22 de set. de 2009

Manifesto em Defesa da Democracia e do MST

“...Legitimam-se não pela propriedade, mas pelo trabalho,
nesse mundo em que o trabalho está em extinção.
Legitimam-se porque fazem História,
num mundo que já proclamou o fim da História.
Esses homens e mulheres são um contra-senso
porque restituem à vida um sentido que se perdeu...”
(“Notícias dos sobreviventes”, Eldorado dos Carajás, 1996).


A reconstrução da democracia no Brasil tem exigido, há trinta anos, enormes sacrifícios dos trabalhadores. Desde a reconstrução de suas organizações, destruídas por duas décadas de repressão da ditadura militar, até a invenção de novas formas de movimentos e de lutas capazes de responder ao desafio de enfrentar uma das sociedades mais desiguais do mundo. Isto tem implicado, também, apresentar aos herdeiros da cultura escravocrata de cinco séculos, os trabalhadores da cidade e do campo como cidadãos e como participantes legítimos não apenas da produção da riqueza do País (como ocorreu desde sempre), mas igualmente como beneficiários da partilha da riqueza produzida.

O ódio das oligarquias rurais e urbanas não perde de vista um único dia, um desses novos instrumentos de organização e luta criados pelos trabalhadores brasileiros a partir de 1984: o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST. E esse Movimento paga diariamente com suor e sangue – como ocorreu há pouco no Rio Grande do Sul, por sua ousadia de questionar um dos pilares da desigualdade social no Brasil: o monopólio da terra. O gesto de levantar sua bandeira numa ocupação traduz-se numa frase simples de entender e, por isso, intolerável aos ouvidos dos senhores da terra e do agronegócio. Um País, onde 1% da população tem a propriedade de 46% do território, defendida por cercas, agentes do Estado e matadores de aluguel, não podemos considerar uma República. Menos ainda, uma democracia.

A Constituição de 1988 determina que os latifúndios improdutivos e terras usadas para a plantação de matérias primas para a produção de drogas, devem ser destinados à Reforma Agrária. Mas, desde a assinatura da nova Carta, os sucessivos Governos têm negligenciado o seu cumprimento. À ousadia dos trabalhadores rurais de garantir esses direitos conquistados na Constituição, pressionando as autoridades através de ocupações pacíficas, soma-se outra ousadia, igualmente intolerável para os senhores do grande capital do campo e das cidades: a disputa legítima e legal do Orçamento Público.

Em quarenta anos, desde a criação do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), cerca de um milhão de famílias rurais foram assentadas - mais da metade de 2003 pra cá. Para viabilizar a atividade econômica dessas famílias, para integrá-las ao processo produtivo de alimentos e divisas no novo ciclo de desenvolvimento, é necessário travar a disputa diária pelos investimentos públicos. Daí resulta o ódio dos ruralistas e outros setores do grande capital, habituados desde sempre ao acesso exclusivo aos créditos, subsídios e ao perdão periódico de suas dívidas.

O compromisso do Governo de rever os critérios de produtividade para a agricultura brasileira, responde a uma bandeira de quatro décadas de lutas dos movimentos dos trabalhadores do campo. Ao exigir a atualização desses índices, os trabalhadores do campo estão apenas exigindo o cumprimento da Constituição Federal, e que os avanços científicos e tecnológicos ocorridos nas últimas quatro décadas, sejam incorporados aos métodos de medir a produtividade agrícola do nosso País.

É contra essa bandeira que a bancada ruralista do Congresso Nacional reage, e ataca o MST. Como represália, buscam, mais uma vez, articular a formação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) contra o MST. Seria a terceira em cinco anos. Se a agricultura brasileira é tão moderna e produtiva – como alardeia o agronegócio, por que temem tanto a atualização desses índices?

E, por que não é criada uma única CPI para analisar os recursos públicos destinados às organizações da classe patronal rural? Uma CPI que desse conta, por exemplo, de responder a algumas perguntas, tão simples como: O que ocorreu ao longo desses quarenta anos no campo brasileiro em termos de ganho de produtividade? Quanto a sociedade brasileira investiu para que uma verdadeira revolução – do ponto de vista de incorporação de novas tecnologias – tornasse a agricultura brasileira capaz de alimentar nosso povo e se afirmar como uma das maiores exportadoras de alimentos? Quantos perdões da dívida agrícola foram oferecidos pelos cofres públicos aos grandes proprietários de terra, nesse período?

O ataque ao MST extrapola a luta pela Reforma Agrária. É um ataque contra os avanços democráticos conquistados na Constituição de 1988 – como o que estabelece a função social da propriedade agrícola – e contra os direitos imprescindíveis para a reconstrução democrática do nosso País. É, portanto, contra essa reconstrução democrática que se levantam as lideranças do agronegócio e seus aliados no campo e nas cidades. E isso é grave. E isso é uma ameaça não apenas contra os movimentos dos trabalhadores rurais e urbanos, como para toda a sociedade. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que custou os esforços e mesmo a vida de muitos brasileiros, que está sendo posta em xeque. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que está sendo violentada.

É por essa razão que se arma, hoje, uma nova ofensiva dos setores mais conservadores da sociedade contra o Movimento dos Sem Terra – seja no Congresso Nacional, seja nos monopólios de comunicação, seja nos lobbies de pressão em todas as esferas de Poder. Trata-se, assim, ainda uma vez, de criminalizar um movimento que se mantém como uma bandeira acesa, inquietando a consciência democrática do país: a nossa democracia só será digna desse nome, quando incorporar todos os brasileiros e lhes conferir, como cidadãos e cidadãs, o direito a participar da partilha da riqueza que produzem ao longo de suas vidas, com suas mãos, o seu talento, o seu amor pela pátria de todos nós.

Contra a criminalização do MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA!

Pelo cumprimento das normas constitucionais que definem as terras destinadas à Reforma Agrária!

Pela adoção imediata dos novos critérios de produtividade para fins de Reforma Agrária!


