29 de mai. de 2009

Entrevista - Eduardo Vivian da Cunha

Primeiro banco comunitário do Rio Grande do Sul será lançado neste sábado.

Será inaugurado, neste sábado, o primeiro banco comunitário do Rio Grande do Sul. Localizado numa das regiões mais pobres de São Leopoldo, ele surge com um papel ousado, mas que, baseado em outras experiências parecidas, pode dar muito certo. Com o objetivo de promover o desenvolvimento local, introduzindo uma moeda própria, o banco comunitário será gerenciado pelos próprios moradores da região oeste da cidade, que abrange os bairros São Miguel, Vicentina, Paim e São João Batista. “É uma das regiões mais carentes de São Leopoldo”, explicou o técnico Eduardo Vivian da Cunha, que encabeçou o projeto junto com a Associação Amigos em Ação.

Eduardo contou à IHU On-Line, numa entrevista realizada pessoalmente, como se constitui um banco comunitário e quais os planos para o projeto que está sendo lançado em São Leopoldo. “A pessoa que possui problema de crédito na praça não terá, necessariamente, dificuldade para fazer empréstimo num banco comunitário. Com isso, este acaba promovendo uma lógica de vizinhança, de comunidade, porque obriga as pessoas a se conhecerem”, destacou.

Eduardo Vivian da Cunha é engenheiro químico, formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É mestre e doutor em Administração, pela Universidade Federal da Bahia, onde atualmente é técnico de projetos de Economia Solidária. Na Unisinos, atua como técnico em cooperativismo no programa Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários.
Fonte: UNISINOS



IHU On-Line – O que é um banco comunitário?

Eduardo Vivian da Cunha – O banco comunitário é um instrumento para a promoção do desenvolvimento local. Ele é baseado na lógica da Economia Solidária, portanto segue princípios como os da cooperação, solidariedade, geração de trabalho e renda, mas sob outra ótica. Esses são elementos que trabalhamos no programa Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários aqui na Unisinos. Para a promoção do desenvolvimento local, o banco comunitário tem alguns instrumentos específicos e algumas formas de agir típicas da Economia Solidária. Há uma experiência que é muito emblemática no Brasil e serve de exemplo para muitos: o Banco Palmas. Ele fica em Fortaleza, no Ceará, num bairro chamado Palmeiras. Existe muito material na internet sobre ele. Lembro até de um Globo Repórter que fez uma reportagem sobre esse banco, ao falar de geração de renda.

IHU On-Line – Quais as principais diferenças de um banco comunitário para um banco tradicional?

Eduardo Vivian da Cunha – Ele se chama banco porque lida com a questão financeira, mas no jeito de operar ele é muito diferente do banco tradicional. Em primeiro lugar, o banco comunitário é autônomo. O proprietário dele é a comunidade, que gerencia fundos e recursos. Além disso, ele lida com a questão do microcrédito a partir de uma outra lógica. O dinheiro que o banco comunitário tem é usado para fomentar a geração de trabalho, renda e consumo, atuando diretamente no desenvolvimento local. São pequenos empréstimos que a pessoa faz para negociar e consumir. No entanto, a forma de liberação de crédito é diferente. No banco convencional, existe uma burocracia própria, se consulta o SPC, o Serasa etc. No banco comunitário, os cuidados para empréstimo segue uma lógica de vizinhança. Para liberar o microcrédito, a vizinhança é consultada, ou seja, pessoas que conhecem quem quer fazer o empréstimo. Portanto, pede-se o aval da comunidade. A pessoa que possui problema de crédito na praça não terá, necessariamente, dificuldade para fazer empréstimo num banco comunitário. Com isso, este acaba promovendo uma lógica de vizinhança, de comunidade, porque obriga as pessoas a se conhecerem.

IHU On-Line – E quem trabalha no banco agirá de que forma para conversar com a comunidade sobre um ou outro cidadão que precisa dos serviços do banco comunitário?

Eduardo Vivian da Cunha – Nós os chamamos de agentes de crédito. Eles recebem a solicitação e, em determinado dia da semana, visita a pessoa, quem ela indicou, enfim, faz um apanhado da vida financeira dela para ver em que medida o banco pode ajudá-la. Esse aspecto envolve menos o julgamento do que o que um banco comum pode fazer em relação a uma pessoa. Muitas vezes, esta vai ao banco pedir uma coisa e ele acaba sugerindo outras coisas, porque percebe algumas dificuldades. Então, o banco comunitário pode contribuir com ideias que irão ajudar mais do que a pessoa pensava.

IHU On-Line – E quem pode usufruir do banco comunitário?

Eduardo Vivian da Cunha – Como o banco é comunitário, ele está situado numa região. Neste caso, está ligado aos bairros São Miguel, Vicentina, Paim e São João Batista, na região oeste de São Leopoldo. Então, o público-alvo do banco são as pessoas da comunidade. Esse é o primeiro critério. Fora isso, existe uma lista de critérios para realizar o empréstimo para a pessoa, como ser maior de idade, ser morador desta região há mais de um ano, ter referências na vizinhança, e assim por diante. Esses critérios foram criados pelo Comitê Gestor do banco comunitário.

IHU On-Line – Quais as peculiaridades da zona oeste de São Leopoldo para receber o banco comunitário?

Eduardo Vivian da Cunha – Como o papel é a promoção do desenvolvimento, normalmente ele se situa na região mais vulnerável da cidade. Nesta região, há uma criminalidade grande, principalmente na região da Vicentina e Paim. O índice de pessoas ajudadas por programas assistenciais é maior. É uma das regiões mais carentes de São Leopoldo.

IHU On-Line – Como o Comitê gestor foi eleito?

Eduardo Vivian da Cunha – O projeto foi feito junto com uma associação da comunidade e, ao pensarmos num banco comunitário, concluímos que ele deveria ser, portanto e obviamente, o mais comunitário possível. Então, deveria envolver as pessoas da comunidade, ou seja, elas deveriam “tocar” o banco. Estou como técnico do projeto, mas meu papel é o de ajudar a crescer. Depois, posso até me manter vinculado de alguma forma, mas não estarei à frente do projeto. Foram feitas reuniões abertas para toda a comunidade divulgando o projeto. A partir disso, perguntamos quem queria se envolver no projeto, pois um comitê gestor estava sendo formado. Quem quis se envolver está dentro do projeto. O comitê gestor está definindo os critérios para se ter acesso aos serviços do banco, assim como também as às linhas de crédito que ele irá oferecer a partir da realidade da região. O comitê também vê a questão da moeda social.

IHU On-Line – E a comunidade que não está no comitê, mas quer se envolver, pode, por exemplo, investir no banco?

Eduardo Vivian da Cunha – Boa questão. As pessoas podem se envolver a qualquer momento, pois as reuniões são sempre abertas. Também podem ser usuários, pedindo empréstimos etc. No entanto, investir fazendo depósitos depende de um marco legal. Hoje, um banco comunitário não possui uma instituição jurídica própria e está vinculado a uma associação, não tendo, portanto, CNPJ... Então, ele precisa se constituir legalmente para receber investimentos, além de precisar ser uma cooperativa de crédito. Não é qualquer marco que permite isso. É uma dificuldade dos bancos comunitários. Existe, inclusive, uma discussão grande sobre o marco nacional de um banco comunitário. Este funciona com muita dificuldade porque não existe uma lei que ampare e permita seu funcionamento, por isso não podem receber depósitos. A maioria dos bancos comunitários do país são associações, que não podem receber depósitos. Esse é um horizonte para trabalharmos no banco comunitário. Ele pode se constituir numa cooperativa de crédito ou como agente bancário. Assim, teríamos um banco comunitário que funciona como correspondente de outro banco.

IHU On-Line – Como isso vocês mostram, num momento de crise financeira, que uma outra economia é possível...

Eduardo Vivian da Cunha – Exato. Eu estava olhando uma entrevista que a Folha de S. Paulo fez com um economista belga, Bernard Lietaer, que participou da constituição do Euro. Ele fala justamente sobre essa questão, estudando a questão das moedas complementares na Europa. Fez comentários sobre o Banco Palmas e as experiências de bancos comunitários no Brasil. Diz ainda que o que tem visto na Europa e no Brasil é que os bancos comunitários agem num processo anticíclico. Ou seja, quando acontece uma crise, a moeda oficial se torna mais escassa e há uma redução da atividade econômica, o que faz com que as pessoas busquem mais a moeda social, que acaba crescendo e tapando o furo da crise. Então, ela é o processo anticíclico da crise e ajuda a manter as pessoas em períodos de crise.

IHU On-Line – Como funciona a moeda social?

Eduardo Vivian da Cunha – Ela é um elemento muito forte nos bancos comunitários. É uma moeda constituída localmente pelos moradores da região e que circula só nesse espaço. O papel dela é permitir que a riqueza fique o maior tempo possível dentro daquela região, pois, se ela é aceita só ali, a comunidade precisa comprar num mercadinho do bairro, e quem recebe a moeda social tem condições de aumentar sua produção, gerar postos de trabalho. Uma irá ajudar o outro. O papel da moeda social também é promover o desenvolvimento social. Existe pouca poupança líquida naquela região, e a moeda social contribuiu para o aumento disso.

Para ler mais:


27 de mai. de 2009

22 de mai. de 2009

A vitória judicial dos sem-terra. A mídia, entre fato e versão

Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin comentam a importante vitória obtida pelas/os sem-terra em Canoas, RS e criticam a mídia. Segundo os autores, " quando é o patrimônio latifundiário o ameaçado ou agredido, que haja notícia e seja estrepitosa. Quando é a dignidade humana e a cidadania das/os pobres que estão sendo violadas, silencie-se ou fale-se bem baixinho. A credibilidade da notícia não pode ficar dependente do preconceito ideológico que pesa sobre eles, nem do poder econômico de quem a sustenta, sob pena de igualar-se comunicação social com enganação total".

Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.
Fonte: UNISINOS


O “IHU notícias” publicou artigo nosso no início deste mês, que analisava as causas pelas quais os agricultores sem-terra acampados em Nova Santa Rita promoviam um jejum em frente a um dos prédios da Procuradoria da República em Porto Alegre.

Convém que se registre essa mudança de lugar de protesto do MST não só na capital mas também no interior. Já não é mais diante de próprios do poder executivo da nação, tais como o INCRA, o Banco do Brasil, a presidência da República, etc. mas agora é defronte ao poder judiciário e órgãos que o representam como é o caso do Ministério Público e sedes de juizados. Os tempos mudaram e o MST demonstra uma versatilidade condizente com os novos tempos, adaptando-se à conjuntura das injustas criminalizações por parte do poder que tem como única função realizar a justiça especialmente aos mais deserdados.

O jejum ou greve de fome de que falamos acima protestava contra uma decisão judicial de um juiz federal de Canoas que, atendendo pedido de um procurador da República, determinava, entre outras coisas, a expulsão de gente acampada dentro de um assentamento conquistado no mesmo município, pela reforma agrária e destituía o superintendente do INCRA/RS do seu cargo.

Gente sem-terra fazendo jejum em vários outros municípios do Estado, como efeito imediato desse protesto, deixou claro que haveria resistência contra o cumprimento do mandado de desocupação do imóvel onde as/os sem-terra estavam acampadas/os.

Em audiência de conciliação do dia 12 do corrente, presidida pelo mesmo juiz que atendera os pedidos do tal procurador da república, o recuo judicial refletiu muito bem em que extensão a decisão anterior fora precipitada e injusta. Não só se determinou prazo de 30 dias para o Incra assentar 100 famílias que estavam acampadas, mais 158 até o fim do ano, sem prejuízo do direito de outras já cadastradas e à espera, receberem o mesmo tratamento jurídico; sob a condição de ser dissolvido outro acampamento vizinho, também o superintendente do Incra/Rs foi restituído ao seu cargo.

Aquela parte da mídia gaúcha, historicamente contrária à defesa que as/os agricultoras sem-terra fazem dos seus direitos e da reforma agrária, dedica várias páginas, tendenciosa e tradicionalmente contra elas/es, procurando escandalizar a opinião pública sobre desvios de conduta e crimes que, segundo a interpretação que ela faz dos fatos e da lei, têm sido praticados por essas multidões de pobres.

De preferência aos domingos, quando o tempo para a leitura dos jornais favorece uma atenção maior das pessoas, essa parte da mídia procura apoiar a perseguição patrocinada por uma fração do Ministério Publico Estadual e da Procuradoria da República, para criminalizar e condenar aquelas multidões. Isso já ocorreu relativamente a notícias sobre diários de militantes encontrados nas violentas reintegrações de posse executadas contra elas, sobre as escolas itinerantes do MST e, mais recentemente, sobre os assentados que arrendam ou vendem os lotes que recebem por força da reforma agrária.

Dessa vitória obtida em grande parte pela determinação corajosa das/os sem-terra, a forma como repercutiu a atitude das/os jejuadoras/es e a solidariedade de vários movimentos populares do Estado, pouco ou quase nada se escreveu ou falou nos meios de comunicação social de Porto Alegre. Ninguém ignora o fato de que, no meio de qualquer grupamento humano, como aquele que organiza as/os agricultores sem-terra, é possível detectar comportamentos incompatíveis com as finalidades legais e justas das suas reivindicações.

Não deixa de ser estranha, todavia, a unilateralidade tendenciosa e generalizante com que se pretende desprestigiar a afirmação histórica de sua dignidade e cidadania, testemunhada no caso, tanto pela disposição de desobediência civil que elas/es assumiram contra o mandado judicial, como pelo jejum público, ou greve de fome, que denunciou a injustiça que iria ser praticada. A desproporção que esse tratamento público guarda, entre o que ele considera censurável no comportamento das/os sem-terra, e as causas que as/os mobilizam não pode deixar de ser notada.

A terra gaúcha e brasileira, o meio-ambiente do território brasileiro todo, são vítimas diárias de um poder econômico latifundiário, capaz de manipular até a edição das leis que os possam prejudicar, de trocar relatórios de comissões parlamentares encarregadas de apurar suas responsabilidades civis e criminais; capaz de manter uma bancada ruralista no Congresso suficiente para barrar qualquer projeto de lei tendente a agilizar a reforma agrária; capaz de impedir a revisão dos índices de produtividade das suas terras; capaz de degradar o meio-ambiente por pressão exercida sobre os órgãos públicos, encarregados dos relatórios de impacto ambiental, de impor a não revisão dos índices de reserva legal e proteção ambiental sobre seus imóveis, de convencer seus iguais a não vender terras para o Incra realizar a reforma agrária; capaz de ocupar terras públicas e devolutas pela grilagem e pelo interesse de inverter o espaço físico indispensável à alimentação do povo, em favor de culturas que favoreçam a exportação, fazendo delas, em alguns casos, o uso até de trabalho escravo.

Essas incríveis aberrações, desvios de conduta, ilegalidades e injustiças as mais danosas ao povo e ao país, não escandaliza tanto aquela parte da mídia que ataca o MST, o movimento dos atingidos por barragens, dos trabalhadores desempregados, dos sem teto, dos carroceiros e catadores de material, entre outros. Não dá mais para esconder a realidade de que, por trás de certas versões midiáticas, há fatos que, por desvelarem a injustiça social que lhes serve de causa, são manipulados e deturpados por alguns jornalistas e “formadores de opinião” (?), a ponto de, por paradoxal que pareça, informarem para não comunicar (!).

A vitória obtida pelas/os sem-terra em Canoas é um atestado disso. Quando é o patrimônio latifundiário o ameaçado ou agredido, que haja notícia e seja estrepitosa. Quando é a dignidade humana e a cidadania das/os pobres que estão sendo violadas, silencie-se ou fale-se bem baixinho. A credibilidade da notícia não pode ficar dependente do preconceito ideológico que pesa sobre eles, nem do poder econômico de quem a sustenta, sob pena de igualar-se comunicação social com enganação total.

[grifos do blog]


19 de mai. de 2009

Posição do MST sobre a inclusão de acampados no Bolsa Família

O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terrra – MST, divulgou, no dia 18/5/09, a seguinte nota:

1- Defendemos todas as políticas públicas que contribuam para resolver os problemas emergenciais das famílias de trabalhadores pobres do campo e da cidade, como a cesta básica e o programa Bolsa Família.

2- No entanto, consideramos insuficientes essas políticas assistencialistas, que são limitadas e não resolvem os problemas estruturais da sociedade brasileira, como a terra, educação, saúde e habitação.

3- Defendemos o assentamento imediato de todos os acampados e a atualização dos índices de produtividade como medidas emergenciais para resolver os problemas das famílias que vivem na beira de estradas em todo o país.

4- Somos contrários às políticas do governo para ajudar os bancos e grandes empresas diante da crise econômica mundial, que vai piorar as condições de vida de todos os trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade.

5- A solução para os trabalhadores rurais é a realização de uma Reforma Agrária Popular e um programa de agroindústrias em todas as cooperativas de assentamentos, para garantir a produção de alimentos para toda a população e a geração de renda para as famílias assentadas.

14 de mai. de 2009

Desemprego equivalente à pobreza?

Artigo de Marcio Pochmann, presidente do IPEA, publicado no jornal Valor, 14-05-2009.
Fonte: UNISINOS



Em toda sociedade em que não há democratização plena da propriedade, a possibilidade de auferir renda para sobrevivência tende a limitar-se ao mero funcionamento do mercado de trabalho, sobretudo quando não complementado por políticas de proteção social.

O acesso às rendas do trabalho não se restringe necessariamente à quantidade e qualidade dos trabalhadores, uma vez que depende fundamentalmente do ritmo de expansão, dimensão e diversidade da estrutura produtiva que realmente define a demanda e o perfil da força de trabalho. Geralmente, o mercado de trabalho não termina expressando a efetiva competição entre a oferta de mão-de-obra, pois prevalecem distintos segmentos de trabalhadores constituídos pelas cadeias de produção de bens e serviços.

Nas classes sociais de maior poder aquisitivo, por exemplo, a existência do financiamento familiar para a educação por maior tempo permite a postergação do ingresso no mercado de trabalho, compatível com a captura das melhores ocupações e mais altas remunerações. Na ausência do financiamento público para o acesso à educação, os filhos das famílias pobres não dispõem de alternativas que não sejam o trabalho precoce, geralmente condicionado pela ocupação precária e reduzida remuneração.

Em função disso, o mercado de trabalho transforma-se no produtor da pobreza e reprodutor das desigualdades entre ricos e pobres. Ao invés de estudantes que trabalham, difundem-se trabalhadores que buscam frequentar a escola com um conjunto de atividades diárias somente comparáveis às jornadas de trabalho do Século XIX, com oito horas de trabalho, quatro horas na escola e mais o tempo necessário de deslocamento entre casa, trabalho e escola. Na circunstância do desemprego, a pobreza se manifesta e a escola termina sendo abandonada.

Sem a garantia de renda básica para todos, seja pelo pleno emprego, seja pelas políticas de proteção social, a pobreza e a desigualdade encontram limites claros para a sua necessária redução. O desempenho econômico pode melhorar, ainda que a determinação da pobreza e desigualdade permaneçam circunscritas à existência ou não de emprego ou garantia de renda básica a todos. No Brasil metropolitano contata-se que dois a cada três desempregados são pobres, indicando a quase equivalência entre desemprego e pobreza. Quando não há garantia de emprego a todos que precisam do mercado de trabalho para auferir renda à sobrevivência, somente o financiamento público pode romper com a igualdade entre desemprego e pobreza.

