tenho esperanças, há uma massa enorme da juventude trabalhadora urbana que está em silêncio. Ou ainda alienada, iludida. Alguns tentando entrar no mercado consumidor, como se fosse a felicidade geral. Logo perceberão que precisam ter uma atitude, uma participação ativa na sociedade.

O MST vem fazendo a avaliação de que a reforma agrária não avançou durante o governo Lula. Por quê?

É preciso ter claro os conceitos e o significado da reforma agrária. Reforma agrária é uma política pública, desenvolvida pelo Estado, para democratizar a propriedade da terra e garantir o acesso a todos os camponeses que queiram trabalhar na terra.

Do ponto de vista histórico, ela surgiu numa aliança da burguesia industrial no poder com os camponeses que precisavam terra, para sair da exploração dos latifundiários. E, assim, a maioria das sociedades modernas fez reforma agrária a partir do século 19 e ao longo do século 20. Depois tivemos as reformas agrárias populares e socialistas, que foram feitas por governos populares ou revolucionários, no bojo de outras mudanças sociais.

Aqui no Brasil nunca tivemos reforma agrária. A burguesia brasileira nunca quis democratizar a propriedade da terra. Ela preferiu manter aliança com os latifundiários para que continuassem exportando matérias-primas (e aí ela usaria os dólares da exportação para bancar a importação de máquinas) e sobretudo preferiu expulsar os camponeses para a cidade, para criar um amplo exército industrial de reserva, que manteve ao longo do século 20 os salários industriais mais baixos de todas as economias industriais do mundo. E os camponeses brasileiros nunca tiveram forças, sozinhos nem em aliança com os trabalhadores da cidade, para impor uma reforma agrária aos latifundiários.

Chegamos mais perto disso em 1964. E tivemos um baita programa de reforma agrária, em aliança com o governo Goulart. A resposta da burguesia foi se aliar com Império e impor a ditadura militar de classe. As políticas dos governos no Brasil e do governo Lula são de assentamentos rurais. Ou seja, aqui e acolá, pela força da pressão camponesa, desapropria algumas fazendas para aliviar os problemas sociais. Mas isso não é reforma agrária.

Tanto que o censo do IBGE de 2006 revelou que agora a concentração da propriedade da terra é maior do que no censo de 1920, quando recém saímos da escravidão. E no governo Lula não tivemos espaço para debater um processo de reforma agrária verdadeiro, e nem tivemos força de massas para pressionar o governo e a sociedade. Por isso, a atual política de assentamentos é insuficiente por um lado, mas reflete a correlação de forças políticas que há na sociedade. Lamentamos apenas que algumas forças dentro do governo se iludam a si mesmas, fazendo propaganda ou achando que essa política de assentamentos – insuficiente – fosse reforma agrária.

Alguns estudiosos e setores sociais, até mesmo na esquerda, avaliam que passou o tempo da reforma agrária no Brasil. Qual o papel da reforma agrária dentro do atual estágio de desenvolvimento?

É verdade, nós também dizemos isso. Não há mais espaço para uma reforma agrária clássica, que visava apenas distribuir terra aos camponeses e eles produziriam com suas próprias forças e família para o mercado interno. Esse modelo era viável no auge e para o desenvolvimento nacional e do capitalismo industrial. Mas ele é inviável não porque o MST desdenha, e sim porque as forças políticas e sociais que poderiam ter interesse não têm mais.

Se houvesse uma reviravolta nas classes que dominam o Brasil, e um novo projeto de desenvolvimento nacional e industrial entrasse na pauta política, aí a reforma agrária clássica teria lugar. Mas não é isso que se desenha. Então, qual a alternativa agora? É lutar por um novo tipo de reforma agrária. Uma reforma agrária que nós chamamos de popular. Que o movimento de pequenos agricultores chama de Plano Camponês, que a própria Contag e Fetraf chamam de agricultura familiar. São rótulos diferentes para um conteúdo semelhante.

Ou seja, nós precisamos reorganizar o modelo de produção agrícola do país. Nós queremos usar nossa natureza para uma agricultura diversificada, fixando as pessoas no meio rural com melhoria das condições de vida, eliminando o latifúndio (não precisa ser muitos, apenas os acima de 1.500 hectares), adotando técnicas de produção de agroecologia, respeitosas ao meio ambiente e, sobretudo, produzindo alimentos sadios para o mercado interno. Nossa proposta de reforma agrária popular, no entanto, depende de um novo modelo de desenvolvimento, que tenha distribuição de renda, soberania nacional, rompimento com o domínio do capital estrangeiro sobre a agricultura e a natureza.