São Paulo, 21 de setembro de 2009

Para assinar o manifesto, clicar aqui

20 de set. de 2009

3,8 mi deixam pobreza com alta do emprego

A melhoria do emprego e da renda verificada até setembro de 2008 fez com que 3,8 milhões de brasileiros deixassem a linha de pobreza no ano passado, segundo cálculos feitos a partir da Pnad pelo economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro. A reportagem é de Antônio Gois e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 19-09-2009.
Fonte: UNISINOS

Na comparação com 1993 (ano da série histórica feita por ele em que houve maior proporção de pobres), o país registrou uma queda de mais da metade no percentual de pobres.

Em 1993, a proporção era de 35%. Em 2008, chegou a 16%, o menor percentual da série, que começa em 1992.

Neri destaca que uma característica positiva da redução da pobreza nos últimos cinco anos é que ela tem sido verificada de forma constante desde 2003, quando o percentual registrado foi de 28%.

Segundo ele, o país viveu nesses últimos cinco anos "um período de ouro" no combate à pobreza, que já supera a magnitude da queda de outro "período de ouro": o controle da inflação pelo Plano Real. De 1993 a 1995, quando o plano foi lançado, a pobreza caiu de 35% da população para 29%.

De 1995 a 2003, esse percentual ficou relativamente estável, com pequenas oscilações no período. Foi então, a partir de 2003, que ele voltou a cair por causa do aumento da renda média per capita, especialmente nas camadas mais pobres.

"O mais positivo é que essa redução na pobreza e na desigualdade aconteceu principalmente por causa da melhoria do mercado de trabalho. Os programas sociais, como o Bolsa Família, também tiveram uma participação, mas ela foi menor do que o efeito do próprio mercado", afirma Neri.

O economista considera como linha que define a pobreza uma renda domiciliar per capita de R$ 144 em 2008.

Ele explica que esse valor foi calculado considerando o custo que as pessoas teriam para comprar alimentos e satisfazer suas necessidades calóricas básicas de acordo com a Organização Mundial de Saúde.

Esse cálculo leva em conta também que o custo de vida varia entre as regiões brasileiras. Na Grande São Paulo, por exemplo, ela é de R$ 151 de renda domiciliar per capita.

Neri destaca que, se a pobreza continuar caindo no ritmo atual, o Brasil cumprirá com folga uma das metas do milênio, conjunto de objetivos acordados pelos países e monitorados pela Organização das Nações Unidas: reduzir pela metade até 2015, tendo como referência o ano de 1990, a proporção de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia (R$ 1,8).

17 de set. de 2009

Onda de suicídios faz governo monitorar a France Telecom

O governo francês decidiu monitorar a saúde dos trabalhadores da France Telecom, após 23 casos de suicídios - além de tentativas malsucedidas - na empresa desde fevereiro de 2008. A média supera em cinco vezes a taxa de suicídio na França, segundo o jornal Libération. A reportagem é da Agência de notícias France Presse e reproduzida pelo jornal Folha de S.Paulo, 17-09-2009.
Fonte: UNISINOS

Xavier Darcos, ministro do Trabalho, pediu anteontem relatórios mensais de segurança e saúde na empresa-privatizada em 1997 (mas com 26% de seu capital estatal) e que demitiu 40 mil pessoas desde 2002. Mas Darcos rejeitou o pedido, feito por um sindicato, de que a France Telecom paralise sua reestruturação.

Sindicatos atribuem à reestruturação, à pressão e ao corte de funcionários a culpa por parte dos suicídios. O caso mais recente - que despertou a atenção do governo francês - foi o de uma mulher de 32 anos, que saltou do quarto andar do edifício onde trabalhava, em Paris, na sexta-feira passada.

A ministra da Economia, Christine Lagarde, disse que eram "23 histórias individuais", mas que expressavam "grande desassossego e solidão no seio da companhia". Didier Lombard, CEO da empresa, anunciou na terça medidas para "frear essa terrível espiral", entre elas formar um gabinete externo de avaliação da firma, contratar mais médicos laborais e lançar linha telefônica de ajuda psicológica aos funcionários.

13 de set. de 2009

France Telecom tem mais um suicídio

Mais uma funcionária da ex-estatal France Telecom se suicidou na semana passada. Desde o começo de 2008, foram 19 suicídios ou tentativas de suicídios. Segundo os sindicatos de trabalhadores, o motivo de tantas ocorrências é a reestruturação pela qual a empresa passa, que tem pressionado demais os funcionários. A notícia é do jornal O Estado de S.Paulo, 13-09-2009.
Fonte: UNISINOS

Segundo a companhia, a mulher de 32 anos se suicidou no escritório da empresa em Paris. O acidente ocorreu depois de a funcionária ter saído de uma reunião. Segundo os sindicatos que representam funcionários da France Telecom, só neste ano foram registrados sete suicídios ou tentativas de suicídios.

11 de set. de 2009

O trabalho na balança dos valores

Desprezado e enaltecido no plano moral, o trabalho passou por transformações conceituais decisivas cuja história, da Antiguidade ao mundo pós-industrial, ainda está longe de ter um fim. Por Suzana Albornoz.
Fonte: Revista Cult


Seria ilusão imaginar que o conceito de trabalho na história do pensamento ocidental evoluiu por uma linha coerente, apenas modificada neste ou naquele ponto da transformação socioeconômica, política ou religiosa. A experiência do trabalho como esforço para prover a sobrevivência e enfrentar os desafios cotidianos tem acompanhado a humanidade desde seu aparecimento, e nas mais diversas culturas teceram-se modos de sentir e pensar sobre o trabalho. Na encruzilhada de culturas que conviveram em torno do Mediterrâneo e do Atlântico, do século de ouro da Grécia até o começo do 21, o conceito apresentou um movimento que neste texto será indicado apenas de passagem.

Os preconceitos gregos encontraram alguma expressão no texto dos filósofos, como na teoria da atividade criadora de Aristóteles: o artesão é causa motriz da produção, sendo causa material a matéria sobre a qual opera, e causa formal e final o modelo ou finalidade que inspira a criação e aparece na obra acabada. Porém, embora na Antiguidade se encontrem pensamentos sobre a atividade criadora e o tema comece a tomar importância na modernidade entre reformadores e humanistas, o trabalho só se afirmaria como objeto da filosofia na época industrial, quando novas situações políticas, econômicas e sociais mudam a relação com a tradição.