Isso, de alguma forma, parece ser possível de se verificar na dinâmica do mercado de trabalho no período recente. No mês de março de 2009, por exemplo, menos de 54% do total dos desempregados das regiões metropolitanas podiam ser considerados pobres, enquanto em março de 2002 eram mais de 66% nesta condição. A queda de 18,8% na taxa de pobreza entre os desempregados pode indicar o efeito conjunto do avanço das políticas de proteção social, como o Bolsa Família, elevação do salário mínimo e demais medidas de atenção social.

De certa forma, as mudanças mais importantes começam a aparecer a partir de 2005. Entre janeiro de 2005 e março de 2009, por exemplo, a taxa de pobreza entre os desempregados caiu 16,3%, enquanto o contingente de desempregados diminuiu somente 5,5%. Mesmo com a contaminação do Brasil pela crise internacional não houve modificação clara na taxa de pobreza entre os desempregados. De outubro de 2008 a março de 2009, a taxa de pobreza entre os desempregados caiu 2,5%, enquanto o número de desempregados aumentou 16,5%.

Ademais do colchão protetor da base da pirâmide social, pode também estar em curso uma modificação importante na composição do desemprego. Noutras palavras, o desemprego pode estar se manifestando mais acentuadamente no interior da população não-pobre. Mas as diferenças no Brasil ainda são abissais. Entre a população pobre, por exemplo, a taxa de desemprego nas regiões metropolitanas chega a 24,8%, ao passo que para a população não pobre a taxa de desemprego alcança somente 5,2%. De outubro de 2008 a março de 2009, a taxa de desemprego entre a população pobre aumentou 18,5%. Para a população não-pobre, a taxa de desemprego cresceu 24,8%. Nos próximos meses, o avanço do desemprego poderá permitir uma melhor avaliação a respeito da mudança do perfil do trabalhador sem emprego, bem como a efetividade das políticas de proteção social. Pelo menos até o momento, a base da pirâmide social não tem sido a mais atingida negativamente pela contaminação da economia brasileira pela crise internacional.

Ademais dos esforços em defesa da produção e do emprego, necessárias para o enfrentamento das dificuldades atuais, o Brasil precisaria refletir melhor sobre as políticas de proteção social. Neste cenário de crise, uma reformulação das ações, próprias da construção do sistema público de emprego e avanço no desenvolvimento de políticas de garantia de emprego e renda, poderia contribuir ainda mais para o rompimento da quase igualdade existente no país entre desemprego e pobreza.

[negritos do blog]



12 de mai. de 2009

Ministério Público vê ampliação do trabalho precário

Responsável pelo ajuizamento de praticamente todas as ações civis públicas que questionam a terceirização nas concessionárias de serviços públicos, o Ministério Público do Trabalho (MPT) combate com veemência esse tipo de contratação. O órgão defende que a terceirização só poderia ocorrer nas chamadas atividades-meio - por exemplo, a manutenção da rede de computadores, a vigilância, a limpeza, o departamento de marketing. No julgamento a ser realizado quinta-feira (14) pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), o MPT tem como principal argumento a precarização das relações do trabalho em decorrência da terceirização. A reportagem é de Luiza de Carvalho e Daniel Rittner e publicada pelo jornal Valor, 12-05-2009.
Fonte: UNISINOS


A definição da palavra "inerente" é, na opinião do procurador do Trabalho da 1ª Região, Rodrigo Carelli, um grande foco de discussão com as empresas. Isso porque as leis que regulamentam os setores de energia e de telecomunicações - a Lei das Concessões e a Lei Geral das Telecomunicações - permitem a terceirização em atividades acessórias, complementares ou inerentes à atividade. "Ao interpretar o que seria inerente, as empresas entendem que podem terceirizar tudo, inclusive a própria atividade concedida pelo governo", afirma o procurador.

Segundo ele, as empresas que terceirizam em massa são as que mais sofrem ações na Justiça do Trabalho e responsáveis pelo maior número de acidentes de trabalho. Não há estatísticas que comprovem a acusação do MPT, mas a percepção dos sindicatos é a mesma. "Em todos os Estados, sem exceção, temos feito essas denúncias", diz João de Moura Neto, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel).

O sindicalista aponta a jornada de trabalho excessiva e a falta de pagamento de horas extras como os problemas mais comuns entre os terceirizados. Ele reclama que a maioria dos funcionários recebe salário mínimo e tem seus rendimentos adicionais atrelados ao volume de atendimentos, como número de instalações telefônicas ou de reparos. "A quantidade de mão de obra nas empresas terceirizadas é totalmente subdimensionada."

O MPT argumenta que a demora no trâmite das ações trabalhistas contra as empresas terceirizadas tem prejudicado os trabalhadores, que esperam cerca de 12 anos para receber seus direitos. Isso ocorre porque é corriqueiro que as empresas terceirizadas não tenham como arcar com o passivo ou simplesmente desapareçam no curso do processo. Apesar de a Justiça considerar as tomadoras de serviço como corresponsáveis - a chamada responsabilidade subsidiária - nas demandas trabalhistas, é preciso esgotar todas as fontes de busca às empresas terceirizadas.

De acordo com o procurador, há ainda o problema da "quarteirização", que seria a terceirização feita pelas empresas que já são terceirizadas. "É uma diluição dos direitos trabalhistas", diz.

Outro problema levantado pelo MPT é o enfraquecimento dos sindicatos. Um exemplo são os trabalhadores da construção civil contratados para os serviços gerais de uma empresa telefônica, aos quais não é permitida a migração à categoria da telefonia. "Os sindicatos de telefonia estão cada vez mais fracos", diz Carelli.

Em pleno Dia do Trabalho, oito são libertados de trabalho escravo

Enquanto multidões comemoravam o 1º de maio nos grandes centros urbanos, mais um grupo de oito trabalhadores era libertado de trabalho escravo no Sudeste de Pará. Desde fevereiro, eles foram encontrados nas Fazendas Santa Andréia e Serra Grande, a cerca de 5 km do centro de Paraupebas (PA). A propriedade pertence ao empresário Gabriel Augusto Camargos, dono de outros empreendimentos comerciais na região. A reportagem é de Bianca Pyl e publicada pela Agência de Notícias Repórter Brasil.
Fonte: UNISINOS


“A gente não recebia nada e trabalhava de domingo a domingo, sem descanso. Eu mesmo trabalhei doente, com febre e dor de cabeça. Mas não tinha jeito”, lamenta Gedéias do Livramento, 23 anos, um dos libertados pelo grupo móvel de fiscalização e combate ao trabalho escravo do governo federal. Em função das intensas chuvas na região, os fiscais tiveram que percorrer um percurso de 320 km para chegar até o local, normalmente acessível por um trecho de 160 km. Os veículos do grupo móvel atolaram quatro vezes.

Segundo os testemunhos dos trabalhadores, havia cerceamento da liberdade. “A gente era ameaçado o tempo todo. O capanga andava com a arma na cintura. Uma vez, um companheiro nosso foi pedir dinheiro para comprar remédio porque tinha levado uma picada de cobra e foi ameaçado de morte”, conta Gedéias. Quando ele próprio ficou doente, recorreu ao irmão Joel, que também trabalhava no mesmo local, para comprar remédios.

O “gato” (responsável pela contratação da mão-de-obra), que tinha a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada por Gabriel como “vigia”, chegou inclusive a ser preso pela Polícia Federal (PF) por parte ilegal de arma no momento da fiscalização. Após pagamento de fiança, ele acabou sendo liberado. De acordo com o delegado responsável, será aberto um inquérito contra o “gato” pelo crime de aliciamento e também por porte ilegal de arma.

Ao chegar no local, os fiscais flagraram ainda um vaqueiro dando ordens para que os empregados deixassem o local, na tentativa de dificultar a ação dos fiscais. Os barracos que serviam de alojamentos chegaram a ser parcialmente danificados pelo fogo ateado de propósito. “Nós desconfiamos que havia mais empregados trabalhando, principalmente por causa do tamanho da fazenda”, declara Guilherme Moreira, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que coordenou a ação. De acordo com um dos vaqueiros, as duas fazendas abrigam cerca de 3 mil cabeças de gado.

Uma das vítimas de trabalho escravo não foi encontrada pelo grupo móvel. “Ouvimos relatos que este empregado mora próximo ao local e não procurou a fiscalização por medo de se prejudicar futuramente na hora de buscar emprego”, explica o auditor fiscal Guilherme Moreira.

Os alojamentos eram barracos de lona. A água consumida vinha de um igarapé. No local não havia instalações sanitárias. Os empregados também não tinham Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). “Nosso barraco não tinha nada. A comida era só caldo de feijão com arroz ou farinha. A gente bebia a água do igarapé, mas ela deixava a gente muito doente”, lembra Gedéias.

Além dos libertados, a fazenda tinha 26 trabalhadores com registro na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS). Contudo, dois fatos chamaram a atenção da equipe de fiscais: apenas quatro estavam no local na hora da fiscalização e os registros eram com funções que não condiziam com o trabalho exercido pelos empregados. Um deles, por exemplo, estava registrado como zelador de prédio. Além disso, vaqueiros registrados apenas com o salário mínimo admitiram ter recebido pagamentos ilegais “por fora”.

Nos dias seguintes, os agentes públicos continuaram a fiscalizar o local e encontraram agrotóxicos armazenados de forma incorreta. O produto estava vazando e havia risco de contaminação. O galpão ficava ao lado de duas casas onde viviam uma família e outros dois empregados.

Aliciamento e pagamentos

Os trabalhadores maranhenses foram aliciados no final de fevereiro nos municípios de Santa Inês (MA) e Santa Luzia (MA). “O gato disse que a gente ia receber direitinho, que o trabalho não era muito pesado. Nós fomos, né? Todo mundo estava desempregado”, conta o libertado Gedéias.