Como a reforma agrária pode beneficiar o conjunto da sociedade, especialmente a população das cidades?

A reforma agrária e a fixação do homem no campo são fundamentais para reduzir o desemprego na cidade e elevar os patamares do salário mínimo e a média salarial. A burguesia só paga baixos salários e aumenta o número de empregados domésticos porque todos os dias chegam milhares de novos trabalhadores se oferecendo para serem explorados. A reforma agrária é a única que pode produzir sem venenos.

A grande propriedade do agronegócio só consegue produzir com veneno, porque não quer mão de obra, e esse veneno vai para o estômago de todos nós. Na última safra foram um bilhão de litros de venenos, 6 litros por pessoa, 150 litros por hectares. Uma vergonha. Um atentado. A reforma agrária ajuda a resolver o problema de moradia e do inchaço das cidades. Também vai reequilibrar o meio ambiente e com isso teremos menos mudanças climáticas que estão afetando agora, com mais força, as cidades. Vejam o que aconteceu no Nordeste.

Num dia, 13 cidades foram varridas do mapa pelas chuvas torrenciais. Não foi a chuva a culpada, e sim o monocultivo da cana que alterou o equilíbrio e empurrou o povo para a beira do rio. Mas isso só o general Nelson Jobim viu e teve coragem de dizer. A Globo ficou quietinha procurando acobertar. Nenhuma área de reforma agrária de Pernambuco e Alagoas foi atingida, por que será? E nossos assentamentos foram os primeiros, antes do governo, a dar guarida aos desabrigados.

Por que a Via Campesina e o MST vêm realizando protestos contra as grandes empresas do agronegócio? As ocupações de terras não são suficientes ou não servem mais para a luta pela reforma agrária?

Agora a disputa não é mais apenas entre os pobres sem-terra e os latifundiários. Agora é uma disputa de modelo para produção e uso dos bens da natureza. De um lado temos o agronegócio, que é a aliança entre os grandes proprietários, o capital financeiro, que os financia – veja que, de uma produção de R$ 112 bilhões, os bancos adiantam R$ 100 bi para eles poderem produzir –, as empresas transnacionais que controlam a produção de insumos, sementes, o mercado nacional e internacional e as empresas de mídia. E, de outro lado, os sem-terra, os camponeses com pouca terra e a agricultura familiar em geral. E nesse marco de disputa, nosso inimigo principal são os bancos e as empresas transnacionais.

Então, fazemos a luta de classes contra nossos inimigos principais e ao mesmo tempo devemos seguir lutando para melhorar as condições de vida, com novos assentamentos, moradia rural, luz para todos, programa de compra de alimentos pela Conab, um novo crédito rural etc. Essas medidas, embora setoriais, também ajudam a acumular força como classe.

Nos próximos dias, o MST vai realizar atividades pela reforma agrária. Como serão essas mobilizações e quais seus objetivos? Elas têm alguma relação com o período eleitoral?

A coordenação nacional do MST escolheu há tempos essa semana de meados de agosto para realizar uma campanha nacional de debates em torno da reforma agrária. É uma forma concentrada de esforços para desenvolver diferentes maneiras de agitação e propaganda; para levar nossas ideias à classe trabalhadora urbana; para denunciar os problemas e malefícios que o agronegócio, com seus venenos e sua sanha concentradora, causa para toda a sociedade; e, ao mesmo tempo, mostrar justamente os benefícios de uma reforma agrária popular. Esperamos que nossa militância se engaje em todo país, para essa jornada de conscientização de massas.

