31 de out. de 2009

Criado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo

A lei que cria o Dia Nacional e a Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo foi publicado no Diário Oficial da União. O dia será comemorado em 28 de janeiro de cada ano. A lei foi sancionada pelo presidente da República em exercício, José Alencar.A notícia é da Agência Brasil, 30-10-2009.
Fonte: UNISINOS


A data foi escolhida para homenagear três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho assassinados em 28 de janeiro de 2004, durante vistoria a fazendas na zona rural de Unaí (MG). Durante a solenidade de assinatura da lei, Alencar disse que todos os que atuam no combate ao trabalho escravo estavam sendo homenageados naquele momento.

O projeto que originou a lei é de autoria do senador José Nery (PSOL/PA), que preside a Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, vinculada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).

Ele lembrou que outra iniciativa legislativa sobre o tema ainda precisa ser votada na Câmara dos Deputados: a proposta de emenda à Constituição (PEC 438/01) - do então senador Ademir Andrade - que prevê a expropriação de terras em que haja comprovação da prática de trabalho escravo. A matéria, segundo o senador, pode ser votada ainda este ano.


Cutrale devolve terras griladas

Por Roberto Malvezzi, Gogó, agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra
Fonte: Adital

Num gesto único na história brasileira, a Cutrale vai devolver as terras públicas que grilou para plantar laranja. Segundo uma pessoa que ocupa cargo decisivo, "mais importante que sete mil pés de laranja derrubados, são as cem mil famílias de brasileiros que estão na beira das estradas". O único condicionante da empresa é que as terras sejam destinadas à reforma agrária, dando preferência às famílias que ocuparam o lugar dias atrás. Para maior surpresa, admitiu que é inconcebível que, "num país de 8,5 milhões de Km2, haja tantas pessoas sem um lugar para trabalhar e até mesmo para morar".

Com esse gesto, continuou, "contribuiremos para fazer uma justiça histórica nesse país, já que desde a chegada dos portugueses, a terra tornou-se um pesadelo para nossos índios, negros e pequenos camponeses. Queremos, de uma vez por todas, superar essa injustiça histórica, criar a paz no campo e que essa paz se estenda também por nossas cidades".

Para concluir, afirmou que "espero que todas as pessoas e empresas que grilaram terras públicas, como aquelas do Pontal do Paranapanema, ou na Amazônia, ou em qualquer outro canto do Brasil, repliquem o nosso gesto, devolvendo ao país o que é do país. Afinal, todos os brasileiros têm direito a um lugar digno para viver, sem precisar de favores governamentais. Além do mais, uma vez feita a justiça no campo, não vamos mais precisar de ocupações de terras".

O gesto da Cutrale, sem dúvida, é histórico e pegou de surpresa todos aqueles que querem criar uma CPI para investigar o MST. Afinal, ao reconhecer que o primeiro crime cometido foi a grilagem das terras, não há mais porque buscar culpados onde eles não existem.

29 de out. de 2009

Anistia a desmatadores é adiada depois de protesto

Manifestantes do Greenpeace tocaram sirenes e se acorrentaram a bancadas da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados em protesto à tentativa de votação de um projeto de lei que anistia o desmatamento ilegal ocorrido até 31 de julho de 2006 e faz outras modificações no Código Florestal Brasileiro. A proposta foi elaborada por entidades ruralistas, tendo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) à frente. A notícia é do jornal Valor, 29-10-2009.
Fonte: UNISINOS

Os manifestantes do Greenpeace foram contidos por seguranças e o presidente da comissão, Roberto Rocha (PSDB-MA), tentou manter a votação. Mas foi tamanho o conflito entre deputados das bancadas ruralista e ambientalista que o líder do PSDB, José Aníbal (SP), teve de interceder para que Rocha adiasse a apreciação do projeto.

O texto prevê compensação financeira por serviços ambientais para as propriedades que preservarem cobertura florestal nativa, permite desmatamento em pequena propriedade - ao considerar de "interesse social" atividades agropecuárias e florestais praticadas nesses imóveis -, tira os Estados do Maranhão e do Tocantins da Amazônia Legal e transfere a Estados a competência de definir regras de uso das áreas de preservação permanente.

Deputados do PV alegaram ter sido surpreendidos com a pauta, principalmente pela criação recente de uma comissão especial na Câmara para analisar a reforma do Código Florestal Brasileiro, em vigor desde 1965. Além disso, queixaram-se da mudança de relator - era Jorge Khoury (DEM-BA) e agora é Marcos Montes (DEM-BA) - e da apresentação de novo substitutivo, sem abertura de prazo para apresentação de emendas.

O episódio deixou claro que a criação de uma comissão especial para estudar a reforma do Código Florestal não inibiu as articulações dos ruralistas para tentar aprovar um projeto que atenda aos seus interesses. "Não chegou nenhuma determinação do presidente da Câmara para que esse projeto fosse deslocado para a comissão especial. Aqui é a comissão técnica. Lá pode virar uma guerra santa", disse o tucano.

O parecer colocado ontem à votação é a um projeto de lei do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA).

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da CNA, afirmou ontem que o projeto foi elaborado após sete meses de viagens, reuniões com produtores e consulta a técnicos da Embrapa e de universidades. "O projeto não nasceu ontem. Tem embasamento científico e só foi apresentado após consenso entre as entidades do setor e o Ministério da Agricultura", afirma a senadora. (embasamento científico? quais entidades do setor?)

Pesadelo assombra os produtores de soja

Um fantasma percorre os campos do Chaco, norte da Argentina. Após meses de investigação e acaloradas disputas, confirmou-se a existência de uma variedade de sorgo (Sorghum halepense - também conhecido no Brasil como capim Massambará, Pasto Russo ou Erva de São João) resistente ao herbicida glifosato, na província de Salta. É o primeiro caso de uma variedade de sorgo resistente ao glifosato desde que esse herbicida começou a ser usado no mundo, há três décadas. A difusão desta erva daninha através das colheitadeiras que circulam por todos os lados após cada safra não é um bom augúrio. A reportagem é de Alejandro Nadal, economista, professor pesquisador do Centro de Estudos Econômicos, no Colégio do México, publicado pelo jornal mexicano La Jornada, 20-10-2009, e traduzida pela Carta Maior, 27-10-2009.
Fonte: UNISINOS

A presença do sorgo resistente ao glifosato já foi reconhecida pelo principal organismo encarregado de vigiar as ervas daninhas resistentes a herbicidas. Essa descoberta é um pesadelo que se tornou realidade para os produtores de soja transgênica. É também uma lição para a Sagarpa (organização mexicana de proteção fitossanitária), que acaba de autorizar ilegalmente as primeiras plantações experimentais de milho transgênico no México. É o primeiro passo no caminho para autorizar a plantação comercial e consolidar a liberação do milho geneticamente modificado no México, centro de origem deste cultivo de importância mundial.(importante para quem?)

Vamos por partes. O Sorghum halepense é uma das dez principais ervas daninhas que afetam a agricultura de climas temperados. É uma erva daninha perene, dotada de grande capacidade de reprodução e sobrevivência ao controle por meios mecânicos. A ironia é que em muitos países, incluindo a Argentina, foi introduzido como uma espécie forrageira, por sua alta produtividade e capacidade de adaptação. Em poucos anos, converteu-se em uma praga cujo combate com agentes químicos teve grandes custos para os agricultores e para a biodiversidade.

Na luta contra essa “erva daninha perfeita” vinha se usando o glifosato, herbicida de amplo espectro que destrói, em plantas superiores, a capacidade de sintetizar três aminoácidos essenciais. É o herbicida seletivo de maior venda no mundo e sua expansão acelerou-se com os cultivos transgênicos como os da soja Roundup Ready, da Monsanto, geneticamente modificada para aumentar sua resistência ao glifosato. Hoje, a soja transgênica é plantada em cerca de 18 milhões de hectares na Argentina. Esse cultivo transformou a paisagem rural do pampa, transtornando as relações sociais que permitiam a pequena agricultura e abrindo as portas para o agronegócio em grande escala. As exportações de soja são o principal sustento da política fiscal Argentina: 18% da receita fiscal total vêm do imposto sobre as vendas de soja ao exterior. Mas o colapso desta bolha da soja é uma questão de tempo. A aparição do sorgo resistente ao glifosato é só um aviso. A soja transgênica usa um pacote tecnológico de plantio direto (ou lavragem mínima), onde se deixa o mato cobrir a terra para protegê-la da chuva e do vento. Isso reduz os riscos de erosão, mas deve ser acompanhado de um incremento no uso de herbicidas. Esse tipo de cultivo está associado a um crescimento espetacular do uso destes insumos: em apenas dez anos, o consumo de glifosato passou de 15 a 200 milhões de litros.