Ele relata que tinha esperança de receber algum dinheiro no final da empreitada. Contudo, não havia uma data certa para o trabalho acabar. “Não tinha saída: era esperar para receber. O capanga dizia que quem saísse antes não ia receber nem um tostão”, discorre. Gedéias e o irmão Joel voltaram para Santa Luzia e estão na casa do irmão Lorival, o mais velho dos três.

“Eu ajudei minha mãe a criá-los. Quando soube pelo que eles passaram, fiquei muito triste”, relata Lorival. Gedéias explica que ele e Joel não telefonavam para a família no Maranhão porque o empregador não permitia.

Segundo o grupo móvel de fiscalização, Gabriel Augusto Camargos possui mais uma fazenda, em São Félix do Xingu (PA), além de um hipermercado, dois postos de gasolina e uma firma de terraplanagem. O empresário também disputa área em Parauapebas (PA), conforme a Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos (SDDH), com militantes sem-teto.

O empregador assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que se compromete a não manter mais trabalhadores de condições análogas à escravidão. “Não foi preciso mover uma ação civil pública porque o fazendeiro aceitou o acordo. Agora, se ele descumprir o TAC, pagará multa de R$ 10 mil por obrigação descumprida, além de R$ 10 mil por cada trabalhador que estiver em situação irregular”, explica Florença Dumont Oliveira, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) que acompanhou a operação, que permaneceu no local até a última quinta-feira (7).

Os trabalhadores receberam as verbas referente a rescisão do contrato de trabalho (R$ 28 mil). O MPT determinou também o pagamento de R$ 8 mil por dano moral individual e R$ 80 mil por dano moral coletivo. Ao todo, foram lavrados 53 autos de infração.

A Repórter Brasil entrou em contato com o advogado representante do proprietário no caso, que ficou de enviar a posição de seu cliente por e-mail. Mas nada foi enviado até o fechamento desta matéria.

8 de mai. de 2009

Do jejum material dos pobres ao jejum formal de quem os persegue

Por Antonio Cechin - irmão marista, miltante dos movimentos sociais - e Jacques Távora Alfonsin - advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.
Fonte: UNISINOS

O jejum iniciado pelos Sem-Terra em Porto Alegre, contra uma ordem judicial de desocupação do acampamento Jair da Costa, em Nova Santa Rita, oportuniza avaliarem-se, quando menos, o sentido desse tipo de protesto e alguns graves problemas relacionados com o tratamento que o Judiciário dá aos próprios acampamentos espalhados pelo Estado e o país. Em contexto moral e espiritual, o jejum faz depender os seus efeitos sobre outras pessoas, da fé de quem jejua, como dá testemunho o próprio Jesus Cristo no famoso episódio da cura de uma criança quando, inquirido sobre a impotência dos seus apóstolos em curá-la, afirmou que, para aquele tipo de mal, somente a fé e o jejum têm capacidade curativa.

O jejum como protesto político, por outro lado, já serviu de apoio, no passado, a muitos movimentos populares que lutaram pelo reconhecimento de direitos humanos de multidões pobres oprimidas. Gandhi é um exemplo emblemático disso. Aqui no sul, os Sem-Terra já fizeram o mesmo, mais de uma vez, inclusive com a participação de religiosos das igrejas cristãs.
Dom Capio, no nordeste, jejuou mais de uma vez contra a transposição do rio São Francisco. O sentido dessas duas formas de jejum - as últimas identificadas também como greve de fome - faz-nos pensar que elas têm um ponto em comum. Aquela forma de jejum de referência espiritual prefere privar-se de satisfazer uma necessidade vital enquanto tal satisfação (cura de uma doença como ocorreu no episódio evangélico acima lembrado) não alcançar o efeito que ela objetiva. Aí existe uma fé solidária dotada de uma tal radicalidade que amplia esforços pessoais e alheios, chama a atenção de todo o mundo com uma tal energia e força que as finalidades do jejum passam a ser assumidas por outras pessoas, numa onda de adesão capaz de “remover montanhas” como Jesus Cristo, igualmente, o afirmou, em relação à fé.

Ora, não parece ocorrer o mesmo com o jejum de protesto, ou, se se quiser, a greve de fome? Esse tipo de jejum denuncia, pelo lado dos jejuadores ou grevistas, uma carência material própria ou de outras pessoas, numa situação de tal gravidade que esteja pondo em risco sua dignidade, cidadania, até mesmo a própria vida. A fé, nesse caso, convencida de que o jejum interromperá o ciclo perverso da situação opressiva, se opõe com tal poder solidário, igualmente, que, se não supera as conseqüências injustas dessa situação, desmoraliza completamente os responsáveis por ela. É bem o que está ocorrendo agora, em Porto Alegre, com o jejum dos Sem-Terra em plena calçada de um dos prédios-sede do Ministério Púbico Federal. A presença dessa gente trabalhadora e pobre, no referido local, é parte de outra multidão em situação social de histórico risco, no acampamento Jair da Costa em Nova Santa Rita. Centenas de famílias estão ameaçadas de serem expulsas dali, por iniciativa de um procurador da república, e ordem emanada de um juiz de Canoas. Nenhuma chance sequer de defesa processual, nesse caso, foi permitida aos Sem-Terra, antes da tal ordem, e o recurso que eles interpuseram depois, contra o tal mandado, não foi provido pelo Tribunal Federal da 4ª Região.

Independentemente das razões que alegadamente sustentam essa ordem, algumas questões incomodam e preocupam, se não aqueles de quem ela emanou, qualquer pessoa do povo dotada de um mínimo senso de justiça: a formação desse, como de outros acampamentos de Sem-Terra no Estado, é feita por vontade própria desse povo, é criminosa, prejudicial ao meio-ambiente, a ponto de ele ser coagido a sair de qualquer canto onde ponha o pé?

Sendo o Ministério Público, tanto o estadual quanto o da União, integrante do Poder Judiciário, a única solução legal e justa para esse problema é o exercício, por essa parte do Poder, da força sancionatória que ele tem, contrário a permanência dessas multidões onde quer que elas se encontrem?

O histórico atraso da reforma agrária, legalmente prevista na Constituição Federal, não tem que ser levado em consideração, nas ações judiciais que visam incriminar e punir agricultores Sem-Terra?

Por que, aqui no Rio Grande do Sul, de modo muito particular e diferenciado de outros Estados do país, as questões que envolvem o destino dessas multidões não encontram outra solução legal e justa que não as do sacrifício que agora motiva o jejum de uma parte delas?

Aqui se expõe à crítica das/os leitoras/es o que pode ser entendido por um outro jejum, mas esse, não do alimento material, mas sim daquilo que se pode identificar como o que se priva de conhecer o “espírito da lei” seja ela a moral, seja ela a do Estado. A ideologia formal que impõe esse jejum não é aquela dos dois outros acima lembrados. Ela não tem, como aqueles, a “fome e sede de justiça”. Inspira-se na lei? Pode até ser, mas, predominantemente técnica e não ética, à moda farisaica, somente naquela que domina e não na que liberta, não na que existe para as pessoas, mas somente naquela que as pessoas existem para “justificá-la” (?), a que mantém os famintos sem comida e os sem-teto sem casa. Jejua de justiça, mas se alimenta bem de doutrinas, rubricas, artigos, incisos, jamais se permitindo chegar ao rés do chão do outro jejum, aquele material, o sofrido nas relações sociais geradoras de pobreza e miséria.

Quem ouve os jejuadores que estão frente ao prédio do Ministério Público aqui em Porto Alegre, sai convencido de que os agricultores Sem-Terra acampados vão resistir à ordem de desocupar o acampamento Jair da Costa. O risco de morrerem como esse pobre operário sapateiro morreu, vítima de repressão oficial, apenas comprova que, em nosso país, especialmente em nosso Estado, o chamado Estado democrático de direito jejua de razão e de verdade, mas se alimenta de injustiça.

6 de mai. de 2009

Carta do MST a Augusto Boal

Fonte: Adital


Companheiro Boal,

A ti sempre estimaremos por nos ter ensinado que só aprende quem ensina. Tua luta, tua consciência política, tua solidariedade com a classe trabalhadora é mais que exemplo para nós, companheiro, é uma obra didática, como tantas que escreveu. Aprendemos contigo que os bons combatentes se forjam na luta.

Quando ingressou no coletivo do Teatro de Arena, soube dar expressão combativa ao anseio daqueles que queriam dar a ver o Brasil popular, o povo brasileiro. Sem temor, nacionalizou obras universais, formou dramaturgos e atores, e escreveu algumas das peças mais críticas de nosso teatro, como Revolução na América do Sul (1961). Colaborou com a criação e expansão pelo Brasil dos Centros Populares de Cultura (CPC), e as ações do Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco.

Mostrou para a classe trabalhadora que o teatro pode ser uma arma revolucionária a serviço da emancipação humana.

Aprendeu, no contato direto com os combatentes das Ligas Camponesas, que só o teatro não faz revolução. Quantas vezes contou nos teus livros e em nossos encontros de teu aprendizado com Virgílio, o líder camponês que te fez observar que na luta de classes todos tem que correr o mesmo risco.

Generoso, expôs sempre por meio dos relatos de suas histórias, seu método de aprendizado: aprender com os obstáculos, criar na dificuldade, sem jamais parar a luta.

Na ditadura, foi preso, torturado e exilado. No contra-ataque, desenvolveu o Teatro do Oprimido, com diversas táticas de combate e educação por meio do teatro, que hoje fazemos uso em nossas escolas do campo, em nossos acampamentos e assentamentos, e no trabalho de formação política que desenvolvemos com as comunidades de periferia urbana.