Da dialética senhor-escravo à condição humana

No século 19, o trabalho estava subentendido nas especulações de Hegel sobre a dialética do senhor e do escravo, como também nas imaginações dos primeiros socialistas. Tornou-se centro das análises de Marx sobre a alienação do trabalho industrial na economia capitalista. Continuou a se desenvolver no século 20 entre discípulos e interlocutores do marxismo, como Marcuse, que complementou a análise do trabalho alienado com a do caráter alienante da produção e do consumo no capitalismo tardio, e Hannah Arendt, que, com suas reflexões sobre a vita activa face à vita contemplativa, remete o leitor à cultura clássica, para repensar a condição do homem moderno.

Em A condição humana, Arendt retoma a distinção grega das três atividades fundamentais: labor, trabalho e ação. O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo do homem pela sobrevivência, com o fim de manutenção e reprodução da vida. O modelo é o do camponês sobre o arado, o trabalho na terra. Ressalta a passividade dessa forma de atividade humana submissa aos ritmos da natureza, às estações, à intempérie, às forças incontroláveis. O produto desse esforço é perecível, embora dele dependa a vida de quem trabalha, por isso não é um trabalho livre. A condição humana do labor é a vida.

Por outro lado, o trabalho propriamente dito, que corresponde à poiesis grega, significa fazer, fabricação, criação de um produto por técnica ou arte, e corresponde ao artificialismo da existência humana. Poiesis é a obra da mão humana e dos instrumentos que a imitam. O modelo é o do escultor; por seu resultado concreto, o fazer do artista adquire a qualidade da permanência e torna-se presença no mundo, para além da vida de seu produtor. A mundanidade é a condição humana do trabalho.

Por sua vez, a ação ou práxis se exerce diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas nem da matéria. Não apresenta um produto concreto, portanto, não possui a permanência da fabricação. É o domínio da atividade em que o instrumento é o discurso, a voz e a palavra do homem. Corresponde à condição humana da pluralidade e realiza a liberdade.

Arendt também analisa a marca da cultura judaica e cristã na concepção ocidental da condição humana, em cujos entrelaçamentos se manteviveram a primazia da teoria sobre a atividade e o menosprezo do trabalho manual. Na tradição judaica, o trabalho se apresentava como castigo, meio de expiação do pecado original, labuta penosa à qual o homem foi condenado. Nos primeiros tempos do cristianismo, o trabalho continuou a ser visto como punição, embora servindo à saúde do corpo e da alma. Nos mosteiros medievais, devia ser alternado com a oração e limitar-se à satisfação das necessidades básicas da comunidade.

Weber e Marx

Com a ampliação das fronteiras geográficas pelas navegações e a nova percepção do universo pelas descobertas científicas, no Renascimento começaria uma inversão de valores sobre a vida contemplativa e a vida ativa. A inversão moderna tomou, de um lado, integrado ao ressurgimento da cultura antiga, um sentido humanista, em que o trabalho passou a ser visto como expressão da força do homem. De outro, tomou significação religiosa, situando-se no âmago da Reforma Protestante, na qual a moral do trabalho se constrói sobre a convicção de que a dedicação profissional dignifica o homem, dando assim uma nova iluminação à moral cristã. Sobre a relação entre a ética protestante e a ideologia do trabalho no capitalismo, é preciosa a interpretação de Max Weber, oposta à de Marx quanto à relação entre economia e religião.

A análise crítica do trabalho no mundo industrial feita por Karl Marx, no entanto, permanece válida e definitiva como denúncia da exploração e da alienação do trabalho no século 19. Marx não só fez a análise exaustiva das relações de trabalho na sociedade capitalista, com acréscimo de conceitos novos como trabalho concreto e abstrato, trabalho morto, trabalho vivo, mas em muitos textos deixa transparecer uma teoria antropológica do trabalho. Como para Hegel, em Marx o trabalho é o fator que faz a mediação entre o homem e a natureza. Os homens definem-se pelo que fazem, e a natureza dos indivíduos depende das condições materiais que determinam sua atividade produtiva. No processo de trabalho, participam o homem e a natureza; nele o homem inicia, controla e regula as relações materiais entre si e a natureza; e pelo trabalho se altera a relação do homem com a natureza. O trabalho é "o esforço do homem para regular seu metabolismo com a natureza" e assim, por meio de do trabalho, o homem se transforma a si mesmo.

Hannah Arendt criticou a forma de Marx encarar o trabalho, basicamente pelo fato de a análise marxista priorizar a produção em detrimento da ação, o econômico antes do político, o que reforçaria a tendência do mundo industrial à transformação de toda atividade em labor e à diluição do político no social. A tensão permanente em toda a reflexão sobre o trabalho, que ainda aparece na polarização atual entre as interpretações de Marx e Arendt, é a da valoração relativa do trabalho e do ócio como ocasião de realização do homem, criador e livre.

Por um novo conceito de criatividade

A balança dos valores de ócio e trabalho, que assim como era na Antiguidade seria invertida entre os modernos, encontra um ponto de questionamento interessante no manifesto de Paul Lafargue - O direito à preguiça -, no qual, de acordo com as tradições da filosofia e do humanismo, o fundador do Partido Socialista francês faz a crítica da ideologia do trabalho predominante na sociedade burguesa mesmo entre os trabalhadores, instigando à luta pela diminuição da jornada de trabalho.

Quando a automação toma formas antes nunca imaginadas, com a revolução cibernética e as novas tecnologias de comunicação, impõem-se hoje perguntas que a história do conceito não responde e estão dadas como tarefas para o futuro, ante os desafios do mundo do trabalho pós-industrial:

Será o trabalho o único modo justo e digno de prover a sobrevivência? Será o modo principal de dar sentido à vida? Será o único ou o melhor meio de alguém se fazer reconhecer como cidadão e como pessoa de bem? Ou poderiam ser mais valorizados a dedicação à família e aos amigos, a criatividade no âmbito do convívio e do lazer, a arte pela arte, o esporte, a participação em atividades comunitárias, os serviços voluntários, a política, a vida do espírito? Quando se perceber que o homem trabalhador é mais do que seu trabalho, será possível construir um novo conceito de criatividade humana apto a dar respostas para as novas situações deste tempo em que o fantasma do desemprego assombra a juventude.