O resultado, no final do caminho, era de se esperar: cedo ou tarde, apareceriam espécies resistentes às estratégias desenhadas e implementadas por este modelo de agricultura comercial. Com a difusão do pacote tecnológico da soja transgênica, essa resistência apareceria mais rapidamente, pois o processo de co-evolução (que, no fundo, é o que rege esse fenômeno) iria se acelerando. É o que acontecerá também com o milho transgênico cujo plantio está sendo autorizado agora no México. A aparição de insetos resistentes à toxina produzida nos cultivos transgênicos Bt é uma questão de tempo.

Ainda não há registro de grandes populações resistentes à toxina Bt, mas em parte isso se deve à estratégia que consiste em deixar refúgios de plantas não transgênicas nas áreas plantadas. Nos Estados Unidos, essa prática tem sido acompanhada pelo uso complementar de inseticidas. Mas a advertência de ecólogos e agrônomos segue vigente: essas estratégias só retardam o processo de aparição de insetos resistentes ao Bt, não o detém. O cultivo de milho transgênico no México aumentará a probabilidade de surgimento de populações de insetos resistentes ao Bt em um menor espaço de tempo. Esse não é o único problema, mas o exemplo do sorgo na Argentina é um sinal que não devemos ignorar.

A trajetória tecnológica dos cultivos geneticamente modificados nos conduz a um beco sem saída. É claro que, para as empresas e seus cúmplices no governo, este é um bom instrumento para tornarem-se donas do campo, transformando-o em seu espaço de rentabilidade. Para a Sagarpa e o governo (falando aqui do caso mexicano) nada deve se interpor entre as companhias transnacionais e a rentabilidade, nem sequer a débil legislação sobre biossegurança que foi desenhada para servir aos interesses dessas mesmas empresas.

27 de out. de 2009

Olimpíadas do social

Escrito por Frei Betto
Fonte: Correio da Cidadania

O governo acaba de divulgar os dados do Censo Agropecuário. E de dar razão ao MST quando reivindica reforma agrária.

Há no Brasil 5,175 milhões de propriedades rurais. Ocupam uma área total de 329,9 milhões de hectares. Um hectare equivale a um campo de futebol. Essas propriedades empregam 16,5 milhões de pessoas, e mais 11,8 milhões de trabalhadores informais (bóias-frias, diaristas etc.).

Dos que trabalham no campo, 42% não terminaram o ensino fundamental; 39,1% são analfabetos; apenas 8,4% têm o fundamental completo; 7,3% obtiveram diploma de nível superior; e 2,8% cursaram o técnico agrícola.

Esses dados explicam a baixa qualidade dos trabalhadores rurais, uma vez que o governo não lhes oferece instrução adequada, e a perversa existência de trabalho escravo, favorecido pela situação de miséria de migrantes em busca de sobrevivência.

A concentração de terras em mãos de poucos é 67% superior à da renda no país, cuja desigualdade se destaca entre as maiores do mundo. Essa concentração, agravada pelo agronegócio voltado à exportação de soja, cana e carne de gado reduz o número de trabalhadores no campo.

Em dez anos, 1,363 milhão de pessoas deixaram de trabalhar na lavoura. Muitas viraram sem-terra. E não foram poucas as que migraram para, nas cidades, engordar o cinturão de favelas e agravar a incidência da mendicância e da violência urbana.

A mesa do brasileiro continua a ser abastecida pela agricultura familiar, que emprega 12 milhões de pessoas (74,4% dos trabalhadores no campo), enquanto o agronegócio contrata apenas 600 mil. Na cesta básica, a agricultura familiar é responsável pela produção de 87% da mandioca e 70% do feijão.

Segundo o Censo, 30% das nossas lavouras utilizam agrotóxico. Porém, apenas 21% recebem orientação regular sobre essa prática. Ou seja, muitos utilizam herbicidas no lugar de inseticidas e, ao aplicar veneno na terra, não cuidam de se proteger da contaminação.

Na mesa do brasileiro, entre verduras folhudas e legumes viçosos, campeia a química que anaboliza os produtos e prejudica a saúde humana. São 713 milhões de litros de veneno injetados, por ano, na lavoura do Brasil. E até hoje o governo resiste à proposta de obrigar a prevenir os consumidores sobre se o produto é ou não transgênico.

A agricultura orgânica ainda é insignificante no Brasil: apenas 1,8%. Mas já envolve mais de 90 mil produtores. A maior parte da produção (60%) se destina à exportação: Japão, EUA, União Européia e mais 30 países.

O Censo revelou ainda que os jovens estão abandonando o campo. Apenas 16,8% dos produtores têm menos de 35 anos de idade, e 37,8% têm 55 ou mais. Houve melhora na qualidade de vida: 68,1% dos estabelecimentos rurais contam com energia elétrica (o programa Luz para Todos funciona) e a irrigação aumentou 39%, favorecendo 42% da área total.

Em dezembro, os chefes de Estado de todo o mundo se reunirão em Copenhague para debater o novo acordo climático, considerando que o Protocolo de Kyoto expira em 2012. Segundo dados da ONU, em 2050 – quando haverá aumento de 50% da população do planeta - a escassez de alimentos ameaçará 25 milhões de crianças, pois a produção mundial, devido ao aquecimento global, sofrerá redução de 20%.

Os habitantes dos países pobres terão acesso, em 2050, a 2,41 mil calorias diárias, 286 calorias a menos do que em 2000. Nos países industrializados, a redução será de 250 calorias. Drama que poderá ser evitado se houver investimento de US$ 9 bilhões/ano para aumentar a produtividade agrícola.

Estudo do Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar constata que a escassez levará à alta dos preços de alimentos básicos, como trigo, soja e arroz. Este produto, essencial na dieta mundial, poderá ter aumento de até 121%! Hoje, a fome ameaça 1,02 bilhão de pessoas (15% da população mundial).

O Brasil é, hoje, um dos maiores produtores mundiais de alimentos. Nosso rebanho bovino conta com quase 200 milhões de cabeças – responsáveis também pelo aquecimento global -, e a fabricação de etanol elevou a produção de cana-de-açúcar para quase 400 milhões de toneladas/ano.

Apesar dos dados positivos de nossa produção agropecuária, ainda convivemos com a fome (11,9 milhões de brasileiros); a mortalidade infantil (23 em cada 1.000 nascidos vivos); o analfabetismo (15 milhões); e alto índice de criminalidade (40 mil assassinatos/ano).

Bom seria se a nação também se mobilizasse para as Olimpíadas do Social e, enquanto o Rio reforma seus estádios para 2016, o Brasil promovesse as tão sonhadas, prometidas e adiadas reformas: agrária, política, educacional, sanitária e tributária. 

26 de out. de 2009

Novos e sutis discursos acadêmicos reforçam ataques aos movimentos sociais

Escrito por Valéria Nader, economista e editora do Correio da Cidadania
Fonte: Correio da Cidadania

As investidas dos grandes veículos de comunicação contra os movimentos sociais, a cada vez que estes intensificam a sua atuação, não são mais novidade para aqueles que acompanham a conjuntura política e social e as interpretações de mídia associadas a essa conjuntura. As críticas frontais àquilo que seria considerado vandalismo, desordem ou uma afronta ao direito de propriedade sempre foram a reação imediata e notória da mídia corporativa e dos poderosos interesses econômicos a ela atrelados. O ‘outro lado’ surge no máximo ali nos cantos ou pés de página, em rasas e insuficientes pinceladas.

Menos notório, no entanto, é o fato de que, a esse método mais tosco de criminalização dos movimentos sociais, vem sendo a cada dia mais associada uma outra forma de desqualificação desses movimentos, mais sofisticada e sutil. Não é tão recente assim, mas, utilizada em proporção bem menor, fica mais difícil a percepção pelo público.