Poucas pessoas no Brasil atravessaram décadas a fio sem mudar de posição política, sem abrandar o discurso, sem fazer concessões, sem jogar na lata de lixo da história a experiência revolucionária que se forjou no teatro brasileiro até seu esmagamento pela burguesia nacional e os militares, com o golpe militar de 1964.

Aprendemos contigo que podemos nos divertir e aprender ao mesmo tempo, que podemos fazer política enquanto fazemos teatro, e fazer teatro enquanto fazemos política.

Poucos artistas souberam evitar o poder sedutor dos monopólios da mídia, mesmo quando passaram por dificuldades financeiras. Você, companheiro, não se vergou, não se vendeu, não se calou.

Aprendemos contigo que um revolucionário deve lutar contra todas, absolutamente todas as formas de opressão. Contemporâneo de Che Guevara, soube como ninguém multiplicar o legado de que é preciso se indignar contra todo tipo de injustiça.

Poucos atacaram com tanta radicalidade as criminosas leis de incentivo fiscal para o financiamento da cultura brasileira. Você, companheiro, não se deixou seduzir pelos privilégios dos artistas renomados. Nos ensinou a mirar nos alvos certeiros.

Incansável, meio século depois de teus primeiros combates, propôs ao MST a formação de multiplicadores teatrais em nosso meio. Em 2001 criamos contigo, e com os demais companheiros e companheiras do Centro do Teatro do Oprimido, a Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré. Você que na década de 1960 aprendeu com Virgílio que não basta o teatro dizer ao povo o que fazer, soube transferir os meios de produção da linguagem teatral para que nós, camponeses, façamos nosso próprio teatro, e por meio dele discutir nossos problemas e formular estratégias coletivas para a transformação social.

Nós, trabalhadoras e trabalhadores rurais sem terra de todo o Brasil, como parte dos seres humanos oprimidos pelo sistema que você e nós tanto combatemos, lhes rendemos homenagem, e reforçamos o compromisso de seguir combatendo em todas as trincheiras. No que depender de nós, tua vida e tua luta não será esquecida e transformada em mercadoria.

O teatro mundial perde um mestre, o Brasil perde um lutador, e o MST um companheiro. Nos solidarizamos com a família nesse momento difícil, e com todos e todas praticantes de Teatro do Oprimido no mundo.

Dos companheiros e companheiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

02 de maio de 2009

5 de mai. de 2009

Entrevista - Mario R. Fernández

Controlar as sementes é controlar os povos

Com a desculpa de contribuir com o desenvolvimento do planeta, um pequeno grupo de empresas controlam, em nível mundial, as sementes necessárias para a semeadura. Com os transgênicos e suas patentes, têm a chave da cadeia alimentar. Mario R. Fernández, do jornal mensal Alternativa Latinoamericana, produzido no Canadá, investigou o tema. A entrevista foi publicada pela revista espanhola Fusión e pelo Portal EcoDebate, 04-05-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


Em que consiste a indústria do agronegócio e o que se esconde por trás desse suposto trabalho de "contribuir com o desenvolvimento do mundo"?

Em primeiro lugar, a indústria dos agronegócios é uma infraestrutura produtiva mundial de alimentos, controlada por umas poucas corporações privadas. Baseia-se em algo tão antigo como a agricultura e a produção de alimentos, algo que faz parte do processo de desenvolvimento da humanidade que passa de coletora a domesticadora e produtora de alimentos básicos para todos. Por isso, fala-se da "privatização" de um bem que é comum – "common", em inglês –, uma maneira de alguns poucos se apropriarem de algo que pertence historicamente a toda a humanidade. É transformar a agricultura em "indústria".

Esse grande negócio começa nos Estados Unidos, com os irmãos Rockefeller e sua ideia de pôr em marcha um projeto de expansão mundial, de diversificação de seus negócios, de domínio, de poder e, obviamente, de dinheiro. São eles que põem em marcha a chamada "Revolução Verde", que começa nos anos 50 no México e que depois se completa com outro projeto seu, a chamada "Revolução Genética".

Para ajudar a toda essa expansão, utilizam-se dois argumentos que, pouco a pouco, vão tomando força. Um, problematizar o crescimento da população do mundo – uma perspectiva que já havia começado com Malthus. E, por outro lado, a ideia de que só um sistema de "livre mercado" poderia assegurar o alimento a essa crescente população. Outras alternativas, como por exemplo o comunismo, foram diretamente rejeitadas pelo próprio Rockefeller, por sua ineficácia para conseguir "alimentar o mundo". O argumento ideológico final era chegar a estabelecer uma conexão entre os Rockefeller e o "desenvolvimento do mundo".

Quem controla hoje os alimentos e como?

Fora das corporações que comercializam os alimentos, como a Cargyll que se dedica aos grãos, e os especuladores que operam na Bolsa de Valores, o controle dos alimentos está realmente nas mãos de quatro corporações. F. William Engdahl as chama de "os quatro cavaleiros do apocalipse dos transgênicos", e são as seguintes: Monsanto Corporation, Du Pont Corporation e a sua Pioner Hi-Brend International, e Daw Agro Sciences – todas norte-americanas –, e Syngenta, que é suíça. Essas corporações utilizam os transgênicos, ou sementes geneticamente modificadas, como sua maior arma.

O Congresso dos Estados Unidos concedeu a essas corporações um direito exclusivo de patente sobre essas sementes, e fez isso supostamente para proteger essas sementes e evitar que fossem contaminadas com DNA (material genético) alheio ao do genoma da planta – evitando que fossem transformadas ou substancialmente alteradas.

Que papel tem o "boom" das sementes modificadas geneticamente em tudo isso?

Essas "sementes modificadas", agora patenteadas, são um produto que vai ao mercado. As corporações donas dessas patentes usam estratégias para colocar seu produto no mercado mundial. Engdahl, em seu livro "Sementes de destruição", explica três fases estratégicas na colocação de sementes modificadas geneticamente por parte das grandes corporações. A primeira é unir-se ou comprar companhias locais de certa importância. A segunda é assegurar que se obtenham patentes locais de técnicas de engenharia genética sobre variedades, ou bancos de sementes relevantes. Finalmente, têm que vender suas sementes aos agricultores ou campesinos, e, ao fazer isso, fazem com que assinem um compromisso pelo qual não podem ficar com sementes de segunda geração, mas que irão comprar suas sementes para a próxima semeadura da corporação – algo que terão que fazer a cada ano com um custo elevado. Essas estratégias são as legais, mas as companhias também utilizam tática ilegais para impor as sementes geneticamente modificadas aos agricultores, campesinos ou países. A coação direta e indireta para forçar a compra, ou o contrabando, são algumas delas.

Existem países que não tenham sucumbido à "invasão" dos transgênicos?

Provavelmente sim, porque o mecanismo que essas corporações usam para introduzir suas sementes transgênicas de alguma forma depende da Organização Mundial do Comércio (OMC). Por isso, é possível que nem todos tenham sucumbido ainda aos transgênicos. Mas é difícil saber com certeza. Por exemplo, em 2004, 56% do feijão – brotos – de soja e 28% do algodão no mundo eram transgênicos. No Terceiro Mundo, essas sementes se impuseram fundamentalmente pelo nível de vulnerabilidade que esses países tinham e pela cumplicidade de seus governos e elites – como foi o caso da Argentina. Mas, em outros lugares, se impuseram pela força, como ocorreu no Iraque depois da invasão, como parte da terapia de choque econômico.

Durante um tempo, a União Europeia não permitiu transgênicos por questões científicas e de saúde – questionavam-se os efeitos desses alimentos sobre a população. Mas, em 2006, ela mudou de opinião. Não é fácil saber quantos transgênicos existem, nem em que países. Pelo momento, os EUA, o Canadá e a Argentina são os que têm o maior índice de contaminação de grãos geneticamente modificados.

Que função a OMC e o Banco mundial desempenharam e desempenham em tudo isso?

A OMC ajudou a impor o marco legal em que se patenteiam as sementes transgênicas. O marco legal é formado pelos "Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio" (Trade Related Intellectual Property Rights), normas que todos os países membros da OMC deviam aprovar para proteger as patentes das plantas. É assim como as sementes se transformaram em produtos com patente. Em 2003, atendendo a uma demanda dos EUA, do Canadá e da Argentina (os países mais contaminados pelos transgênicos), um painel presidido pelo juiz suíço Christian Haberli sentenciou contra a União Europeia por "não cumprir com suas obrigações" como membro da OMC – o que poderia supor mulas anuais de centenas de milhões de dólares.

Por outro lado, o Banco Mundial, desde a sua criação, foi um instrumento de dominação do Ocidente, principalmente dos EUA. As conexões da elite norte-americana com o Diretório do Banco Mundial ajudaram a financiar projetos para sistemas de irrigação, represas etc., elementos necessários para a execução da "Revolução Verde". A Revolução Verde foi uma revolução química levada adiante por corporações petroquímicas que impuseram o uso de herbicidas e pesticidas a muitos dos países pobres (ou em vias de desenvolvimento, como são chamados) que não tinham possibilidade de comprá-los sem os créditos facilitados pelo Banco Mundial

Como os povos podem reagir frente a tanto atropelo? O que fazer?

O exemplo da União Europeia mostra que é legítimo resistir e que é possível fazê-lo mesmo que seja só para deter o processo e criar uma consciência com relação a essa imposição de transgênicos – especialmente quando desconhecemos as consequências que eles têm para a saúde e no marco da soberania nacional.

Vandana Shiva, prêmio Nobel Alternativa, organizou a resistência campesina na Índia e contribuiu com o conhecimento sobre os transgênicos. Shiva escreveu numerosos livros, entre eles "Monoculturas da Mente" (Global Editora, 2003), "Earth Democracy. Justice, Sustainability and Peace" [Democracia da Terra. Justiça, Sustentabilidade e Paz, em tradução livre], "India Dividida. Asedio a la Diversidad y a la Democracia". Shiva criou o movimento Nardanaya, www.nardanya.org.