ALGUMAS CONCEPÇÕES CLÁSSICAS DE TRABALHO

Na Política, Aristóteles afirma que o trabalho é incompatível com a vida livre e defende o ócio, diferenciando-o da preguiça. Segundo ele, "exaltar a inércia mais do que a ação não corresponde à verdade, porque a felicidade é atividade". É no ócio que o homem encontra a virtude, qualidade relacionada à prática. Para a Antiguidade Clássica, os cidadãos não deveriam ser artesãos, mercantes ou camponeses, pois não restaria tempo para as atividades política, filosófica e artística.

Para Santo Agostinho, o trabalho era um preceito religioso. Trabalhar e rezar deveriam ser as atividades gloriosas de todos os cristãos. Ele considerava a agricultura a principal atividade humana, verdadeiro ato religioso. O labor era, portanto, uma forma de impedir que o ócio conduzisse o homem aos vícios. No livro Sobre o trabalho dos monges, ele apresenta a doutrina do trabalho manual, dissolvendo os argumentos que existiam na época contra esse tipo de labor.

O trabalho como garantia de salvação eterna: essa é uma das ideias presentes da teologia protestante. Para Max Weber, o enaltecimento do trabalho foi decisivo para o desenvolvimento do capitalismo industrial. O sociólogo explica que, para o protestantismo de João Calvino, as habilidades do trabalho devem ser incentivadas, na medida em que são ofertas divinas. A teoria da predestinação afirma que um dos sinais de salvação é justamente a riqueza acumulada. Incerto seu destino, o fiel buscaria, incessantemente, o trabalho e o lucro.

A ideia de Hegel, de que o trabalho é a mediação entre o ser humano e o mundo, está presente no livro Lições de Jena (1803-1804). Ele afirmava que o trabalho era uma atividade espiritual e que o homem só podia ser realmente homem se fosse capaz de satisfazer suas necessidades por meio do trabalho. Segundo Hegel, que formulou a primeira teoria filosófica do trabalho, a atividade faz com que o egoísmo seja substituído pela realização das necessidades de todos. A liberdade em sociedade também seria fruto do trabalho.

A crítica do trabalho no mundo industrial feita por Karl Marx permanece definitiva como denúncia da exploração do trabalho no século 19. Marx fez a análise das relações de trabalho trazendo conceitos novos como trabalho concreto e abstrato, trabalho morto, trabalho vivo. Como para Hegel, em Marx o trabalho faz a mediação entre homem e natureza. Os homens definem-se pelo que fazem, e a natureza individual depende das condições materiais que determinam sua atividade produtiva. Pelo trabalho se altera a relação do homem com a natureza.

Em A condição humana, Hannah Arendt retoma a distinção grega das três atividades fundamentais: labor, trabalho e ação. O labor corresponde ao processo biológico do corpo do homem pela sobrevivência. O trabalho propriamente dito, que corresponde à poiesis, significa fazer, fabricação, criação de um produto por técnica ou arte; corresponde ao artificialismo da existência humana. A ação, por sua vez, se exerce diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas nem da matéria. É o domínio da atividade em que o instrumento é o discurso, a voz e a palavra.


Vergonha no trabalho. Americanos listam 11 setores com crianças trabalhando no Brasil

No Brasil, há trabalho infantil e/ou forçado em 13 setores da economia, como criação de gado, cana-de-açúcar e algodão, afirmou relatório divulgado ontem pelo Departamento do Trabalho dos Estados Unidos. Há crianças brasileiras trabalhando em 11 diferentes atividades econômicas. O documento lista 122 produtos, oriundos de 58 países, em situação de trabalho infantil ou análogo à escravidão, com o objetivo de “conscientizar consumidores e empresas americanos” para não comprarem esses itens. A reportagem é de Gustavo Paul e Cássia Almeida e publicada pelo jornal O Globo, 11-09-2009.
Fonte: UNISINOS


Em número de ocorrências, o Brasil está empatado em terceiro lugar com Bangladesh, depois de Índia, com 19, e Mianmar, com 14.

O relatório ressalta que o número de ocorrências não significa que esses países estejam em pior situação, e sim que admitem o problema e permitem a divulgação desses dados. São citados como países mais transparentes Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Índia, México, Quênia, Tanzânia, Turquia e Uganda.

O Brasil recebeu elogios por seu combate ao problema, o que também foi ressaltado pelo cientista político Leonardo Sakamoto, da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Ele lembrou a transparência no governo sobre o trabalho forçado no Brasil — de 1995 a 2009, 35 mil pessoas foram libertadas no país.

— No Brasil, há muito mais casos reportados do que pela ditadura chinesa, por exemplo. Aqui a imprensa é livre, e essas questões são mais visíveis. E temos uma economia mais diversificada, com mais atividades — disse Sakamoto, que criticou o fato de os EUA não estarem no relatório.

— Há trabalho escravo no mundo inteiro.

O relatório, porém, admite haver trabalho infantil e forçado nos EUA, lembrando que cinco fazendas de mirtilo foram processadas este ano por uso de crianças na lavoura.

Mas o governo brasileiro mostrou indignação. Para o Ministério das Relações Exteriores, faltam transparência e confiabilidade ao documento, que pode servir de pretexto para medidas protecionistas contra os países citados. “O Brasil não reconhece a legitimidade de relatórios sobre direitos humanos produzidos unilateralmente por terceiros países, cujas fontes e critérios de elaboração não possuem transparência (...). O Brasil tampouco concorda com a vinculação entre padrões trabalhistas e questões comerciais, dada a possibilidade de que tal procedimento seja usado com fins protecionistas”, afirmou o Itamaraty em nota.