O MST e uma das causas do movimento, a reforma agrária, são os dois temas que mais mobilizam as iras midiáticas, pela dimensão que adquiriram no contexto nacional. E já nos idos do governo FHC antevia-se essa nova forma mais sutil em busca de desprestigiá-los, diante do modo insidioso como determinados discursos acadêmicos procuravam desconstruir o movimento e suas bandeiras, a partir de aparente neutralidade.

Entrevista concedida pelo sociólogo José de Souza Martins ao Programa Roda Viva em maio de 2000 foi emblemática da maneira como um discurso intelectual, que destacava estudos acerca da questão agrária no Brasil, adotava tática sutil de desmerecimento da atuação do MST. O movimento estaria perdendo seu importante caráter de criatividade, uma vez que, cada dia mais, se tornava portador de uma ‘ideologia partidária’, segundo destacado pelo entrevistado. À época em que o PT ainda era oposição, por ‘ideologia partidária’ subentendia-se ‘ideologia petista’.

Pode-se fazer intensa discussão e questionamento quanto às reiteradas afirmações do próprio MST no que se refere à sua autonomia relativamente a partidos e governos. Mas o tom e organização dados à fala do sociólogo, bem como a lógica de sua argumentação, não deixaram passar despercebido aos observadores atentos a tentativa que estava em jogo. Ao mesmo tempo em que se desqualificava de modo ‘elegante’ o MST, erigiam-se as bases para que, ao governo FHC, mesmo com seu modelo desestruturador da agricultura familiar, pudesse ser creditado um avanço da questão agrária no Brasil.

O governo Lula e a mídia

No governo Lula, o presidente operário teoricamente amigo dos movimentos sociais, criou-se situação esquizofrênica. Setores mais à esquerda enxergam um evidente distanciamento do atual governo relativamente às demandas dos sem terra quanto à execução de uma autêntica reforma agrária - a partir de uma grande ambigüidade em suas relações recíprocas. Os críticos mais à direita, por sua vez, vêm insistentemente acusando o MST de se utilizar de modo indevido dos recursos públicos, ao mesmo tempo em que ‘simularia’ críticas à política federal.

Para aqueles que defendem mudanças estruturais e uma real emancipação da população, não restam dúvidas quanto ao afastamento de Lula das causas populares e da reforma agrária. E o fato é que, nesse afastamento, acaba por se reforçar o ataque perverso, vindo de tantos outros fronts, a que estão sujeitas as causas sociais. Um dos mais perversos tem sido as novas ‘construções intelectuais’ sobre a viabilidade histórica e a efetividade da reforma agrária na atual conjuntura, bem como sobre a oportunidade de um movimento como o MST.

Tecidas agora no contexto de um governo originalmente mais próximo das causas populares, tais ‘construções intelectuais’ são elaboradas paralelamente às criminalizações diretas do movimento, e são particularmente visíveis em momentos em que os sem terra intensificam suas ações. Logo após o tradicional abril vermelho de 2007, por exemplo, dentre as noções ventiladas com maior peso, chegou-se mesmo a negar à reforma agrária qualquer sentido atual. Algumas circunstâncias seriam decisivas para esta noção: a conclusão da urbanização, tornando desnecessária a reforma agrária como propulsora do mercado interno; a diversificação do mundo rural, incrementando a oferta de alimentos de forma a suprir a demanda; e a difusão da informação, tornando inócua a justificativa política quanto à democratização no campo.

O geógrafo aposentado da USP Ariovaldo Umbelino, nesse mesmo ano entrevistado pelo Correio, chamava atenção para o quão parcial e manipulado é o uso das estatísticas, a fim de se chegar a tais conclusões. Sobre a questão da urbanização, "utiliza-se sistematicamente o indicador do percentual de população rural em relação à população urbana. E é claro que este vem caindo. Mas ninguém olha qual é o dado da população rural total, número que não caiu como estão dizendo", ressalta Umbelino. Quanto à oferta de alimentos, o geógrafo fez uma indagação básica: "Se estivesse resolvida a questão da oferta de alimentos, por que precisaríamos importar arroz, importar feijão?".

O MST, a Cutrale e os novos discursos ‘acadêmicos’

Em vista dos últimos acontecimentos envolvendo o MST e a Cutrale, artigo na Folha de S. Paulo de 14 de outubro, do sociólogo Zander Navarro, vem novamente trazendo uma bateria de argumentos questionadores da reforma agrária. Começa-se por questionar a repercussão do Censo Agropecuário 2006, que teria sido ‘monótona’, na medida em que ressaltou à exaustão as desigualdades na distribuição da terra. Teria sido, além disso, ingênua ao situar a agricultura familiar como um agrupamento oposto a um ‘indefinido’ agronegócio.

O Censo Agropecuário divulgado recentemente pelo IBGE, abrangendo o período de 1995 a 2006, revela evidentes distorções na distribuição da propriedade e da produção no Brasil. Aqueles que possuem propriedades inferiores a 10 hectares tiveram áreas reduzidas de 9,9 milhões para 7,7 milhões de hectares, representando apenas 2,7% de todas as propriedades agrícolas do país. Por outro lado, 31.889 fazendeiros, possuidores de propriedades com extensões acima de mil hectares, respondem pela titularidade de 98 milhões de hectares. Quanto à concentração da produção, a agricultura familiar, responsável por mais de 80% dos alimentos que chegam às nossas mesas, produziu 50 dos R$ 141 bilhões do Valor Bruto da Produção Agrícola de 2006. E recebeu apenas R$ 6 bilhões de crédito.

Para o sociólogo supracitado, esses seriam, no entanto, dados que teriam gerado uma repercussão meramente ‘impressionista’ e nenhuma análise. Questões em sua visão essenciais foram negligenciadas: a expansão dos estabelecimentos com eletricidade, o crescimento da soja e a forte redução do pessoal ocupado. O termo agricultura familiar não conformaria, ademais, um conceito, tratando-se de algo meramente descritivo. Assim como seriam ‘fantasmagóricas’ e ‘míopes’ as denúncias sobre a existência de latifúndios improdutivos, vez que as reais causas das desigualdades sociais não mais seria a propriedade rural, mas, sobretudo, processos urbanos.

Não é de surpreender que, a partir dessas noções, o sociólogo ressalte os ‘enfáticos’ dados do Censo pelos quais 55% do total de estabelecimentos respondem por 81 % do valor da produção, o que sinalizaria um ‘princípio férreo de produtividade’. Pensar a partir de dados tão agregados é, realmente, a maneira mais adequada para respaldar a sua visão sobre a agricultura. Um modo no mínimo parcial de enxergar a realidade. E talvez bem mais ‘impressionista’ do que aquele que faz opção por visualizar os dados relativos à superioridade da agricultura familiar no valor total da produção.

A negação da questão agrária

Em entrevista à Revista Fórum em 15 de outubro, o ex-deputado constituinte e diretor desse Correio, Plínio de Arruda Sampaio, ressaltou que "estamos em meio a uma ofensiva fortíssima da direita e da mídia da direita. O motivo que eu vejo é que tem já um palanque para 2010. E isso reflete um pouco das contradições internas no seio da burguesia agrária, que está sendo esmagada pelo grande agronegócio. Ela está ficando meio ensanduichada entre a pequena agricultura e o grande capital, avassalador. Esse setor, que é de grandes proprietários, não quer ouvir falar em mudança da propriedade ou em qualquer coisa que possa desapropriar".

Não é preciso, portanto, ir muito mais adiante para entender o que está por trás dos ataques da mídia contra o MST e dos novos e cuidadosos discursos que vêm sendo construídos. Afinal, cada um olha para o seu rebanho, e é para a defesa dos poderosos capitalistas agrários que se voltam discursos acadêmicos tais como os citados ao longo desse texto. "O discurso contra a reforma agrária é feito para encobrir essa realidade cruel da estrutura fundiária brasileira, a serviço de interesses determinados e de grupos políticos específicos. Essa argumentação tem o propósito de encobrir ideologicamente todo esse quadro que envolve a apropriação privada da terra no Brasil", ressalta o geógrafo Ariovaldo Umbenlino.