Na América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Brasil, que é um dos movimentos mais ativos e conhecidos internacionalmente, lutou contra os transgênicos ao longo de mais de 25 anos.

Em nível pessoal, é importante que as pessoas se informem. Escritores como F. William Engdahl, com seu livro "Seeds of Destruction. The Hidden Agenda of Genetic Manipulation" [Sementes de destruição. A agenda escondida da manipulação genética, em tradução livre] contribuíram, para que entendamos a agenda que querem nos impor. Michel Chossudovsky mostrou o que se esconde por trás da globalização em seu livro "Globalização da pobreza. Impactos das reformas do FMI e do Banco Mundial" (Moderna Editora, 1999). O professor Chossudovsky também tem uma página eletrônica, recentemente premiada com o Prêmio Internacional de Jornalismo como o Melhor Portal de Investigação Internacional: www.globalresearch.ca.

Para ler mais:


Paul Krugman

A síndrome dos salários em queda

"A taxa de desemprego (nos EUA) quase certamente continuará subindo. Uma receita para continuar com os cortes de salários, o que, por seu lado, vai manter a economia debilitada. Para romper o círculo, precisamos mais: mais estímulo, mas ação decisiva sobre os bancos, mais criação de emprego", escreve Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, em artigo publicado no jornal The New York Times e reproduzido pelo jornal O Estado de S. Paulo, 05-05-2009.
Fonte: UNISINOS


Os salários estão caindo nos Estados Unidos.

Alguns desses cortes, como a devolução dos seus aumentos pelos trabalhadores da Chrysler, são o preço da ajuda federal. Outros, como o acordo provisório para uma redução salarial no The New York Times, são resultado de acertos entre patrões e empregados sindicalizados.

Não importa os motivos, o fato é que essa queda é sintoma de uma economia enferma. E é um sintoma que pode tornar a economia ainda mais enferma.

Comecemos pelo princípio: Os casos de reduções de salário estão proliferando, mas o quão amplo é o fenômeno? A resposta é: muito.

É verdade que muitos trabalhadores ainda conseguiram aumento. Mas os casos de cortes de salários hoje já são muitos.Como o mercado deve piorar ainda mais, não surpreende que os salários comecem a cair ainda mais no final deste ano.

Mas por que isso é ruim? Afinal, muitos trabalhadores aceitam ter o salário reduzido e salvar seu emprego. O que há de errado nisso? A resposta está num desses paradoxos que vêm atormentando a nossa economia no momento. O paradoxo da poupança: economizar é uma virtude, mas, quando todos procuram economizar ao mesmo tempo, o resultado é uma economia em depressão.

E estamos sofrendo com um outro paradoxo: quitar dívidas e limpar balancetes é bom, mas quando todo mundo tenta se desfazer de ativos e resgatar dívida ao mesmo tempo, o resultado é uma crise financeira.

E logo mais vamos conviver com o paradoxo dos salários: os assalariados de uma determinada empresa podem ajudar a salvar seus empregos, aceitando um salário menor, mas se os empregadores, por toda a economia, começarem a reduzir os salários ao mesmo tempo, isso vai provocar mais desemprego.

Como isso funciona? Suponha que os trabalhadores da empresa XYZ aceitem uma redução de salário. Isso vai permitir à direção da empresa XYZ reduzir seus preços, o que vai tornar seus produtos mais competitivos. As vendas aumentam e mais empregos são mantidos. Dessa maneira, você pode pensar que as reduções de salário aumentam o nível de emprego - o que de fato ocorre, mas no caso do empregador individual.

Agora, se todo mundo resolver cortar os salários, ninguém vai conseguir alguma vantagem competitiva. Portanto, a economia não vai se beneficiar com salários mais baixos. Por outro lado, essa queda pode ajudar a aumentar os problemas econômicos em outras frentes.

A queda nos salários, resultando numa redução da renda familiar, torna pior o problema do excesso de endividamento: com o salário que você recebe não conseguirá pagar a mensalidade da sua hipoteca. Os EUA entraram nesta crise quando a dívida familiar, em termos de porcentagem de renda, alcançou seu patamar mais alto desde a década de 30. As famílias estão tentando reduzir essa dívida, poupando como jamais visto em uma década. Mas, com a redução dos salários, a meta fica difusa. E como os encargos da dívida pressionam os gastos de consumo, a economia continua em depressão.

As coisas ainda pioram se empresas e consumidores esperam mais cortes no futuro. John Maynard Keynes já deixou isso claro há mais de 70 anos: "O efeito de uma expectativa de uma queda nos salários de, vamos dizer, 2%, no próximo ano equivale ao efeito de um aumento de 2% nos juros devidos no mesmo período".

E um aumento de juros é a última coisa que a economia precisa agora.

A preocupação com a queda dos salários não é apenas teórica. O Japão - onde os salários caíram em média mais de 1% ao ano entre 1997 e 2003 - é um exemplo de como a deflação dos salários pode contribuir para a estagnação econômica.

Portanto, o que devemos concluir das evidências cada vez mais fortes de uma queda dos salários nos EUA? A primeira conclusão é que estabilizar a economia não basta. É preciso uma verdadeira recuperação.

Vem se falando muito que já estão aparecendo os primeiros sinais de recuperação e que há indicações de que a crise econômica está se estabilizando. O Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA (NBER, na sigla em inglês ) poderá até declarar um fim da recessão no final deste ano.

Mas a taxa de desemprego quase certamente continuará subindo. Uma receita para continuar com os cortes de salários, o que, por seu lado, vai manter a economia debilitada.

Para romper o círculo, precisamos mais: mais estímulo, mas ação decisiva sobre os bancos, mais criação de emprego.

Crédito onde o crédito for necessário: o presidente Barack Obama e seus assessores econômicos parecem ter tirado a economia do abismo. Mas o risco de os EUA se converterem num Japão - enfrentando anos de deflação e estagnação, parece estar aumentando.

2 de mai. de 2009

Greenpeace Brasil

Trator do agronegócio tenta, mas não consegue atropelar o senado


Fracassou a empreitada da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) de organizar uma audiência pública entre todas as comissões do senado para convencer os senadores da necessidade de destruir as legislações ambientais em prol do agronegócio, por meio da revisão do Código Florestal. A senadora, que é também presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), levou a debate, hoje, o estudo de um pesquisador da Embrapa que conclui que, por conta das áreas ambientais protegidas, o Brasil tem menos de 30% de terras disponíveis para a produção agropecuária. A reportagem é do Greenpeace Brasil, 30-04-2009.
Fonte: UNISINOS


O relatório "O Alcance da Legislação Ambiental Territorial" é de autoria de Eduardo de Miranda, chefe da Embrapa Monitoramento de Satélite. Apesar do cargo, Miranda não respondeu a senadora Marina Silva (PT-AC) que perguntou se ele estava falando pela Embrapa, gerando dúvidas se a instituição reconhece a pesquisa, cheia de erros conceituais e metodológicos. Técnicos da Embrapa afirmaram na imprensa que o estudo é falso.

Antonio Herman Benjamin, ministro do Superior Tribunal de Justiça jogou uma pá de cal na reputação de Miranda. Ele esclareceu à platéia que Miranda é também autor de um estudo encomendado pela indústria canavieira que conclui que Ribeirão Preto, município conhecida pela poluição atmosférica causada pela queima da cana, tem a mesma qualidade de ar que Atibaia, considerada pela Unesco a cidade com melhor clima do mundo.

“Esse estudo não tem base científica alguma. Era só um objeto de cena que Kátia Abreu incorporou no espetáculo montado”, disse Sérgio Leitão, diretor de campanhas. Para compor a platéia do seu espetáculo, Kátia Abreu levou ao senado, representantes de 27 federações do setor agropecuário. “O tiro saiu pela culatra. Ficou bem claro que a verdadeira intenção por trás desse relatório é acabar com a legislação ambiental. A farsa foi desmontada”, afirmou.

No dia anterior, em outra audiência, também organizada por Kátia Abreu o que esteve em discussão foi a Medida Provisória 458, conhecida como MP da Grilagem. Na ocasião, a senadora defendeu a regularização fundiária na Amazônia. Para o Greenpeace, a proposta da senadora nada mais é do que uma anistia aos erros do passado e um estímulo para que eles se repitam no futuro.

“O problema dos representantes do agronegócio é que eles se comportam como crianças mimadas. Recebem incentivos, anistias, financiamentos, mas estão sempre querendo mais. Com a MP 458, eles querem avançar nas áreas de conservação e acabar com a legislação ambiental”, diz Leitão.

Raquel Casiraghi

Desempregados protestam por políticas de geração de renda

A reportagem é de Raquel Casiraghi e publicada pela Agência de Notícias Chasque, 30-04-2009.
Fonte: UNISINOS


A integrante do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), Chirlei Fischer, conta que as principais reivindicações são a criação de pontos populares de trabalho, isenção das taxas de água e de luz e passe-livre para os desempregados. Os manifestantes também exigem mais creches públicas para que as mulheres das periferias possam trabalhar.

Os desempregados também criticaram o investimento dos governos federal e estadual em bancos e grandes empresas. “Estamos denunciando também essa crise violenta que está cada vez mais afetando os trabalhadores, dizendo que o dinheiro que vai para os empresários também tem que ir para o trabalhadores, para que possam fazer os seus grupos de produção nas suas comunidades”, diz.