Droga no trabalho: ''eu fumo maconha para não estrangular meu patrão''

Quem encontra Samira* pela primeira vez não tem a menor dúvida: é uma mulher de sucesso. Na direção de sua própria empresa em excelente saúde financeira, ela suporta a quarentena com grande elegância. Seus gestos, assim como suas palavras, são seguros, controlados, diretos. É muito calmamente, sem se deixar submergir pela emoção, que ela conta como caiu na dependência. A reportagem é de Judith Duportail, publicada pelo Le Monde e traduzida pelo portal UOL, 22-08-2010.
Fonte: UNISINOS


"Comecei com a cocaína aos 30 anos. A droga veio com o sucesso social. Eu havia montado minha empresa, ganhava muito dinheiro, convivia com pessoas elegantes, vestia-me com grandes costureiros, pensava que podia controlar tudo." Primeiro foi uma linha de cocaína uma vez por semana, para ficar acordada durante os longos fins de semana de trabalho. Depois uma outra durante a semana. Uma terceira. E depois quatro por dia. "Eu não conseguia me levantar de manhã sem minha carreira, tinha muita necessidade disso para aguentar o tranco no trabalho. E depois a coca me dava a ilusão de segurança, eu ousava dizer coisas um pouco duras para a 'pequena árabe de apenas 30 anos' que eu era."

Depois de alguns anos o pó branco não bastava mais. "À noite eu não conseguia dormir, então usava heroína." A mulher de negócios acabou no hospital, não conseguia mais se levantar nem mover o corpo de apenas 35 quilos.

Samira não é um caso excepcional. Ela faz parte dos 10% de trabalhadores (segundo a Missão Interministerial de Combate à Droga e à Toxicomania) que têm necessidade de drogas para enfrentar o trabalho. Hoje a jovem tem acompanhamento e deixou de se drogar há dois anos, apesar de algumas recaídas. E desacelerou bastante no lado do trabalho.

"Uma Volta da França todos os dias"

Michel Hautefeuille, psiquiatra no centro Marmottan, dá consultas a esses viciados em trabalho. "Os pacientes são dopados, e não toxicômanos. Eles são como esportistas, exceto que a Volta da França [principal competição do ciclismo mundial e que acontece na França] acontece todos dias." O toxicômano consome o produto pelos efeitos que ele produz: é um fim em si mesmo. O dopado consome a droga como um meio para ser eficaz. "Eu nunca quis fazer festa, nunca tomei droga para ficar maluca", explica Samira. A maior parte deles para com a droga ao mesmo tempo que deixa o cargo ou a empresa que os levou a começar.

Cocaína, anfetaminas e maconha não são um problema só para modelos, corretores da bolsa ou publicitários. Os setores mais afetados são os motoristas de caminhão, marinheiros, garçons e profissionais da área médica. "Eu também atendo empregados do correio", conta o médico. "O correio oferece cada vez mais serviços com cada vez menos pessoal. Os usuários ficam muito tempo na fila e se vingam nos atendentes. Eles são submetidos a uma grande violência."

"Meu chefe me segue até o banheiro"

Mãe de quatro filhos, Béatrice foi entregadora de cartas durante dez anos antes de trabalhar em um centro de triagem: "O ambiente no trabalho se degradou consideravelmente. Meu chefe, por exemplo, quando acha que eu faço pausas demais para ir ao banheiro no mesmo dia, me segue até o banheiro, espera atrás da porta e anota quanto tempo eu passo lá. Comecei a tomar ansiolíticos em junho. Antes de ir para o trabalho, às vezes eu telefono para meu médico, de tanto medo que tenho de ir."

O marido dela, também funcionário do correio, está tomando ansiolíticos: "Nós trocamos nossos comprimidos conforme o humor do dia", brinca a jovem. "Quando um dos meninos volta da escola com uma nota ruim, temos um exemplo concreto para lhe mostrar: 'Estude bastante, se não você vai acabar como o papai e a mamãe! Terá de tomar pílulas todos os dias!'"

Evolução do estresse no trabalho

A violência, a hostilidade entre os colegas ou com os superiores também conduz os funcionários à droga. Paul era paisagista, e respondia a um chefe que hoje qualifica como "lixo". "Eu fumava baseados de manhã antes de ir para o trabalho para não ficar nervoso, para não estrangular meu patrão! Fumava outro ao meio-dia para que a tarde passasse mais depressa e para me refugiar em uma reflexão interior, não me confrontar com ele." Hoje ele mudou de emprego e não toca mais em droga.

Por que tantos assalariados chegam a correr riscos para cumprir sua missão? Para Michel Hautefeuille, o estresse e a insegurança evoluem: "O estresse é mais intenso pois o risco de perder o emprego não depende mais de resultados". Com a crise e as dificuldades que ela acarreta para as empresas, não basta mais fazer bem o trabalho para conservar o emprego.