Em artigo recém publicado neste Correio, o economista Guilherme Delgado, a partir de uma reveladora retomada histórica da questão agrária nacional, também comenta a negação dessa questão por parte do capital agrário. "Esse divórcio da política agrária relativamente aos fundamentos do direito agrário não é efeito sem causa. Reflete uma estratégia privada dos grandes proprietários fundiários, associados ao grande capital e ao Estado, produzindo e reproduzindo no Brasil a chamada ‘modernização conservadora’ da agricultura, no âmbito da qual se nega peremptoriamente a existência de uma questão agrária nacional".

Olho vivo

Está na mesa do presidente a proposta de atualização dos índices de produtividade da terra, defasados desde 1975, corroborando com a estrutura agrária nefasta, em benefício do grande capital fundiário. Ao mesmo tempo, e não coincidentemente, crescem no Congresso as movimentações em torno da instalação de mais uma CPI do MST. Olho vivo no que vem por aí.

24 de out. de 2009

Manifesto em defesa do MST

Contra a violência do agronegócio e a criminalização das lutas sociais

As grandes redes de televisão repetiram à exaustão, há algumas semanas, imagens da ocupação realizada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em terras que seriam de propriedade do Sucocítrico Cutrale, no interior de São Paulo. A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja como ato de vandalismo.

Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça. Trata-se de uma grande área chamada Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares. Desses 30 mil hectares, 10 mil são terras públicas reconhecidas oficialmente como devolutas e 15 mil são terras improdutivas. Ao mesmo tempo, não há nenhuma prova de que a suposta destruição de máquinas e equipamentos tenha sido obra dos sem-terra.

Na ótica dos setores dominantes, pés de laranja arrancados em protesto representam uma imagem mais chocante do que as famílias que vivem em acampamentos precários desejando produzir alimentos.

Bloquear a reforma agrária

Há um objetivo preciso nisso tudo: impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola - cuja versão em vigor tem como base o censo agropecuário de 1975 - e viabilizar uma CPI sobre o MST. Com tal postura, o foco do debate agrário é deslocado dos responsáveis pela desigualdade e concentração para criminalizar os que lutam pelo direito do povo. A revisão dos índices evidenciaria que, apesar de todo o avanço técnico, boa parte das grandes propriedades não é tão produtiva quanto seus donos alegam e estaria, assim, disponível para a reforma agrária.

Para mascarar tal fato, está em curso um grande operativo político das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST. Deste modo, prepara-se o terreno para mais uma ofensiva contra os direitos sociais da maioria da população brasileira.

O pesado operativo midiático-empresarial visa isolar e criminalizar o movimento social e enfraquecer suas bases de apoio. Sem resistências, as corporações agrícolas tentam bloquear, ainda mais severamente, a reforma agrária e impor um modelo agroexportador predatório em termos sociais e ambientais, como única alternativa para a agropecuária brasileira.

Concentração fundiária

A concentração fundiária no Brasil aumentou nos últimos dez anos, conforme o Censo Agrário do IBGE. A área ocupada pelos estabelecimentos rurais maiores do que mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%. As pequenas propriedades estão definhando enquanto crescem as fronteiras agrícolas do agronegócio.

Conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2009) os conflitos agrários do primeiro semestre deste ano seguem marcando uma situação de extrema violência contra os trabalhadores rurais. Entre janeiro e julho de 2009 foram registrados 366 conflitos, que afetaram diretamente 193.174 pessoas, ocorrendo um assassinato a cada 30 conflitos no 1º semestre de 2009. Ao todo, foram 12 assassinatos, 44 tentativas de homicídio, 22 ameaças de morte e 6 pessoas torturadas no primeiro semestre deste ano.

Não violência

A estratégia de luta do MST sempre se caracterizou pela não violência, ainda que em um ambiente de extrema agressividade por parte dos agentes do Estado e das milícias e jagunços a serviço das corporações e do latifúndio. As ocupações objetivam pressionar os governos a realizar a reforma agrária.

É preciso uma agricultura socialmente justa, ecológica, capaz de assegurar a soberania alimentar e baseada na livre cooperação de pequenos agricultores. Isso só será conquistado com movimentos sociais fortes, apoiados pela maioria da população brasileira.

Contra a criminalização das lutas sociais

Convocamos todos os movimentos e setores comprometidos com as lutas a se engajarem em um amplo movimento contra a criminalização das lutas sociais, realizando atos e manifestações políticas que demarquem o repúdio à criminalização do MST e de todas as lutas no Brasil.

Assinam esse documento:

Eduardo Galeano - Uruguai
István Mészáros - Inglaterra
Ana Esther Ceceña - México
Boaventura de Souza Santos - Portugal
Daniel Bensaid - França
Isabel Monal - Cuba
Michael Lowy - França
Claudia Korol - Argentina
Carlos Juliá - Argentina
Miguel Urbano Rodrigues - Portugal
Carlos Aguilar - Costa Rica
Ricardo Gimenez - Chile
Pedro Franco - República Dominicana
Brasil:
Antonio Candido
Ana Clara Ribeiro
Anita Leocadia Prestes
Andressa Caldas
André Vianna Dantas
André Campos Búrigo
Augusto César
Carlos Nelson Coutinho
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Carlos Alberto Duarte
Carlos A. Barão
Cátia Guimarães
Cecília Rebouças Coimbra
Ciro Correia
Chico Alencar
Claudia Trindade
Claudia Santiago
Chico de Oliveira
Demian Bezerra de Melo
Emir Sader
Elias Santos
Eurelino Coelho
Eleuterio Prado
Fernando Vieira Velloso
Gaudêncio Frigotto
Gilberto Maringoni
Gilcilene Barão
Irene Seigle
Ivana Jinkings
Ivan Pinheiro
José Paulo Netto
Leandro Konder
Luis Fernando Veríssimo
Luiz Bassegio
Luis Acosta
Lucia Maria Wanderley Neves
Marcelo Badaró Mattos
Marcelo Freixo
Marilda Iamamoto
Mariléa Venancio Porfirio
Mauro Luis Iasi
Maurício Vieira Martins
Otília Fiori Arantes
Paulo Arantes
Paulo Nakatani
Plínio de Arruda Sampaio
Plínio de Arruda Sampaio Filho
Renake Neves
Reinaldo A. Carcanholo
Ricardo Antunes
Ricardo Gilberto Lyrio Teixeira
Roberto Leher
Sara Granemann
Sandra Carvalho
Sergio Romagnolo
Sheila Jacob
Virgínia Fontes
Vito Giannotti
Enoisa Veras

22 de out. de 2009

Entre laranjeiras derrubadas e terras roubadas

Artigo de Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin. Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.
Fonte: UNISINOS

A revista Veja, o grupo Globo e suas filiadas, aí incluída a RBS, a Band e outros poderosos meios de comunicação, estão fazendo da derrubada de laranjeiras, na Fazenda Cutrale, em São Paulo, mais uma das suas conhecidas tentativas de deslegitimação da luta que o MST empreende em favor da erradicação da pobreza, da dignidade humana da população pobre do país, do direito humano fundamental à alimentação e da reforma agrária (arts. 1º, 3º, 6º, 7º inc. IV, 184 e seguintes da Constituição Federal).Comparando os seus editoriais e os espaços que os seus meios oferecem aos defensores do latifúndio com o que, realmente, se encontra em causa, há anos, na tal fazenda, a conclusão não pode ser outra: os fatos efetivamente ocorridos têm sido sacrificados.

No Jornal do Brasil do dia 16 deste mês, por exemplo, o Dr. Dalmo Dallari chama a atenção para esse tipo de tendenciosa manipulação de notícias, quando os fatos envolvem trabalhadoras/es rurais pobres. Em artigo sob o título Terras Publicas invadidas, diz aquele histórico defensor dos direitos humanos: “Embora apresentando imagem absolutamente negativa do Movimento dos Sem Terra, ao fazer a localização e caracterização dessas violências, a imprensa acaba por divulgar informações que deixam evidente o tratamento diferenciado dado por governos e autoridades segundo a categoria social dos invasores de terras. (...) Relativamente à área agora objeto do novo conflito, informou o Instituto Nacional da Reforma Agrária que, além de outras áreas públicas invadidas, ali se localiza uma grande área, denominada Grupo Colonial Monção, que o governo da União comprou em 1909 com o objetivo de promover a colonização, o que acabou não sendo feito, permanecendo as terras desocupadas até que foram invadidas por fazendeiros ricos. Já existe um grande número de ações judiciais buscando a recuperação das áreas pelo verdadeiro dono, que é o patrimônio da União, mas, assim como ocorre em vários outros estados brasileiros, os invasores conseguem retardar as decisões e assim vão permanecendo nas terras e tirando proveito delas, impedindo que sejam distribuídas a famílias de trabalhadores rurais pobres, segundo o critério previsto na Constituição.”