Em Palmeira das Missões, na região Norte, 200 manifestantes saíram em caminhada da Vila Esperança 2 até a prefeitura, onde foram recebidos por uma comissão. Do município, os trabalhadores reivindicam a construção de casas populares e frentes emergenciais de trabalho. Em Caxias do Sul, na Serra, 400 desempregados entregaram a pauta de reivindicações à gerência regional do Ministério do Trabalho e à agência do Banco do Brasil na Praça Dante Alighieri. De tarde, os manifestantes seguiram para a prefeitura, onde exigiram a criação de frentes e criticaram o gasto do município em novos Cargos de Confiança.

Já com o governo estadual, o MTD tenta há dois anos, sem sucesso, negociar frentes de trabalho. Segundo Chirlei, no orçamento estadual havia mais de R$ 2 mi para serem aplicados nas frentes, o que não ocorreu.

“A gente vem há um tempo tentando reabrir essa negociação com o governo estadual, mas somente recebemos ‘não’ e polícia para nos repreender. Com o governo estadual está muito mais difícil”, afirma.

Concordata histórica

A notícia é do jornal O Globo, 01-05-2009.
Fonte: UNISINOS

A Chrysler, uma das três grandes montadoras de Detroit, entrou ontem com pedido de falência pelo Capítulo 11 da legislação americana (equivalente à concordata no Brasil), na Corte de Falências de Nova York. Ao mesmo tempo, a Chrysler anunciou ter fechado uma parceria com a italiana Fiat. Pouco antes do anúncio oficial, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, havia afirmado que a montadora pediria concordata.

Ele disse ainda que os acordos fechados pela Chrysler no último mês, com a ajuda do governo, garantiram à montadora “uma nova vida”. Obama culpou “um pequeno grupo de especuladores” pela concordata. A montadora ainda vai receber cerca de US$ 8 bilhões da Casa Branca e US$ 2,42 bilhões dos governos do Canadá e da província de Ontario.

— Estou confiante de que a Chrysler vai emergir desse processo mais forte e mais competitiva — disse Obama, ressaltando que a concordata será “rápida e controlada”.

— Este não é um sinal de fraqueza, mas mais um passo no caminho da recuperação da Chrysler.

Para mostrar a agilidade do processo, a primeira audiência será hoje.

É a primeira concordata de uma montadora americana desde 1933, quando a vítima foi a Studebaker. Fundada em 1925 por Walter P. Chrysler — que criou o primeiro carro com seu nome em 1924 —, a Chrysler detém ainda as marcas Jeep e Dodge.

Sindicato terá 55% e Fiat, 20%

O governo americano havia oferecido US$ 2,25 bilhões em dinheiro aos credores da Chrysler se estes concordassem em fazer a baixa contábil da dívida de US$ 6,9 bilhões. Mas 40 fundos hedge, que detêm cerca de 30% da dívida, não aceitaram a proposta, levando à concordata. Já os quatro maiores credores (JPMorgan, Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley) aceitaram trocar US$ 0,28 por dólar da dívida. O UAW concordou com cortes em salários; as concessionárias, em reduzir margens de lucro; e os fornecedores, em dar descontos.

Ontem vencia o prazo dado pela Casa Branca para a Chrysler apresentar seu plano de sobrevivência.

Pela concordata, será criada uma empresa — a Nova Chrysler, subsidiária da Fiat — que comprará os ativos da Chrysler por US$ 2 bilhões.

Será criado também um fundo independente para cuidar do seguro-saúde e da aposentadoria dos funcionários, ligado ao sindicato da categoria, o United Auto Workers (UAW). Este ficará com 55% da nova empresa. A Fiat ficará com 20%, podendo chegar a 35% se algumas metas forem cumpridas.

Além disso, se a Nova Chrysler pagar todos os empréstimos ao governo até 2016, a Fiat poderá pegar mais 16% da empresa, chegando a 51%. O Tesouro americano ficará com 8% e os governos de Canadá e Ontario, com 2%.

O diretor-executivo da Chrysler, Robert Nardelli, mostrou otimismo ontem ao afirmar que a empresa sairá da concordata em 60 dias. Mas os documentos entregues à corte preveem a apresentação de um plano de reorganização para o dia 28 de agosto.

Nardelli também informou que, quando acabar o processo de recuperação, deixará o cargo, que ocupa há dois anos, e voltará ao Cerberus Capital Management, o ex-controlador da Chrysler. Este comprou a montadora da alemã Daimler (dona da marca Mercedes) em 2007. A Daimler vai abrir mão de sua fatia de 19,9% na Chrysler, vai perdoar uma dívida de US$ 1,5 bilhão e pagar US$ 600 milhões ao fundo de pensão da montadora. O Cerberus também perdoará dívida, de US$ 500 milhões.

Produção vai parar durante processo

Os investidores encararam bem a concordata da Chrysler, que deu um gás às ações das concorrentes: GM fechou em alta de 6,08% e Ford, de 9,72%. Pesou mais a queda de 58% no lucro trimestral da petrolífera Exxon Mobil, para US$ 4,6 bilhões. Em Nova York, Dow Jones recuou 0,22%, enquanto Nasdaq subiu 0,31%.

Em vendas nos EUA, a Chrysler está atrás de Toyota, GM e Ford, e a Honda está quase tomando seu lugar. A empresa informou que continuará a vender automóveis, que agora terão a garantia do governo americano. E disse que, no momento, não haverá demissões ou fechamento de fábricas. A produção, no entanto, será suspensa durante a reestruturação. Isso cria uma incógnita para milhares de trabalhadores.

Segundo o site CNNMoney, 284 mil empregos estariam ameaçados nos EUA: 40 mil nas fábricas da Chrysler, 140 mil nas concessionárias e 104 mil nas empresas de autopeças.

— Sentimos que fizemos o possível — disse ao “New York Times” David DeMoss, presidente do UAW em Perrysburg, Ohio.

— O resto está fora de nosso controle. A maioria está otimista com a chegada da Fiat. Pelo menos é um raio de esperança.

Não é a primeira vez que a Fiat se une a uma montadora americana. Há nove anos, ela e a GM criaram uma joint venture para desenvolver motores e equipamentos. Não deu certo: em 2005, a GM pagou US$ 2 bilhões para não ser obrigada a comprar a Fiat, como previa o acordo. Mês passado, surgiram rumores de que a Fiat estaria interessada em comprar a Opel, braço europeu da GM. Analistas estimam que a concordata da Chrysler pode ser um modelo para a GM, cujo prazo dado pela Casa Branca termina em 1º de junho.

1 de mai. de 2009

Waldemar Rossi

1º de MAIO, dia de luta!

Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
Fonte: Correio da Cidadania

No dia 1º de maio, uma sexta-feira, os trabalhadores do mundo inteiro (exceto nos Estados Unidos) estarão celebrando 123 anos do massacre de Chicago, quando milhares de trabalhadores, pacificamente, reivindicavam a jornada de trabalho de 8 horas e condições específicas para o trabalho das mulheres e dos menores. A polícia, a mando do governador e a serviço dos patrões, reprimiu a manifestação com armas, assassinando vários trabalhadores e prendendo oito das suas lideranças. Um júri, encomendado e corrompido, julgou as lideranças como responsáveis pelas violências, condenando cinco delas à morte pelo enforcamento em praça pública e três condenados a vários anos de prisão.

O falso julgamento gerou uma extraordinária reação popular pelo mundo capitalista da época (Estados Unidos e Europa), o que obrigou ao novo governo daquele estado a considerar nulo o julgamento, determinando a realização de outro júri, agora com novos jurados escolhidos dentre o povo. Como era de se esperar de um julgamento correto, os trabalhadores foram considerados inocentes, ficando a responsabilidade pelas violências para o próprio estado e para os patrões, seus mandantes. Mas cinco operários já estavam mortos.

Foi assim que um congresso internacional dos trabalhadores decidiu marcar o dia 1º de Maio como o "Dia dos trabalhadores, dia de luto e de lutas". Uma justa homenagem àqueles que deram suas vidas em defesa de melhor qualidade de vida para a classe trabalhadora internacional.

As lutas pela conquista das oito horas diárias de trabalho foram muito duras. Sua conquista foi se dando aos poucos, de acordo com a capacidade de enfrentamento dos trabalhadores em cada país. Ainda assim, essa luta gerou outros assassinatos de homens e mulheres que buscavam um pouco menos de injustiça no trabalho. No Brasil ela veio com o governo de Getúlio Vargas. Porém, em nosso país, essa jornada, de fato, nunca foi respeitada, pois os patrões, ávidos por grandes lucros, sempre exigiram horas de trabalhos extras, prolongando a jornada real dos seus empregados.

Eis porque sindicatos comprometidos com a luta por justiça, unidos a vários movimentos populares e às pastorais sociais das Igrejas, vêm se unindo para garantir a continuidade dessa celebração com seu caráter de classe. São sindicatos e movimentos que repudiam as "comemorações" com shows e sorteios de carros e de casas, tudo pago pelas empresas que exploram o trabalho de seus funcionários. São movimentos e sindicatos que repudiam as atividades desse dia com caráter de conciliação com o empresariado, em conluio com o capital explorador. São shows e sorteios que visam impedir o desenvolvimento da consciência crítica dos trabalhadores, shows que visam apagar a memória das lutas das classes trabalhadoras, como vêm fazendo a Força Sindical – com mega-shows e sorteios - e a CUT com seus shows.

O 1º de Maio classista, em São Paulo, vem acontecendo na Praça da Sé, tradicional espaço de resistência dos trabalhadores paulistanos, tradicional espaço de resistência durante os 20 anos da ditadura imposta ao povo brasileiro pelo golpe militar de 1964.

Neste ano queremos reverenciar a memória de Olavo Hansem, assassinado em 1970; de Luiz Hirata, assassinado em 1971; de Manoel Fiel Filho, assassinado em 1976; e de Santo Dais da Silva, assassinado durante a greve dos metalúrgicos de São Paulo, de 1979, pela polícia militar de Paulo Maluf. Na memória desses quatro operários iremos prestar nossa homenagem aos demais operários mortos pela ditadura militar.