Como explica Nicole Aubert, autora de "Culte de l'urgence" [O culto da urgência]: "A gestão do pessoal é calcada na gestão dos estoques chamada de 'just in time': todo empregado deve ser imediatamente eficaz, sendo qualquer tempo de adaptação considerado não rentável, portanto, tempo perdido".

Café pode causar danos

Com o estresse, avança o sentimento de não estar à altura. Mesmo sem tomar drogas fortes, alguns adoecem de tanto tomar café e bebidas energizantes do tipo Red Bull. Diretora de comunicação em uma empresa parisiense, Mauve tem 25 anos. Para "se aguentar de pé" durante um período de esgotamento, ela toma mais de um litro de café por dia. Ou seja, cerca de 15 "espressos". Teve insônia, problemas cardíacos, e precisou ser acompanhada para parar, como "uma drogada", ela conta. "Eu tremia, tinha crises de pânico, de angústia. Hoje só tenho direito a um café por dia, e o saboreio!"

Ao lado dos viciados em café, também há os fanáticos por refrigerantes. Charlotte trabalha na mídia. Todos os dias às 16 horas em ponto seus colegas sabem onde encontrá-la. Ela pega uma lata de Coca Light na máquina. "Não posso passar sem ela, senão fico realmente muito contrariada. Se não houver mais na máquina, saio para comprar. Para mim, a Coca Light é sinônimo de pausa, é bom, refrescante. Estou simplesmente viciada."

O vício em Coca-Cola não é uma fantasia, segundo Bruno Journe, estudioso de dependências: "A Coca-Cola é rica em sal, o que pode provocar uma espécie de dependência. Ela é acompanhada de um hábito psicológico, como o ruído de abrir a lata, as bolhas, a cor da embalagem. Os riscos para a saúde estão ligados principalmente ao açúcar contido nos refrigerantes. A Coca Light, mesmo que não faça engordar diretamente, tem um sabor doce. E como o açúcar atrai açúcar, ela leva a comer."

Os chefes de empresas se preocupam com isso? Alguns grandes grupos tentam implementar uma política de prevenção, como nas empresas públicas de transportes, que apelam para os "policiais formadores" antidrogas, que antes só atuavam nos colégios e escolas. Mas para Michel Hautefeuille as empresas funcionam um pouco como federações esportivas: "Enquanto um escândalo não estoura, elas mantêm silêncio. Consumo de substâncias e desempenho e rentabilidade não são mais, pelo menos em curto prazo, opostos - muito pelo contrário".

Uma análise que é compartilhada por Sidonie, garçonete em um clube noturno na Córsega. A jovem, estudante durante o resto do ano, recorreu à cocaína para aguentar o pique do trabalho à noite: "Nosso patrão sabe que usamos cocaína, ele vê os empregados irem ao banheiro a cada meia hora. Ele não diz nada, para ele é bom que os empregados sejam sobre-humanos".

* Os nomes foram modificados

Aparelhos são ''escravização digitalizada'', afirma sociólogo

O sociólogo da Unicamp Ricardo Antunes, especializado em relações de trabalho, afirma que a liberdade da jornada à distância é apenas aparente. A entrevista é de Verena Fornetti e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 22-08-2010.
Fonte: UNISINOS


O que muda na relação de trabalho com a extensão digital da jornada?

O processo combina salto tecnológico com intensificação do trabalho. E com um envolvimento maior do trabalhador.

Com isso, o tempo do trabalho e o tempo do lazer começam a se imiscuir?

Eles se embaralharam completamente. A partir da era digital, o tempo de trabalho e o tempo de não trabalho não estão mais claramente demarcados. Significa que, estando na empresa ou fora dela, esse mundo digitalizado nos envolve durante as 24 horas [do dia] com o trabalho.

E o que isso muda para o trabalhador?

Ele perde o sentido da vida fora do trabalho. Aumentam os adoecimentos e o estresse. A aparência da liberdade do trabalho em casa é contraditada por um trabalho que se esparrama por todas as horas do dia e da noite.

É viável que se faça a contagem do trabalho imaterial [que produz conhecimento] por horas, como na fábrica?

Não. Mas hoje o controle não é mais por tempo estrito de trabalho, e, sim, por produção. Se não realizou as metas [que eram previstas], você deixa de ser interessante para a empresa.