O Ministério das Relações Exteriores disse ainda que, ao contrário dos EUA, o Brasil ratificou as convenções internacionais sobre o combate ao trabalho forçado e infantil.

Empresários brasileiros ouvidos pelo GLOBO vão na mesma linha: a lista seria uma forma de criar barreiras aos produtos nacionais e uma resposta às decisões do país de impor sanções aos americanos. O Brasil foi autorizado, pela Organização Mundial do Comércio (OMC), a retaliar os EUA em cerca de US$ 800 milhões, devido a subsídios ilegais aos produtores de algodão.

Empresários falam em ‘golpe baixo'

Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Haroldo Rodrigues da Cunha, isso já era esperado:

— São barreiras não tarifárias e um golpe baixo dos americanos. Isso é conversa fiada — disse Cunha.

A Associação Brasileira de Calçados (Abicalçados) teve a mesma reação. O vice-presidente da entidade, Elcio Jacometti, presidente do Instituto PróCriança, desafiou os americanos a apresentarem provas. Ele afirmou que a produção brasileira de calçados é auditada pela embaixada americana e referendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica) admitiu que podem ocorrer casos eventuais de trabalho infantil no setor, mas reclamou da generalização.

O professor do Instituto de Economia da UFRJ José Roberto Novaes ressaltou que, devido à inovação tecnológica e às mudanças na organização do trabalho, que levam a jornadas muito exaustivas, as crianças deixaram a lavoura de cana-de-açúcar, mas ainda há muita exploração. E acrescentou que políticas como o Bolsa Família tendem a reduzir o problema.

No Brasil, em 2007, segundo o IBGE, havia 4,8 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando.

Em 2006, eram 5,1 milhões.

8 de set. de 2009

Trabalho escravo é flagrado em obra do PAC

Fiscais do governo federal e do Ministério Público do Trabalho encontraram e resgataram 98 trabalhadores em regime análogo à escravidão numa obra que integra o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), no sul de Goiás. A reportagem é de Eduardo Scolese e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 08-09-2009.
Fonte: UNISINOS

A partir de uma denúncia, a ação de procuradores e de auditores do Ministério do Trabalho numa usina hidrelétrica começou no início da semana passada e somente foi concluída na madrugada de anteontem, quando os trabalhadores foram indenizados e puderam retornar às suas casas.

A construção da usina Salto do Rio Verdinho é de responsabilidade da Votorantim Energia, braço do Grupo Votorantim, e tem o apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que no final do ano passado injetou cerca de R$ 250 milhões na sua implantação.

Planalto e PT apostam no PAC como uma vitrine da candidatura petista para a sucessão de Lula no ano que vem. Na semana passada, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata petista a presidente, aproveitou um evento sobre saneamento para, em discurso, falar das preocupações sociais e ambientais do programa. Ela chegou a compará-lo ao Bolsa Família.

O PAC, porém, é um motivo de reservas a Dilma por parte de movimentos sociais e de ambientalistas, caso do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens). Eles avaliam que o programa prioriza a geração de emprego e o crescimento da economia sem levar em conta as condições socioambientais.

Procurada ontem, a Casa Civil não se manifestou sobre o flagrante da fiscalização.

Sem salário e banheiro

O resgate na usina ocorreu nos limites dos municípios de Caçu e Itarumã (a cerca de 370 km de Goiânia). Sem salários e instalados em alojamentos precários (sem cama e banheiro), os trabalhadores atuavam no desmate e na limpeza de uma antiga fazenda que será usada como reservatório de água, assim que as comportas da usina forem abertas.

A contratação deles ocorreu por meio de "gatos" (como são chamados os aliciadores de mão-de-obra degradante) ligados a uma empresa terceirizada que já atuava na obra quando o Grupo Votorantim assumiu o projeto, em 2007 - a obra começou em 2005.

Um desses "gatos" oferecia alimentos aos trabalhadores, mas, como esses não recebiam salários e estavam sem dinheiro, eram obrigados a acumular dívidas em troca da comida - uma forma de mantê-los sob "escravidão", já que não podiam sair sem quitar as contas.

Contratada para a limpeza do terreno, a empresa (Construtora Lima e Cerávolo, com sede no sul do Piauí) foi buscar os trabalhadores no interior de Mato Grosso e de Minas. Desde que chegaram, a partir de maio, não receberam salários.

Diante do flagrante, o Grupo Votorantim assumiu as dívidas com os 98 trabalhadores e com outros 30, da região, que souberam da ação e aproveitaram para cobrar dívidas anteriores. O grupo desembolsou R$ 420 mil com as rescisões, alugou ônibus para o transporte deles a MT e MG e decidiu rescindir o contrato com a empresa.

Outro lado

A Votorantim Energia diz que "lamenta o ocorrido" e que "todas as medidas para solucionar definitivamente a questão e minimizar seus impactos para os trabalhadores foram tomadas". Ela alega que quando assumiu o projeto "as obras já haviam sido iniciadas" pela Construtora Lima e Cerávolo e que, diante da fiscalização, rescindiu o contrato e assumiu o gerenciamento. A Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia não se manifestaram. A Folha não conseguiu falar com a Lima e Cerávolo.

5 de set. de 2009

Índices de produtividade rural. Ministro prometeu o que não podia entregar

No dia 19 de agosto, em Brasília, diante de líderes do Movimento dos Sem-Terra (MST), o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, deu a eles a notícia que esperavam ouvir. Prometeu que dentro de 15 dias o governo promoveria a alteração dos índices de produtividade rural no País. A promessa foi feita dentro do gabinete do ministro Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência da República. A reportagem é de Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 05-09-2009.
Fonte: UNISINOS

Os sem-terra saíram comemorando. Nos dias seguintes, porém, ficou claro que o ministro Cassel prometeu uma mercadoria que não podia entregar.

A atualização dos índices está prevista em artigo da Constituição de 1988 e na lei que o regulamentou, em 1993. Se quiser, Lula pode alterá-los. Basta chamar seus ministros do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura e determinar que assinem uma portaria apontando os novos índices. Em seguida convoca o Conselho Nacional de Política Agrícola e pede a seus integrantes (nomeados por ele) para que endossem a medida. E pronto.