No dia 14 do mesmo mês, no mesmo jornal, Mauro Santayana já criticara a proposta de instalação de CPI contra o MST, comparando os motivos que, alegadamente, a justificariam, com as “terras roubadas” (expressão dele próprio) por quantos se empenham em criminalizar os movimentos sociais, exatamente para ocultar os fatos que o IBGE vem divulgando: “O censo de 2006, citado pelo MST, revela que 15 mil proprietários detêm 98 milhões de hectares, e 1% deles controla 46% das terras cultiváveis. Muitas dessas terras foram griladas. Temos um caso atualíssimo, o do Pontal do Paranapanema, onde terras da União estão ocupadas ilegalmente por uma das maiores empresas cultivadoras de cítricos do Brasil. O Incra está em luta, na Justiça, para recuperar a sua posse. O que ocorre ali, ocorre em todo o país, com a cumplicidade, remunerada pelo suborno, de tabeliães e de políticos.”

Na Folha de São Paulo do dia 19, atento à indignação que duas amigas se diziam possuídas, sobre o ocorrido na Cutrale, Bresser-Pereira denunciou, com ironia, a desproporção existente entre essa reação e a que seria de se esperar, se a ilegalidade de sua posse e uso fossem considerados: “Não deixa de ser surpreendente indignação tão grande contra ofensa tão pequena se a compararmos, por exemplo, com o pagamento, pelo Estado brasileiro, de bilhões de reais em juros calculados segundo taxas injustificáveis ou com a formação de cartéis para ganhar concorrências públicas ou com remunerações a funcionários públicos que nada têm a ver com o valor de seu trabalho. Por que não nos indignarmos com o fenômeno mais amplo da captura ou privatização do patrimônio público que ocorre todos os dias no país? Uma resposta a essa pergunta seria a de que os espíritos conservadores estão preocupados em resguardar seu valor maior – o princípio da ordem – que estaria sendo ameaçado pelo desrespeito à propriedade.”

Acusações unilaterais, pois, que a mídia interessada em criminalizar os movimentos sociais tem veiculado, com a frequência de libelos repetidos e requentados à exaustão, já comprovaram que ela tenta passar por fato o que é opinião intencional sua. Manda a verdade que a “enganação” de que se acusa o MST, como ocorreu em artigo de um advogado publicado na ZH da semana passada, tenha o mínimo decoro de confessar que, iludida e enganada - aí a verdade não depende de ideologia como lá se afirma - tem sido essa multidão de pobres que acampa à beira de latifúndios, por força dos preconceitos os mais grosseiros lá expressos. A disposição desse Movimento de lutar por terra, à custa inclusive de vidas das/os suas/seus integrantes, como ocorreu recentemente em São Gabriel, deve-se ao crime desse tipo de exploração imobiliária, excludente, predatório e imoral, que, para se legitimar como bom e justo, precisa até dessa ignóbil acusação de o MST usar crianças como escudo, como se a pobreza de seus pais permitisse que elas ficassem sob a guarda de babás, enquanto eles estivessem ocupados em garantir um futuro de dignidade que lhes é negada, exatamente por aquele modelo de exploração de terra. Crianças, diga-se de passagem, com escolas itinerantes mantidas por seus pais - de excelência pedagógica reconhecida – cujos direitos à educação foram ilegal, injusta e inconstitucionalmente descredenciadas, por um convênio celebrado à revelia de seus progenitores, entre o Ministério Público do Estado e a Secretaria de Educação do Estado. Como aqui se tem dito e repetido, o propósito de dissolver o MST, embora revogado em atas posteriores do Conselho Superior do Ministério Público, não só está em plena execução, como conta com a divulgação de todo o tipo de preconceito, mentira, tendenciosa e manipuladora forma de distorção, capaz de ocultar, entre outras crueldades, as injustiças sociais que o Censo do IBGE comprovou em números.

As laranjeiras da Cutrale são mais importantes do que as/os agricultores sem-terra e os famintos do país, de acordo com esse modo de pensar. Criminosos, assim, não são o MST e seus integrantes. Criminosa é essa conjuntura agrária atual mantida e defendida por opiniões como as que a mídia mais sujeita ao monopólio, tem interesse econômico de apoiar.

Sua tentativa de colonizar o pensamento e a ação do povo se disfarça enfatizando juízos de valor depreciativos contra a população pobre e trabalhadora, embrulhados em leis cuja interpretação ela também manipula, iludindo e enganando os ingênuos que pensam a casa e a comida como efeitos imediatos de aplicação delas.

Quem possui um mínimo de consciência crítica - coisa que o MST busca formar em todas/os as pessoas que o compõem - não vai atrás dessa desonestidade. Por mais caro que pague por isso, a derrubada das laranjas da Cutrale, como de outras acusações que lhe são feitas, continuará mostrando que ela não é causa, e sim efeito da progressiva concentração da propriedade privada da terra, do descumprimento da função social que esse bem exige, por sua própria natureza, ser cobrada dos seus proprietários, da distância com que o poder econômico e o poder público do país mantêm seus integrantes dos direitos humanos fundamentais que lhe são próprios, do descumprimento da Constituição Federal no que concerne à reforma agrária, do desprezo com que a grande mídia o trata e da responsabilidade que os latifundiários brasileiros têm em tudo isso.

Se esses deixarem de usar os seus “laranjas” para roubar terras, as laranjeiras não serão mais derrubadas, e os seus frutos, como convém a um povo fraterno e solidário, saboreado por toda a nação, e não somente transformado em suco para ser consumido no exterior.

20 de out. de 2009

Os desejos ocultos dos donos da terra

Gilson Caroni Filho é colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.
Fonte: Carta Maior

A nova operação da direita para viabilizar a instalação de uma CPI para investigar supostos repasses de recursos públicos a entidades vinculadas ao Movimento dos Sem Terra (MST) nada mais é que um embuste com objetivos nítidos: a criminalização dos movimentos sociais e, com um claro viés eleitoreiro, o desgaste do governo visando ao processo eleitoral de 2010.

O eixo central da ação da senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), ex-presidente da UDR, é retroceder o processo democrático a níveis anteriores ao do governo petista. Com apoio da grande imprensa, o que se pretende é o estabelecimento de uma agenda que aceite a imposição dos que gritam mais forte e que por mais de 500 anos mandaram no país.

Um projeto de poder que abandone o país moderno, dos segmentos novos da cidade, do operariado urbano e rural, dos pequenos e médios proprietários das classes médias, dos empresários modernos e progressistas para abraçar uma opção pelo passado. No que ele tem de mais retrógado, no que ele garante a preservação de práticas clientelistas e oligárquicas.

A pesquisa do Ibope, encomendada pela CNA, “que constata a favelização dos assentamentos rurais do INCRA" não vai de encontro apenas aos dados do Censo Agropecuário de 2006 que demonstram que a agricultura familiar é mais produtiva do que a tradicional e em grande escala. Vai além. Vai contra todas as classes e frações que sabem que sua sobrevivência depende de um país igualitário, solidário, a ser construído por uma intervenção decidida na questão da terra. Uma estrutura social equânime é o inferno de Caiado e Kátia Abreu. Para eles, o paraíso é o Estado Patrimonial que, como no tempo do Império, funcione como repassador de terras e do dinheiro do setor público para o privado. É com essa restauração que sonham diariamente.

Sob os holofotes da CPI o que se quer manter é a luta contra a Reforma Agrária por parte de pecuaristas e dos que ganham com monoculturas extensas. Nos casos de desapropriações já decididas, apela-se, como sempre, para os amigos cartoriais, transferindo gado de uma fazenda para outra enquanto se pede revisão dos processos.

O "aggiornamento" da imprensa é peça fundamental dessa estratégia. Há mais de duas décadas, durante a eleição de Caiado para a presidência da UDR, o então vice-presidente da entidade, Altair Veloso, garantia que “os jornalistas da imprensa escrita são todos vermelhos. Os da televisão são todos homossexuais".