29 de jul. de 2010

Bird alerta para "tomada" internacional de terras

Investidores em terras agrícolas estão visando países com leis frágeis, comprando terra arável por uma ninharia e deixando de cumprir promessas de geração de empregos e investimentos, de acordo com a minuta de um relatório do Banco Mundial (Bird). A reportagem é de Javier Blas, do Financial Times e reproduzida pelo jornal Valor, 29-07-2010.
Fonte: UNISINOS

 
"O interesse dos investidores está concentrado em países com frágil governança fundiária", disse a minuta. Apesar de acordos terem prometido postos de trabalho e infraestrutura, "os investidores não levaram a cabo os seus planos de investimento, em alguns casos depois de terem infligido graves prejuízos à base de recursos local".

Além disso, "o nível de pagamentos formais exigido era baixo", transformando a especulação num motivo importante para aquisições. "Em muitos casos, o pagamento pelas terras era dispensado e grandes investidores frequentemente pagam menos impostos que os pequenos proprietários - ou não pagam."

O relatório, "The Global Land Rush: Can it yield sustainable and equitable benefits?" [A corrida global por terras: ela poderá render benefícios justos e sustentáveis?] é o mais amplo estudo já realizado sobre a chamada "tomada de terras aráveis", na qual países investem em terras no exterior para reforçar a sua segurança alimentar, ou investidores - na sua maioria residentes locais - compram terra cultivável. A tendência de "tomada de terras" ganhou notoriedade depois de uma tentativa da Daewoo Logistics, da Coreia do Sul, em 2008, de obter uma vasta gleba de terra em Madagáscar por um preço muito baixo e vagas promessas de investimento. O acordo contribuiu para um golpe de Estado no país africano.

A minuta foi vazada para o "Financial Times" por uma pessoa que disse que queria-se impedir que o Banco Mundial publicasse o relatório no meio do período de férias de verão o hemisfério Norte.

O organismo, com sede em Washington, disse que um trabalho estava em andamento e que revisões estão sendo feitas. "Quando for publicado, em agosto, acreditamos que contribuirá com dados muito necessários e com outras informações para esse tema complexo", disse a instituição.

O Banco Mundial defendeu na sua minuta o lançamento de uma Iniciativa de Transparência da Terra baseada no modelo da Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (Eiti), que obriga governos, principalmente nos países em desenvolvimento, a revelar receitas provenientes de conglomerados dos setores petrolífero e de mineração e a aprimorar a transparência em torno dos acordos.

Críticos observaram que, oito anos depois do seu lançamento, apenas Libéria, Timor Leste e Azerbaijão eram membros plenos do Eiti. Mas, segundo a minuta, "ao estabelecer um formato uniforme para relatar aquisições de terra e monitorar o processo ao longo do tempo, ela poderia proporcionar acesso a uma informação extremamente escassa".

A minuta destacou alguns poucos sucessos em aquisição de terras - na sua maioria na América Latina, mas também na Tanzânia -, mas a visão global que ofereceu foi de exploração, alertando que ou os investidores careciam da habilidade necessária para cultivar terras ou estavam mais interessados em ganhos especulativos do que em usar a terra de forma produtiva.

O documento afirma ainda que "raramente, se é que houve algum", esforços foram feitos para vincular investimentos fundiários à "estratégia de desenvolvimento mais ampla dos países".

"Consultas com comunidades locais muitas vezes eram ineficazes", acrescenta. "Conflitos eram comuns, geralmente em torno de direitos de propriedade à terra".

O relatório diz também que alguns países distribuíram a investidores terras que estavam dentro dos limites das terras agrícolas de comunidades locais.

Os dados sobre acordos de terras aráveis são superficiais, na sua maioria baseados em relatos da mídia local. Mas a minuta do relatório do Banco Mundial disse que os dados oficiais para alguns países revelaram extensas transferências, incluindo 3,9 milhões de hectares no Sudão e 1,2 milhão de hectares na Etiópia entre 2004 e 2009.

24 de jul. de 2010

Programa de estágios japonês é acusado de explorar trabalho de imigrantes

Reportagem de Hiroko Tabuchi/Hiroshima (Japão), publicada no The New York Times. Jiang Yiyi e Yasuko Kamiizumi contribuíram com a reportagem de Tóquio, e Tyler Sipe de Hiroshima. Tradução: Eloise De Vylder.