Parece simples. Lula, no entanto, está prestes a completar sete anos do poder sem alterar os índices. Segue os passos dos seus antecessores, que também acharam melhor não fazê-lo.

Para entender a questão é bom recordar o que aconteceu durante os debates da Constituinte sobre a reforma agrária. Havia uma proposta original, determinando que qualquer terra poderia ser desapropriada se fosse considerada adequada para a reforma. Os representantes dos proprietários rurais, porém, sentiram-se ameaçados e frearam os reformistas. Para isso incluíram no texto um adendo segundo o qual só pode ser desapropriada a terra improdutiva.

E como é que se determina o que é produtivo ou não ? Pelos tais índices de produtividade.

Os defensores da reforma agrária, entre eles Cassel, lembram que os índices em vigor no Brasil são os de 1973. E que seria lógico alterá-los, uma vez que a agricultura brasileira avançou aos saltos nas últimas décadas.

A cada vez que se fala no assunto, porém, o País parece reviver o alvoroço da Constituinte. Os proprietários voltam a manifestar seus temores de que se trata de uma ameaça sobre o direito de propriedade. Alguns líderes ainda veem na medida um primeiro passo para outras mudanças, como a aprovação da PEC que determina que terras com trabalho escravo sejam destinadas para a reforma.

No pano de fundo permanece o debate político da reforma. Em conversas com representantes dos proprietários, fica claro que são contrários à ideia de desapropriar terra para atender a um modelo de reforma agrária que consideram fracassado.

Os dois lados têm força política. O MST tem o apoio da CUT, da Pastoral da Terra e de outras entidades. Os proprietários contam com uma bancada parlamentar poderosa. Ao contrário do que Cassel tentou vender, trata-se de uma equação política complicada, cuja solução compete ao chefe dele, o presidente.

PT pede atualização dos índices de produtividade

A Executiva Nacional do PT, reunida nesta quinta-feira (3), em Brasília, aprovou nota sobre a atualização dos índices de produtividade na desapropriação por interesse social.
Fonte: UNISINOS



A atualização dos índices de produtividade para fins de desapropriação por interesse social está prevista na legislação agrária brasileira. O Art. 11, da Lei nº 8.629, de 1993, dispõe que os índices que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, levando em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional, pelos ministros do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, razão pela qual o governo decidiu atualizá-los.

Desde o início do governo, o presidente Lula tem solicitado cautela(?) e estudos pormenorizados aos seus ministros no sentido do governo, em qualquer área, não adotar soluções precipitadas, sem uma reflexão e estudos mais profundos. Nesse sentido, as áreas técnicas do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do INCRA estavam coletando e analisando cuidadosamente os dados estatísticos de órgãos oficiais especializados como IBGE e Embrapa, bem como estudos técnicos sobre o assunto como o elaborado pela Universidade Campinas (Unicamp), entre outros.

[será que a cautela é necessária por causa do medo de "incomodar" os latifundiários?Enoisa]

É sabido que a última atualização efetuada dos índices de produtividade para fins de reforma agrária remonta a 1980, tendo como base os dados do IBGE, de 1975. Os estudos atuais desenvolvidos pelo governo levam em conta a série histórica 1996-2007. A fúria com que a chamada bancada ruralista se opõe à atualização, com argumentos inconsistentes, é contrária ao ordenamento jurídico vigente. Ao aprovar a atualização dos índices de produtividade para fins de reforma agrária, atrasada há mais de 30 anos, o presidente Lula estará simplesmente cumprindo a legislação agrária brasileira.

O estudo “Fontes e Crescimento da Agricultura Brasileira” divulgado em julho de 2009 pelo próprio Ministério da Agricultura revela que, de 1975 a 2008, a taxa de crescimento do produto agropecuário foi de 3,68 % ao ano. No período de 2000 a 2008, o crescimento foi de 5,59 % como média anual. Em 1975, produziam-se 10,8 quilos de carne bovina por hectare; hoje são 38.6 quilos; a produção de leite por hectare multiplicou-se por 3,6 e a de carne e aves saltou de 372,7 mil toneladas, em 1975, para 10.18 milhões, em 2008. A comparação com outros países demonstra que, no Brasil, o crescimento do PTF (Produtividade Total dos Fatores) foi o mais elevado: 4,98% entre 2000 e 2008. Na China, de 2000 a 2006 foi de 3,2%. Nos Estados Unidos, entre 1975 e 2006, foi de 1.95%. Na Argentina, de excepcionais recursos naturais, foi, entre 1960 a 2000, de 1,84%.

Em verdade, o uso e a produtividade da terra são apenas o componente econômico da função social da propriedade, exigida pela Constituição Brasileira. A este componente se somam, igualmente, os aspectos ambientais e sociais, que também devem ser integralmente atendidos, sob pena de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Estão fazendo uma tempestade em copo d’água, até porque os índices que serão adotados, na prática, são valores médios inferiores à produtividade média regional para cada produto agrícola, pecuário ou extrativo vegetal. [?] [Ou seja, os latifundiários continuarão a ser protegidos!Enoisa]

O anúncio da atualização dos índices, feito pelos ministros Luiz Dulci e Guilherme Cassel, foi uma decisão amadurecida e calcada em fundamentos exclusivamente técnicos e legais. A reforma agrária é uma prioridade de governo [?] [piada de mau gosto!Enoisa], assim como tem sido o apoio à agricultura familiar e à agricultura empresarial. O governo Lula prioriza o combate à pobreza e às desigualdades e não discrimina os setores produtivos, ao contrário, estimula o seu crescimento e melhor desempenho. A medida se reveste de justiça e legalidade, constituindo-se em mais um resgate social do governo Lula. [?][outra piada de mau gosto!Enoisa]

Brasília, 3 de setembro de 2009

Comissão Executiva Nacional do PT

Em 2005, Lula também prometeu, mas não revisou os índices de produtividade

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva até o momento não atualizou os índices de produtividade da terra. O compromisso da revisão dos índices – que permanecem inalterados desde 1975 – foi assumido por Lula em uma reunião ministerial no dia 18 de agosto. O prazo expirou nessa quarta-feira, dia 02. Em 2005, Lula também prometeu, mas não revisou os índices. A reportagem é de Aline Scarso e publicada na Radioagência NP, 03-09-2009.