Hoje prevalece a afinidade de classe, e os "vermelhos" carregam nas tintas contra movimentos organizados, enquanto os "homossexuais" divulgam, no horário nobre de uma emissora paulista, "editoriais" contra Lula e o MST. O amadurecimento de pessoas e instituições é surpreendente. Revela pulsões que nunca ousaram dizer o nome.

Em entrevista para a Agência Ibase, o líder sindical José Francisco da Silva, ex-presidente da Contag, disse que “houve avanços com o governo Lula, justiça seja feita. Fernando Henrique investiu R$ 2,3 bilhões no Pronaf. Lula já alcançou R$ 13 bilhões no decorrer de seis anos. Foi um bom investimento, mas é bom que se diga que o agronegócio recebe quase R$ 70 bilhões do governo e é a agricultura familiar que abastece o país, que gera empregos." É uma distorção a ser corrigida.

Para Kátia e Caiado a correção aponta para outra direção: a da redução dramática da população rural, da formação de um contingente de semicidadãos entregues à própria sorte. Para eles, essa é a democracia possível. O padrão estético é coerente com a história dos antigos donos do poder.

Eldorado de Carajás é uma imagem a ser esquecida. Pés de laranja arrancados, um crime imperdoável.



19 de out. de 2009

Que medo!!

Editorial do Correio da Cidadania
Terríveis ameaças pesam sobre o MST. Irados senadores e senadoras, indignados com a destruição de alguns mil pés de laranja da Fazenda Santo Henrique, da empresa Cutrale, ameaçam instalar uma CPI para apurar a transferência de recursos do orçamento da União para entidades civis ligadas ao Movimento.

Esta nova investida – já houve três ou quatro, todas frustradas – não passa de "fogo de encontro". O pavor desses senadores e senadoras, que conformam a bancada ruralista no Congresso brasileiro, é o anúncio de que o governo, após seis anos de atraso, pretende atualizar os índices de produtividade que servem de critério para definir uma propriedade rural como produtiva (não suscetível de desapropriação) ou improdutiva (passível de desapropriação para fins de reforma agrária).

Atribuem, esses senadores e senadoras, a tardia decisão do governo a uma pressão do MST. Nada disso. A razão real é que a atualização periódica dos índices constitui obrigação legal estabelecida na Lei Agrária, e o Ministério Público Federal já notificou os ministros do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura que o descumprimento da lei pode causar-lhes responsabilidade criminal. A base estatística dos índices atualmente vigentes está atrasada 32 anos!

O Correio da Cidadania é favorável à instalação da CPI, com apenas uma condição. Que a investigação inclua o fato substantivo (causador da manifestação na Fazenda da Cutrale): a estranha transferência de um imóvel da União para um particular. Se, como se sabe, não cabe usucapião nessa categoria de imóveis rurais, como é que imóveis adquiridos (vejam bem! Adquiridos) pela União, e adjudicados ao seu patrimônio em pagamento de dívidas, foram parar nas mãos de particulares?

Não é nada difícil, havendo vontade, elucidar cabalmente essa questão. Basta convocar desembargadores, juízes, promotores, serventuários dos cartórios de Iaras e dos municípios vizinhos, ex-secretários de Estado, parlamentares, ex-diretores dos órgãos de proteção do patrimônio da União, para que tudo venha a público.

Perguntas, por exemplo, do tipo: "Por que motivo a Justiça Federal levou seis anos para decidir sobre a alegação de incompetência do Juiz Federal de Ourinhos, no processo que o Incra move contra a Cutrale para reaver o imóvel da União (a decisão foi pela competência do juiz de Ourinhos, diga-se de passagem)?".

Perguntas destas podem revelar claramente porque depois de anos de espera alguns sem terra perderam a paciência. Mas isto é o adjetivo. O que diz o Senado Federal a respeito do substantivo?

MST vai “às ruas” para garantir novos índices

Mentor e principal dirigente do MST, o economista João Pedro Stédile reconhece que a destruição do laranjal, em uma fazenda no interior de São Paulo, “foi negativa” para o movimento e demonstra estar consciente de que a CPI que investigará os repasses de dinheiro público para a organização deve ser instalada, mas avisa que os sem-terra estão atentos e reagirão caso o governo se dobre à pressão dos ruralistas e não mexa na estrutura da propriedade da terra no Brasil. A entrevista é de Vasconcelo Quadros e publicada pelo Jornal do Brasil, 18-10-2009.
Fonte: UNISINOS

O governo deve tomar uma decisão em breve sobre os novos índices de produtividade para as grandes propriedades rurais. Que impacto a mudança pode provocar na estrutura fundiária?

O impacto é pequeno. Mesmo assim, os latifundiários, o agronegócio e a mídia conservadora não admitem que se cumpra a Lei agrária, que determina a atualização regular dos índices de produtividade. Os dados utilizados atualmente são de 1975. Por que eles têm tanto medo? Fora isso, não basta apenas atualização dos índices para fazer a Reforma Agrária. É preciso mudar o modelo agrícola e cumprir a Constituição, que determina que sejam desapropriadas as grandes áreas que não tem função social e não cumprem a lei trabalhista, agridam o ambiente e estejam abaixo da média da produtividade. O censo do IBGE concluiu que temos menos de 15 mil latifundiários com áreas maiores de 2.500 hectares, com um total de 98 milhões de hectares. É muita terra nas mãos de pouca gente, que nem mora no campo.

O MST está confiante numa decisão favorável à revisão dos índices, ou há o receio de que o governo recue do compromisso assumido? Como o senhor imagina que o governo vai administrar a resistência do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes?

Quando o governo fez o anúncio da atualização dos índices, já sabia da reação dos setores conservadores e da posição do ministro do agronegócio. Não é uma surpresa. Quem ganhou a eleição foi o Lula, não o ministro. Não acreditamos que o governo volte atrás. A mudança dos índices é uma reivindicação dos camponeses e dos setores progressistas da sociedade. Somente com a força do apoio popular ao governo Lula poderão ser modificados. E estamos atentos e vamos voltar às ruas para denunciar a ofensiva do latifúndio e garantir a atualização dos índices.

De que maneira o fato do governo oscilar politicamente entre o agronegócio e a agricultura familiar afeta as ações do MST? E como o senhor resumiria a visão que o MST tem hoje do que foram esses sete anos de governo Lula? Qual é o aspecto mais positivo e qual o mais negativo?

Infelizmente, o governo não fez a Reforma Agrária e perdemos mais uma oportunidade histórica. O censo agropecuário demonstra que aumentou a concentração de terras no Brasil, que é líder nesse vergonhoso ranking mundial. Temos famílias acampadas há seis anos. O governo é de composição de interesses, sob hegemonia dos bancos, das transnacionais e do agronegócio. A agricultura familiar e camponesa é mais eficiente, produz alimentos em menor área, gera mais empregos, embora receba menos recursos do que o agronegócio.

A repercussão da destruição de parte do laranjal na área ocupada pela Cutrale e a conjuntura podem impor alguma mudança de tática do MST? O movimento repetiria as ações no local?

A repercussão foi negativa. Foi uma manipulação midiática e ideológica, a partir de uma atitude desesperada das famílias acampadas. Viver em um acampamento por anos e anos leva a uma situação limite. Há muitos vandalismos que o agronegócio e o latifúndio cometem que são consentidos pela mídia. Não podemos aceitar o vandalismo do agronegócio de usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o ambiente, envenenam as águas e os alimentos. Depois de diversas ocupações na fazenda da Cutrale, conseguimos denunciar que a maior empresa do setor de suco de laranja do mundo usa um artifício arcaico da grilagem de terras. Por conta do monopólio da Cutrale no comércio de suco e da imposição dos preços, agricultores que plantam laranjas foram obrigados a destruir entre 1996 a 2006 cerca de 280 mil hectares de laranjais.

A ação contribuiu para aumentar o apoio de parlamentares à CPI do MST? Como o movimento reagirá à sua possível instalação? O senhor teria algum problema para comparecer ao Congresso e prestar esclarecimentos?