Seis jovens chinesas chegaram nessa cidade histórica há três anos, entre dezenas de milhares de aprendizes trazidas ao Japão a cada ano sob a promessa de treinamento profissional, bom pagamento e uma chance de ter uma vida melhor quando voltam.

Em vez disso, elas contam que foram submetidas a 16 horas de trabalho por dia montando telefones celulares, por menos de um salário mínimo, sem quase nenhum tipo de treinamento, todas com o apoio do programa de “treinamento de estrangeiros” do governo, que os críticos dizem ser o “segredo sujo” do Japão.

Minha cabeça doía, minha garganta ardia”, diz Zhang Yuwei, 23, que operava uma máquina que imprimia os teclados dos telefones celulares, sob uma fumaça que segundo ela deixava o ar tão poluído que os gerentes diziam para os operários japoneses evitarem a área.

Zhang diz que ela foi dispensada no mês passado depois que seu empregador descobriu que ela e cinco compatriotas haviam reclamado para uma assistente social sobre suas condições de trabalho. Um advogado japonês está ajudando o grupo a processar o antigo empregador, demandando pagamentos atrasados e por prejuízos no total de US$ 207 mil (R$ 368,6 mil).

Os críticos dizem que os estagiários estrangeiros se tornaram uma fonte de trabalho barato explorada no país que tem uma das populações que envelhece mais rapidamente e as menores taxas de natalidade. Quase fechado para a imigração, o Japão enfrenta uma falta aguda de mão de obra, especialmente para o trabalho duro nas fazendas do país ou em pequenas fábricas familiares.

Os maus-tratos de estagiários parecem ser generalizados”, diz Shoichi Ibusuki, advogado de direitos humanos em Tóquio.

De toda a Ásia, cerca de 190 mil estagiários – migrantes adolescentes e até 30 e poucos anos – trabalham duro nas fábricas e fazendas do Japão. Eles foram trazidos ao país, em tese, para aprender conhecimentos técnicos num programa de ajuda internacional iniciado pelo governo japonês nos anos 90.

Para as empresas, o programa de estagiários apoiado pelo governo ofereceu uma brecha para contratar trabalhadores estrangeiros. Mas com pouca proteção legal, a força de trabalho legal é exposta a condições de trabalho precárias e às vezes até letais, dizem os críticos.

Os números do governo mostram que pelo menos 127 estagiários morreram desde 2005 – ou cerca de um em cada 2.600 estagiários, o que segundo os especialistas é uma taxa de natalidade alta para os jovens que têm de passar por exames físicos rígidos para entrar no programa. Muitas mortes se deram por conta de derrames ou ataques cardíacos que os grupos de defesa dos trabalhadores atribuem ao estresse do trabalho excessivo.

O Ministério da Justiça encontrou mais de 400 casos de maus-tratos de estagiários em companhias de todo o Japão em 2009, incluindo a falta de pagamento de salários legais e a exposição dos estagiários a condições de trabalho perigosas. Este mês, inspetores laborais no centro Japão informaram que um estagiário chinês de 31 anos, Jiang Xiaodong, havia morrido de falência cardíaca induzia por excesso de trabalho.

Pressionados por grupos de direitos humanos e uma série de processos judiciais, o governo do Japão começou a combater alguns dos piores abusos do programa. A Organização das Nações Unidas pediu para o Japão cancelá-lo totalmente.

Depois de um ano de treinamento, durante o qual os trabalhadores migrantes recebem pagamento abaixo do salário mínimo, os estagiários podem permanecer no país para mais dois anos de trabalho em sua área de conhecimento recebendo salários estipulados pela lei. Entrevistas com especialistas do trabalho e uma dúzia de estagiários indicam que os trabalhadores estrangeiros raramente atingem esses níveis de pagamento.

No papel, o pagamento prometido ainda seduz os trabalhadores imigrantes. Muitos vêm da China rural, onde a renda per-capita pode ser de apenas US$ 750 (R$ 1.335) por ano. Para garantir uma vaga no programa, os candidatos a estagiários pagam muitas vezes essa quantia em taxas e depósitos a agentes locais, às vezes oferecendo suas casas como garantia – que podem ser confiscadas se os estagiários saem do país antes ou causam problemas.

A Organização Internacional de Treinamento e Cooperação do Japão, ou Jitco, que opera o programa, diz que sabe que algumas companhias abusaram do sistema e que estava tomando medidas para impedir os piores casos. A organização pretende garantir que “os estagiários recebam proteção legal e os casos de fraude sejam eliminados”, disse a Jitco numa resposta por escrito.