No entanto, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) ainda acredita na mudança de posicionamento do governo. É o que explica o integrante da coordenação nacional do Movimento, Vanderlei Martini.

Ainda estamos esperançosos que até sexta-feira (04) seja anunciada a atualização. Nós não estamos acreditando que o governo, mais uma vez, vai ceder à classe mais parasitária do país, que só sobrevive de recurso público, e não vai atender os compromissos feitos aos movimentos sociais do campo”.

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes é contrário à atualização e atende a orientação da bancada do seu partido, o PMDB. Para entrar em vigor, a portaria da revisão deve ser assinada por ele e pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel. Cassel é favorável a atualização.

Sem a revisão, o MST deve se posicionar. “A resposta deve ser de protesto, no mínimo. O que nós pretendemos fazer é realizar grandes manifestações de massa. Continuar organizando as ocupações e manifestações nas capitais, na perspectiva de pautar o tema no conjunto da sociedade brasileira”.

3 de set. de 2009

Cassel e Stephanes 'duelam' sobre índice de produtividade

Alinhado aos movimentos sociais, Cassel defende atualização imediata de indicadores, enquanto Stephanes, com ruralistas, se opõe à mudança. A reportagem é de Roldão Arruda e publicado pelo jornal O Estado de S.Paulo, 03-09-2009.
Fonte: UNISINOS


Os ministros Reinhold Stephanes, da Agricultura, e Guilherme Cassel, do Desenvolvimento Agrário, devem se encontrar nos próximos dias para discutir a questão da atualização dos índices de produtividade rural. Os dois têm posições divergentes sobre o tema. Cassel defende a atualização imediata. Stephanes, por sua vez, não tem pressa. Ele quer discutir melhor os critérios que definem o índice. Além da reunião com Cassel, ele está preparando um arrazoado sobre o tema para levar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentando mostrar que o critério atual não dá conta da complexidade da produção rural empresarial.

Cassel está alinhado com o ministro petista Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência. Encarregado de articular as relações entre movimentos sociais e governo, Dulci sabe que a atualização é um das principais bandeiras de organizações ligadas à reforma agrária.

Do outro lado, Stephanes é mais suscetível à movimentação da poderosa bancada ruralista no Congresso - que se opõe à mudança. O ministro da Agricultura fazia parte da bancada, como deputado federal pelo PMDB do Paraná, quando foi chamado para o ministério.

No arrazoado que prepara para levar à Presidência, Stephanes vai procurar demonstrar que o índice de produtividade não dá conta da realidade. Seu raciocínio é que não se pode obrigar uma produtor a manter 80% da terra ocupada e correndo atrás de índices preestabelecidos durante todo o tempo. Assim como na indústria, o produtor rural teria que ter autonomia para aumentar o diminuir a produção de acordo com o mercado. Se ninguém quiser comprar o arroz ou a soja, de que vale ele continuar com altos índices? Deve fazer isso só para satisfazer o Incra e evitar que sua terra seja destinada para a reforma agrária?

No Ministério do Desenvolvimento Agrário, a argumentação contrária já está pronta. De acordo com assessores de Cassel, a avaliação do índice de produtividade de uma propriedade constitui um processo, que considera vários fatores - tais como condições climáticas, produção de anos anteriores, notas fiscais e declarações dos proprietários.

Assessores de Cassel também observam que só estão sujeitas a vistoria, para efeitos de reforma agrária, grandes propriedades, com área maior à de 15 módulos rurais - o equivalente a 450 hectares na região sul do País. Isso significa que, num universo de 4,2 milhões de propriedades, somente 102 mil poderiam enfrentar vistorias. Nesse universo, só um pequeno número, pelas previsões do ministério, estaria sujeito a desapropriação pelo não cumprimento dos índices de produtividade e ocupação do solo.

Cassel já enviou a Stephanes a minuta de sua proposta de atualização dos índices. Ela deverá servir de base para a reunião entre os dois. Caso consigam chegar a algum acordo, ainda terão que submeter a proposta ao Conselho Nacional de Política Agrícola, que só pode ser convocado pelo presidente da República.

Para ler mais:



'Propriedade rural não é como fábrica'

"Os políticos que defendem os interesses dos proprietários rurais estão criando uma falsa crise em torno da atualização dos índices". A opinião é do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, 03-09-2009.


Como o senhor vê a reação do setor ruralista à proposta de revisão dos índices?

Não há razão nenhuma para que os proprietários de imóveis rurais se assustem com uma eventual atualização dos índices. Existe um setor político que defende o setor patronal e fica criando crises falsas, como essa. Digo que é falsa porque, em primeiro lugar, a atualização segue uma determinação legal. Em segundo, porque a terra é um fator econômico limitado. Quando falamos em propriedade rural não é a mesma coisa que uma loja, uma fábrica. Ela tem um limite. E foi pensando nisso que o legislador, na nossa Constituição, estabeleceu que a propriedade rural está subordinada ao cumprimento de sua função social - o que significa que deve ser produtiva e respeitar as legislações trabalhista e ambiental. Se não for, ela pode ser desapropriada e destinada para a criação de reservas ambientais, para áreas indígenas, reforma agrária.

Um índice de produtividade maior que o atual não seria uma ameaça para os produtores que não conseguirem cumpri-lo a curto prazo?

O grande desafio da agricultura brasileira está relacionado a problemas de infraestrutura e mercado. Não está ligado a nenhum índice de produtividade. Os números que estão sendo propostos para atualizar o índice, conforme determina a lei, e que só devem vigorar a partir de 2010, se houver mudança agora, estão bem abaixo do que já se produz hoje. No município de Sorriso, no Mato Grosso, o índice de produtividade de soja que está em vigor fala em 1200 quilos por hectare. Na safra de 2006/2007, os produtores chegaram a 3.062 kg/h. O que está sendo proposto para 2010 é 2.040 kg/ha, bem abaixo da média, portanto. Isso se repete em todos os setores.