Essa CPI é contra o MST. A Rede Globo forjou um escândalo contra a Reforma Agrária. As imagens foram utilizadas pela direita, pela bancada ruralista e pela mídia para desgastar o MST e forçar uma CPI que já tinha sido derrotada. Já foram criadas as CPI da Terra e das Ongs contra o nosso movimento, com investigações exaustivas sobre os temas requentados atualmente. Podemos prestar todo e qualquer esclarecimento. Já existem instituições que fazem o controle dos convênios do governo com entidades da Reforma Agrária, como o CGU, TCU e o MP. Esses parlamentares não confiam nesses órgãos? O tanto de CPI instaladas no último período levaram esse instrumento importante a uma banalização. A CPI contra o MST, por exemplo, tem motivação eleitoral. O demo Ronaldo Caiado, que é fundador da UDR, confessou que o verdadeiro objetivo da CPI é comprovar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma. Essa afirmação é no mínimo ridícula para qualquer sujeito bem informado, se não viesse de uma mente improdutiva e reacionária como todo latifúndio.

Qual a relação que o MST mantém com as ONGs que receberam verbas do governo e são apontadas como entidades de fachada do movimento?

As entidades da Reforma Agrária atuam em assentamentos do MST e de outros movimentos sociais e sindicais, prestam serviços nas áreas de produção agrícola, assistência técnica e educação. Contratam professores e agrônomos para atuar nos assentamentos. Fazem o papel que deveria ser do Estado. O Estado foi dilapidado pelo governo FHC, que inventou essa história de convênios com Ongs. Nós sempre defendemos que o Estado retome os serviços de natureza pública, tanto nos assentamentos como em todo país. Nunca utilizamos dinheiro público para fazer ocupação de terra. Os inimigos da reforma agrária atacam essas entidades porque querem que os assentamentos dêem errado. Se estão preocupados com o dinheiro público, por que não fazem investigações sobre os recursos destinados aos empresários do sistema S, do SENAR e SESCOOP? E essas feiras de agroexposição para fazer propaganda e tantos outros utilizados sempre em beneficio do latifúndio e dos ricos? Você tem idéia de quanto o Tesouro Nacional paga por ano das diferenças de juros das renegociações de dívidas dos ruralistas? São mais de 2 bilhões de reais!

Como o senhor avalia a reação de autoridades do governo, especialmente do presidente Lula condenando e classificando o ato de “vandalismo”? Surpreendeu a maneira veemente como figuras que trabalham pela reforma agrária dentro do governo, a exemplo do ministro Guilherme Cassel e do presidente do Incra, Rolf Hackbart, criticaram a ação?

Nós também condenamos vandalismo. O presidente Lula e os ministros não tinham conhecimento da versão das famílias acampadas e do ministro de Segurança Institucional general Félix. As famílias nos disseram que não roubaram nem depredaram nada. Da saída das famílias até a entrada da imprensa, o espaço da fazenda foi preparado para produzir imagens de impacto. A direita utilizou repetidamente por meio da mídia as imagens contra a Reforma Agrária. Não vimos nunca a imprensa denunciar a grilagem nem a super-exploração que a Cutrale impõe aos agricultores. O vandalismo da violência social nas grandes cidades provocadas pelo êxodo rural parece não escandalizar a mídia. Vocês do Rio não assistem os vandalismos provocados pelas forças de repressão em despejos de famílias sem teto. A polícia de São Paulo usou trator de esteira para destruir barracos em uma favela. Isso sim é vandalismo contra o povo brasileiro.

Que análise o senhor faz do censo agropecuário do IBGE?

É um retrato da realidade agrária brasileira, uma vez que os pesquisadores vão pessoalmente a todos os estabelecimentos agrários. Os dados demonstram o que já estávamos denunciando e sentindo no dia a dia: nos últimos dez anos, houve uma brutal concentração da propriedade da terra no Brasil. As propriedades acima de mil hectares controlam nada menos que 43% de todas as terras do país. Já as propriedades com menos de 10 hectares detêm apenas 2,7% das terras. Por outro lado, comprovou que a agricultura familiar e camponesa emprega 75% da mão-de-obra e produz 75% de todos os alimentos, embora receba menos financiamento público. Demonstrou que o agronegócio é um modelo para produzir commodities, às custas da concentração de terras, do êxodo rural, do aumento da pobreza e do envenenamento dos alimentos e da nossa natureza. É um escândalo!

E da pesquisa da CNA/Ibope sobre os assentamentos?

Foi uma pesquisinha de opinião em nove assentamentos, que não tem relevância nenhuma. É uma perda de tempo. Nos surpreende o Ibope e a imprensa gastar tempo com isso. Um estudo relevante e necessário faria a comparação da situação de uma área antes e depois da criação do assentamento, mesmo nesse quadro desfavorável para a pequena agricultura e para os assentamentos.

Qual é a realidade dos assentamentos rurais em geral, em especial daqueles que resultaram da luta organizada pelo MST? Qual a maior dificuldade enfrentada hoje pelas famílias assentadas?

Muitos assentamentos ainda enfrentam muitas dificuldades nas áreas de infra-estrutura pública e crédito para produção. No entanto, os assentados deixam de ser explorados, têm trabalho, comida e escola para os filhos. A maioria já tem uma casa própria melhor de quando eram sem-terra. A maior dificuldade é que os assentamentos sozinhos não se viabilizam, sem que haja uma prioridade para um novo modelo agrícola. Precisamos de um programa para a implantação de agroindústrias, na forma de cooperativas, para que se agregue valor e os trabalhadores aumentem a renda e dêem emprego aos jovens. É preciso construir escolas e capacitar professores em todos os níveis, para os jovens não irem para a cidade. É necessário um programa para o desenvolvimento de técnicas agroecológicas, que permitem aumentar a produtividade sem usar veneno, produzindo assim alimentos sadios e baratos para a cidade.

Entre os "presidenciáveis", quem mais agrada ao MST e seus militantes? Mais especificamente, a ministra Dilma Rousseff pode contar com o apoio do movimento em 2010? E a conjuntura política pós-Lula pode forçar alguma mudança tática do movimento?

Sempre preservamos a nossa autonomia. Os nossos militantes participam das eleições como cidadãos brasileiros. Claro que sempre votam em candidatos que sejam a favor da reforma agrária e de mudanças sociais. Nossa vontade política é impedir a volta do neoliberalismo e discutir um projeto popular de desenvolvimento para o país, que faça mudanças estruturais para resolver os problemas do povo. Infelizmente, cada vez que chega o período eleitoral, a direita se assanha e passa usar todos expedientes para tentar impedir qualquer mudança.

17 de out. de 2009

O Incômodo Censo Agropecuário

Por Roberto Malvezzi, Gogó, agente pastoral da Comissão Pastoral da Terra
Fonte: ADITAL

O último censo agropecuário trouxe verdades incômodas, que atiçaram a ira do agronegócio brasileiro. Afinal, a pobre agricultura familiar, com apenas 24,3% (ou 80,25 milhões de hectares) da área agrícola, é responsável "por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo. A cultura com menor participação da agricultura familiar foi a soja (16%). O valor médio da produção anual da agricultura familiar foi de R$ 13,99 mil", segundo o IBGE. Quando se fala em agricultura orgânica, chega a 80%. Além do mais, provou que tem peso econômico, sendo responsável por 10% do PIB Nacional.

Acontece que a agricultura familiar, além de ter menos terras, tem menos recurso público como suporte de suas atividades. Recebeu cerca de 13 bilhões de reais em 2008 contra cerca de 100 bilhões do agronegócio. Portanto, essa pobre, marginal e odiada agricultura tem peso econômico, social e uma sustentabilidade muito maior que os grandes empreendimentos. Retire os 100 bilhões de suporte público do agronegócio e veremos qual é realmente sua sustentabilidade, inclusive econômica. Retire as unidades familiares produtivas dos frangos e suínos e vamos ver o que sobra das grandes empresas que se alicerçam em sua produção.

Mas, a agricultura familiar continua perdendo espaço. A concentração da terra aumentou e diminuiu o espaço dos pequenos. A tendência, como dizem os cientistas, parece apontar para o desaparecimento dessas atividades agrícolas.

Porém, saber produzir comida é uma arte. Exige presença contínua, proximidade com as culturas, cuidado de artesão. O grande negócio não tem o "saber fazer" dessa agricultura de pequenos. E, bom que se diga, não se constrói uma cultura de agricultura de um dia para o outro. A Venezuela, dominada secularmente por latifúndios, não é autossuficiente em nenhum produto da cesta básica. Exporta petróleo para comprar comida. Chávez, ao chegar ao poder, insiste em criar um campesinato. Mas está difícil, já que a tradição é fundamental para haver uma geração de agricultores produtores de alimentos.