Zhang diz que pagou US$ 8.860 (R$ 15.780) para um agente em sua província natal, Hebei, por uma vaga no programa. Ela foi enviada para uma oficina gerenciada pela Modex-Alpha, que monta telefones celulares vendidos pela Sharp e outras fabricantes de eletrônicos. Zhang disse que seu empregador pediu seu passaporte e a abrigou num apartamento apertado sem aquecimento, junto com outros cinco estagiários.

Em seu primeiro ano, Zhang trabalhou oito horas por dia e recebeu US$ 660 por mês depois de vários descontos, de acordo com seu processo – cerca de US$ 3,77 (R$ 6,7) por hora, ou menos do que o nível do salário mínimo em Hiroshima. Além disso, todo o salário exceto US$ 170 (R$ 302) era guardado pela companhia como poupança, e foi pago apenas quando Zhang pressionou a companhia para receber a quantia toda, diz ela.

Em seu segundo ano de trabalho, seu salário mensal aumentou para cerca de US$ 1.510 – ou US$ 7,91 (R$ 14) por hora, de acordo com seu processo. Isso ainda era menos do que o salário mínimo de US$ 8,56 (R$ 15,25) para a indústria de eletrônicos em Hiroshima. E seus empregadores só liberavam US$ 836 (R$ 1.488) por mês para suas despesas de acomodação e outras, de acordo com seu processo.

E à medida que seu salário aumentou, o mesmo aconteceu com suas horas de trabalho, que chegaram a até 16 horas por dia, cinco a seis dias por semana.

A Modex-Alpha recusou-se a comentar o relato de Zhang, por conta do processo legal contra a companhia.

Numa tentativa do governo de sanar o programa, a partir de 1º de julho, o salário mínimo e outras proteções trabalhistas foram aplicados pela primeira vez para os trabalhadores do primeiro ano. O governo também proibiu os empregadores de confiscarem os passaportes dos estagiários.

Os especialistas dizem que será difícil mudar a cultura do programa.

As dificuldades econômicas também pesam. Embora grandes companhias como a Toyota e a Mazda tenham transferido a maior parte de suas fábricas para a China para se valerem dos baixos salários de lá, as empresas menores não conseguem fazer isso – e no entanto também sofrem pressão para baixar os custos.

Se essas empresas contratassem funcionários japoneses, elas teriam de pagar”, diz Kimihiro Komatsu, consultor trabalhista em Hiroshima. “Mas os estagiários trabalham pelo mínimo. O Japão não pode se dar ao luxo de parar.”

Durante quase três anos, Catherine Lopez, 28, estagiária de Cebu, Filipinas, trabalhou até 14 horas por dia, às vezes seis dias por semana, como soldadora numa fábrica de peças automotivas de Hiroshima, fornecedora da fabricante e automóveis japonesa Mazda. Ela recebe US$ 1.574 (R$ 2.803) por mês, ou US$ 7,91 por hora – abaixo do salário mínimo de US$ 8,83 do setor em Hiroshima.

Lopez diz que os gerentes japoneses na fábrica, Kajiyama Tekko, costumam gritar abusos verbais para seu grupo de seis estagiários, dizendo para eles seguirem as ordens ou “voltarem nadando para as Filipinas”.

Viemos para o Japão porque queríamos aprender tecnologias avançadas”, disse Lopez.

Yukari Takise, gerente da Kajiyama Tekko, negou as acusações.

Se eles não gostam daqui”, diz ela, “podem ir para casa”.

Mas depois de questionada por um repórter do “The New York Times”, a companhia que organiza o programa de estagiários em Hiroshima, Ateta Japan, disse que havia aconselhado a Kajiyama Tekko a recalcular os salários que paga para seus estagiários estrangeiros e ordenado que ela concedesse os dias de férias que deve aos estagiários.

Talvez eles tenham pressionado demais os estagiários”, disse Hideki Matsunishi, presidente da Ateta. “Mas você também precisa ter simpatia pelas companhias, que estão lutando para sobreviver nessa economia.”

(Simpatia por companhias que buscam  lucros via exploração de pessoas? Muito pelo contrário. Não comprarei mais qualquer produto com a marca SHARP, por exemplo! Enoisa)