A que o senhor atribui, então, essa reação tão forte?

Estão se aproveitando dessa determinação legal para gerar crise e assim ganhar poder de barganha em outras questões, como, mais uma vez, as renegociações das dívidas. Não existe, como querem deixar marcado nos debates, uma caça às bruxas. Quem teme a atualização é quem usa a terra só como reserva de valor, sem se preocupar com a função social. Quem estiver produzindo minimamente e cumprindo a legislação trabalhista e ambiental não deve ter receio nenhum. Os que se opõem à atualização são os que defendem o atraso em vez da modernidade.

2 de set. de 2009

Pela Atualização dos Índices de Produtividade. A posição da CPT

O anúncio pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva de atualização dos índices de produtividade da terra desencadeou uma furiosa campanha da bancada ruralista contra a medida, apoiada por grande maioria da poderosa mídia, pelo Ministro da Agricultura Reinhold Stephanes usando para isso da mentira e de argumentos falaciosos, destinados a enganar a opinião pública e a derrubar a iniciativa governamental. A CPT Nacional vem, pois, a público mostrar o outro lado da moeda.

Está de parabéns o senhor Presidente por este gesto histórico que trará um grande e benéfico desenvolvimento para todo o nosso povo.

Ao assinar esta atualização, atrasada há mais de 30 anos, Lula estará simplesmente cumprindo a Lei Agrária 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 que, no artigo 11 determina o seguinte: "Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional". Ora, o estudo "Fontes e Crescimento da Agricultura Brasileira" divulgado em julho de 2009 pelo próprio Ministério da Agricultura revela que de 1975 a 2008 a taxa de crescimento do produto agropecuário foi de 3.68 % ao ano. No período de 2000 a 2008, o crescimento foi de 5.59 como média anual. Em 1975 produziam-se 10,8 quilos de carne bovina por hectare; hoje são 38.6 quilos; a produção de leite por hectare multiplicou-se por 3.6 e a de carne e aves saltou de 372,7 mil toneladas em 1975, para 10.18 milhões em 2008, segundo o mesmo estudo.

A comparação com outros paises demonstra que, no Brasil, o crescimento do PTF (Produtividade Total dos Fatores) foi o mais elevado: 4,98% entre 2000 e 2008. Na China, de 2000 a 2006 foi de 3.2%. Nos Estados Unidos, entre 1975 e 2006 foi de 1.95%. Na Argentina, de excepcionais recursos naturais, foi, de 1960 a 2000, de 1.84%.

A conclusão óbvia a que se chega é que por trás desta guerra da bancada ruralista, teimando em manter os velhos índices de produtividade de 1975 está o intento de preservar o latifúndio improdutivo das empresas nacionais e estrangeiras, desconsiderando a função social da propriedade, estabelecida na nossa Constituição Federal, continuando o Brasil, assim, o campeão mundial do latifúndio depois de Serra Leoa.

Eles levantam repetidamente o número de 400 mil propriedades rurais que seriam afetadas pela medida, inviabilizando assim toda a produção agrícola no país. Na realidade este número corresponde a apenas 10 % das propriedades rurais, embora ocupem 42,6% das terras. Com efeito, das 4.238.447 propriedades cadastradas pelo Incra, 3.838.000, ou seja, 90 % não seriam afetadas pela medida. São estas propriedades as que garantem 70 % do alimento que é posto na mesa dos brasileiros. Ao passo que essas outras 400 mil, com o ferrenho apoio da bancada ruralista, são as que recorrem ao governo para adiar indefinidamente o pagamento de suas dívidas com os bancos, como a imprensa tem noticiado com frequência.

À crítica à anunciada medida juntou-se também uma raivosa criminalização dos movimentos de trabalhadores no campo, da forma mais generalizada e iníqua. Entretanto o que se vê no nosso campo é o deprimente espetáculo da multiplicação dos acampamento de sem-terra que se sujeitam, por anos a fio, a condições inumanas de vida na fila da realização, um dia, do sonho da terra prometida de viver e trabalhar.

Os dados de ocupações de terra e de acampamentos, registrados pela CPT e divulgados anualmente mostram um quadro preocupante. Onde há maior concentração de sem-terra é onde o número de assentamentos é menor. E isso justamente ao lado de áreas improdutivas, que a atualização dos índices poderia facilmente disponibilizar para assentamento das famílias. Em 2007, no Nordeste se concentraram 38,3% das ocupações e acampamentos envolvendo 42,5% das famílias, No Centro-Sul, aconteceram 49,5% das ações envolvendo 43,5% das famílias. Porém os assentamentos promovidos pelo governo aconteceram na sua maioria na Amazônia, onde há mais disponibilidade de terras públicas, distantes dos centros habitados. Fica claro, pois, que onde há mais procura por terra, no Nordeste e no Centro-Sul, há menos disponibilidade de terras. E um dos fatores que limita esta disponibilidade são os índices defasados de produtividade. Ao lado disso, no Sul, onde foram assentados somente 2,6% das famílias, estas tiveram uma participação de 42,06% do total da produção nacional de grãos. Portanto a atualização dos índices de produtividade poderá disponibilizar muito mais áreas em regiões mais propícias ao cultivo de grãos, onde há mais busca por terra e onde a tradição agrícola é mais forte.

Diante de tudo isso a CPT Nacional declara que a alvissareira atualização dos novos índices de produtividade da terra, tantas vezes protelada, é uma exigência de justiça social. Mas a superação da secular estrutural injustiça social no campo e do resgate da dívida social para com os excluídos da terra, vítimas da nefasta política do sistema corrupto e violento que defende a ferro e fogo a arcaica estrutura agrária alicerçada no latifúndio, só se concretizará quando se colocarem em nossa Constituição limites para a propriedade da terra. Então, a partir disso, será possível uma real democratização ao acesso a terra.

Goiânia, 01 de setembro de 2009.

Dom Ladislau Biernaski
Presidente da Comissão Pastoral da Terra