Mas o 1º de Maio deste ano será marcado principalmente pela resistência ao ataque que o capital vem desfechando sobre os direitos dos trabalhadores. Será um protesto e a determinação de resistir à tentativa do governo em "flexibilizar" nossos direitos, favorecendo as empresas que se dizem em crise e que se aproveitam dela para aumentar sua exploração.

Você, leitor do Correio da Cidadania, de São Paulo e arredores, você que é também um lutador e defensor da justiça social, participe desse ato, reforce nosso protesto e convença seus amigos a participarem também.

PROGRAMAÇÃO DO 1º DE MAIO CLASSISTA:

09:00 horas: Missa na Catedral da Sé;

10:30 horas: ato público na Praça da Sé

12:30 horas, encerramento do ato classista

Ricardo Antunes

A erosão do trabalho

"Este 1º de Maio nos leva a indagar: qual trabalho queremos para este tenso século XXI que mal está começando?", escreve Ricardo Antunes, professor titular de sociologia do trabalho do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 01-05-2009.
Fonte: UNISINOS


"Arbeit, lavoro, travail, labour, trabajo." Não há nenhum canto do mundo que não esteja vendo o desmoronar do trabalho. A atividade que nasceu sob o signo da contradição foi, desde o primeiro momento, um ato vital, capaz de plasmar a própria produção e a reprodução da vida humana, de criar cada vez mais bens materiais e simbólicos socialmente vitais e necessários. Mas trouxe consigo, desde os primórdios, o fardo, a marca do sofrimento, o traço da servidão, os meandros da sujeição.

Se o trabalho é um ato poiético, o momento da potência e a potência da criação, ele também encontra suas origens no "tripalium", instrumento de punição e tortura.

Se, para Weber, o trabalho fora concebido como expressão de uma ética positiva em sintonia com o nascente mundo da mercadoria e o encanto dos negócios (negação do ócio), para Marx, ao contrário, o que principiara como uma atividade vital se converteu em um não valor gerador de outro valor, o de troca. Daí sua síntese cáustica: se pudessem, todos os trabalhadores fugiriam do trabalho como se foge de uma peste!

E a sociedade da mercadoria do século 20 se consolidou como a sociedade do trabalho. Desde o início, no microcosmo familiar, fomos educados para o labor. O sem-trabalho era expressão de pária social. Mas a mesma sociedade que se moldou pela formatação do trabalho se esgotou. Ele se reduz a cada dia -e de modo avassalador. Enquanto a população mundial cresce, ele mingua. Complexifica-se, é verdade, em vários setores, como nas tecnologias da informação e em outras áreas de ponta, e resta exangue em tantos outros.

Onde cresce avassaladoramente, como no telemarketing, produz um ser falante quase mudo, repetidor do trabalho prescrito, movido a pequenos "regalos" ao final de um dia extenuante, cujos minutos e segundos são contabilizados e controlados. Assim nos encontramos hoje: temos muito menos empregos para todos os que dele necessitam para sobreviver. Os que têm emprego trabalham muito, sob o sistema de "metas", "competências", "qualificações", "empregabilidades" etc. E, depois de cumprirem direitinho o receituário, vivem a cada dia o risco e a iminência do não trabalho.

E isso não só nos estratos de base, onde estão os assalariados no chão da produção. Foi-se o dia em que os gestores, depois do corte, iam para suas casas com a garantia do trabalho preservado. Eles sabem que o corte deles se gesta enquanto eles laboram o talhe dos outros. Se vivêssemos em outro modo de produção e de vida, o tempo de trabalho poderia ser muito menor e mais afinado com o tempo de vida fora do trabalho, ambos dotados de sentido e fora dos constrangimentos do capital.

Mas, ao contrário, esses tempos se complementam em outro diapasão, com a casa se tornando espaço de trabalho adicional, e o tempo de vida fora do trabalho se vê cada vez mais encolhido e reduzido à esfera do que fazer para não perder a guerra quando o labor recomeçar no dia seguinte. A resultante é áspera e se conta na casa dos bilhões: aqueles que têm emprego trabalham muito, muitos já não mais encontram trabalho e outros fazem qualquer trabalho para tentar sobreviver com o que sobra da arquitetura societal da destruição. Em plena crise estrutural e sistêmica do capital, da Ásia à América Latina, da Europa à África, há uma nota tristemente confluente: como os assalariados que só dispõem de seu labor poderão sobreviver neste mundo sem trabalho e sem salário?

Dos EUA à China, de Portugal ao Canadá, da Inglaterra ao Japão, passando pelos tristes trópicos, novos recordes de desemprego são batidos todos os dias. Um incomensurável processo de corrosão e erosão se efetiva. Tal como foi desenvolvido ao longo do curto século 20, o trabalho tayloriano-fordista sofreu forte retração a partir dos anos 1970. Mas, com a intensificação desse quadro crítico, adentramos um novo ciclo de demolição do trabalho em escala global.

As diversas formas de "empreendedorismo", "trabalho voluntário" e "trabalho atípico" oscilam frequentemente entre a intensificação do trabalho e sua autoexploração. Dormem sonhando com o novo "self-made man" e acordam com o pesadelo do desemprego. Empolgam-se pela falácia do empresário-de-si-mesmo, mas esbarram cada vez mais na ladeira da precarização.

Em volume assustador, uma massa de homens e mulheres torna-se supérflua, esparramando-se pelo mundo em busca de um labor que já não mais existe. Este 1º de Maio nos leva, então, a indagar: qual trabalho queremos para este tenso século XXI que mal está começando?

Renato Godoy de Toledo

No 1º de maio da crise, contradições estão mais expostas


Soa contraditório. E é. A crise estrutural do modelo econômico vigente tende a agravar a situação dos trabalhadores, com demissões, redução de direitos e salários. No entanto, o momento é propício para fortalecer as organizações da classe e realizar a disputa de hegemonia na sociedade, já que o caráter do regime capitalista torna-se mais claro nesse período histórico. A reportagem é de Renato Godoy de Toledo e publicada pelo jornal Brasil de Fato, 30-05-2009.
Fonte: UNISINOS

Porém, aos trabalhadores não resta a simples tarefa de assistir à ruína das idéias neoliberais para, posteriormente, implementar sua agenda. A história mostra que não há uma associação mecânica entre a falência de um sistema e a construção de uma alternativa. Portanto, a crise econômica mundial traz enormes preocupações aos trabalhadores, bem como desafios e a esperança de emancipação.

No 1º de maio, Dia Internacional do Trabalhador, o tema das organizações sindicais deve ser o mesmo no mundo inteiro: os impactos da crise no mundo do trabalho. E, desde o pós-guerra, este deve ser o Dia do Trabalhador com mais menções às análises de Karl Marx sobre a dinâmica da sociedade capitalista. Consultados pela reportagem, especialistas não se furtaram em citar conceitos criados pelo pensador alemão para analisar a situação da classe trabalhadora no Brasil.

Capitular ou enfrentar

O sociólogo Ruy Braga, da Universidade de São Paulo (USP), salienta que não é possível formular uma teoria sobre como o capitalismo se movimenta durante momentos de crise, assim como a dinâmica do movimento dos trabalhadores. As complicações oriundas da crise não acarretam, necessariamente, numa sublevação do conjunto dos trabalhadores contra a ordem vigente.

“Não há uma relação mecânica de passagem automática de um momento para o outro. O que existe é um processo de construção social para isso, que a classe trabalhadora faz junto aos seus instrumentos, como os sindicatos. Mas, em vez de um aumento das mobilizações, pode acontecer o contrário. O crescimento do desemprego pode desmoralizar a classe trabalhadora e fazer com que o processo retroceda. O que existe é um processo de construção dessa mobilização [diante da crise]”, avalia.

De acordo com o também sociólogo Mauro Iasi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o setor patronal deve apresentar propostas reducionistas aos trabalhadores, restando a estes últimos dois caminhos: o enfrentamento ou a capitulação.

“Os trabalhadores podem reagir de duas formas contraditórias neste momento. Podem ficar tentados a aceitar pactos sociais e buscar saídas conjuntas com o capital, caindo no canto de sereia de que com a volta do crescimento seus empregos e salários se recuperariam, ou podem se mobilizar e lutar por seus direitos, recusando-se a arcar com os custos da crise do capital. É bom lembrar que no ciclo de crescimento a acumulação foi privada e se pedia aos trabalhadores que esperassem para repor suas perdas”, explica.

Tendência de fragmentação

É sabido que, quando as empresas têm sua margem de lucro diminuída, a saída mais comum é o corte de gastos com pessoal, em nome da competitividade e da sanidade financeira da instituição. E essa tem sido a justificativa mais comum vista diariamente no mundo todo. Assim, está posta mais uma contradição. Como resposta à crise, os sindicatos almejam promover grandes mobilizações, mas suas bases estarão cada vez mais minadas pelo desemprego.

“Em período de retração, a tendência é de fragmentação da classe e, com o desemprego, a concorrência aumenta. Independentemente do ritmo da acumulação, a classe tem um grande desafio de construir a sua própria emancipação. E isso depende dos grupos mais organizados. Eles precisam responder a uma série de questões: quem somos nós? Quem são eles? Quem são os aliados e os inimigos?”, esclarece Ruy Braga.

Se a recessão da economia implica em fragmentação, o contrário não é sinônimo de acúmulo de forças, segundo o sociólogo. “O processo de acumulação capitalista tem dois momentos: um de expansão e outro de retração. A expansão é, geralmente, seguida pela superprodução. Num momento de acumulação acelerada, os ganhos podem ser transferidos para o salário. Mas isso só é garantido pela correlação de forças. Pode haver um processo de aceleração, mas com contenção salarial, como na década de 1990”, exemplifica.