O Brasil ainda tem - cada vez menos - agricultores que tem a arte de plantar e produzir comida. No Norte e Nordeste mais a tradição negra e indígena. No sul e sudeste mais a tradição européia de italianos, alemães, polacos, etc. É preciso ainda considerar a presença japonesa na produção de hortifrutigranjeiros nos cinturões das grandes cidades.

Preservar esses agricultores é preservar o "saber fazer" de produtos alimentares. Se um dia eles desaparecerem, o povo brasileiro na sua totalidade sofrerá com essa ausência. Para que eles se mantenham no campo são necessárias políticas que os apóiem ostensivamente, inclusive com subsídio, como faz a Europa.

Do contrário, se dependermos do agronegócio, vamos comer soja, chupar cana e beber etanol.

13 de out. de 2009

A lógica da ‘anti-reforma agrária’

A área ocupada pelos estabelecimentos rurais de mais de mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades de menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%. A gritante desigualdade consta do Censo Agropecuário 2006, divulgado, após mais de 10 anos da última edição, no dia 30 de setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Utilizando-se do índice de Gini, o estudo mostra a ferida aberta da concentração de terras no país e a falta de estímulo ao pequeno agricultor. O censo revela ainda a opção por um projeto primário-exportador em detrimento da realização da reforma agrária. A reportagem é de Eduardo Sales de Lima e publicada pela Agência Brasil de Fato, 09-10-2009.
Fonte: UNISINOS
O agravamento da concentração de terras nos últimos 10 anos é comprovado pelo índice de Gini da estrutura agrária. Quanto mais perto esse índice está de 1, maior a concentração. O censo do IBGE mostrou um índice de 0,872 para a estrutura agrária brasileira, superior aos índices apurados nos anos de 1985 (0,857) e 1995 (0,856).

“A conclusão política dessa constatação do IBGE é óbvia: a total inutilidade, em termos redistributivos, dos programas de reforma agrária aplicados no Brasil. Dá razão, assim, aos discursos dos movimentos sociais”, compreende Gerson Freitas, agrônomo e ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).

O que “particularmente” preocupa Freitas nos dados do censo é o processo de definhamento dos estabelecimentos menores que 10 hectares, “notadamente no Norte e no Nordeste”. “Chama a atenção que na região Norte esses estabelecimentos tenham perdido mais de um quarto do seu território (ou 125 mil hectares) de 1996, para 2006”, relata Freitas. De acordo com o agrônomo, em relação a 1980, a área acumulada pelo grupo de estabelecimentos em questão, naquela região, foi 38% menor. “Em 2006, a área acumulada por esses estabelecimentos correspondeu a 50% da área acumulada em 1980”, explica.

Em relação à região Nordeste, o agrônomo destaca que o território ocupado por essas pequenas propriedades em 2006, em relação a 1980, foi “erodido” em 707 mil hectares. “Sobre 1996, a perda de área foi de 325 mil hectares (-8%)”, informa.

Opção

"O grosso do financiamento público também se concentrou nas grandes propriedades de terra”, explica Freitas. Dos 5,2 milhões de propriedades existentes, somente 920 mil obtiveram financiamentos para produção. Dos que não foram beneficiados, 3,63 milhões (85,42%) são pequenas propriedades. As grandes captaram 43,6% dos recursos.

Para o agrônomo, esses e outros “fatos tidos como essenciais para a economia e a governabilidade continuarão a se opor às possibilidades de uma efetiva estratégia para reconfiguração mais simétrica da estrutura de posse e uso da terra no Brasil”.

Ele lembra que isso é reflexo do apoio direto do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no investimento para a criação de empresas nacionais globais, especialmente na área do agronegócio, a exemplo dos casos recentes da Sadia/Perdigão e da JBS/Bertin. Trata-se do esforço brasileiro empenhado-se em conquistar uma “posição de proeminência na inserção do país na globalização”. “Com isso, o agronegócio tende a se fortalecer ainda mais internamente; situação que não favorece qualquer otimismo com relação à reforma agrária”, reforça Freitas.

Contrariado com o excesso de apoio financeiro dado ao agronegócio, Osvaldo Russo, ex-presidente da Abra e do Incra, se utiliza do mesmo censo do IBGE para argumentar os benefícios concretos de uma reforma agrária para o Brasil. Ele lembra que, apesar de representar pouco mais de 30% do total das áreas, os pequenos estabelecimentos respondem por mais de 84% das pessoas empregadas.

Os dados também demostram que esses trabalhadores fazem parte da agricultura familiar, cujos 12,8 milhões de produtores representam 77% (ou 12.801.179) do total de pessoas ocupadas. O estudo ainda revela que a agricultura familiar é mais eficiente na utilização de suas terras, gerando um valor de produção de R$ 677 por hectare, enquanto que a não familiar gera um valor de R$ 358 por hectare.

Estudo aponta concentração de terras e desmatamento em assentamentos da reforma agrária

Um estudo de pesquisadores da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e da Universidade de Campinas (Unicamp) identificou uma relação entre assentamentos de Reforma Agrária na Amazônia com reconcentração fundiária e desmatamento. A reportagem e a entrevista é de Bruno Calixto, Thais Iervolino, Aldrey Riechel e publicada por Amazonia.org.br, 10-10-2009. O estudo, intitulado "Agrarian Structure and Land-cover Change Along the Lifespan of Three Colonization Areas in the Brazilian Amazon", analisou três projetos de assentamentos, nos municípios de Porto Acre (AC), Altamira (PA) e Santarém (PA). Segundo Thomas Ludewigs, um dos autores da pesquisa, a análise mostrou que existe uma relação com desmatamento nos três projetos. "Ocorre uma degradação enorme, um alto índice de desmatamento, uma privatização acelerada com uma concentração fundiária onde a sociedade não ganha nada com isso. Em termos de produção agrícola, nenhum dos assentamentos atende aos objetivos pelos quais foram criados". Para Thomas, a principal conclusão é a necessidade em se rever o modelo atual de reforma agrária. Um novo modelo deveria priorizar a qualidade da produção agrícola do assentamento e descentralizar a execução do processo que hoje está toda nas mãos do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os assentamentos também precisam respeitar as questões ambientais. "É um absurdo que os assentamentos ainda não sejam licenciados ambientalmente. Não se pode ter o Incra fazendo uma coisa e o Ministério do Meio Ambiente falando outra", afirma. O estudo pode ser adquirido na publicação científica World Development.
Fonte:UNISINOS

Você analisou três projetos de reforma agrária na Amazônia. Quais foram as principais conclusões?

Uma conclusão importante foi verificar que a rotatividade resulta em uma reconcentração fundiária. Existe uma relação com o desmatamento em todos os três projetos, e também um processo de urbanização muito forte, que poucas pessoas apontam na literatura. Nos três assentamentos ocorre uma forte urbanização.

Só que existem particularidades em cada projeto de assentamento que fazem com que os processos sejam diferenciados. Então, por exemplo, em Porto Acre e em Altamira a gente vê que o principal fator que elevam o preço da terra é a demanda por pasto, enquanto que em Santarém é a terra para a soja.

Em Santarém sempre houve um índice alto de desigualdade, desde quando o Incra regularizou o assentamento ali e trouxe mais colonos, porque já havia uma ocupação irregular. Já havia uma grande concentração de uso da terra quando o assentamento começou oficialmente e ela continuou aumentando. Hoje é o local com maior desigualdade no acesso à terra, comparado com Altamira e com Porto Acre. Em Altamira foi onde a reconcentração de terra se deu mais forte.

Mas a maior conclusão do projeto é a necessidade de se rever modelos da reforma agrária, em função de uma série de fatores, principalmente dificuldade de acesso aos mercados. Em todos os assentamentos a gente vê que a dificuldade do acesso ao mercado é o principal fator que leva à rotatividade de lotes, concentração.

Tanto que hoje, em Altamira e em Porto Acre, se vê grandes fazendeiros dentro do assentamento, o que na verdade não tem nada a ver com os objetivos da reforma agrária, que é dar uma oportunidade para aquelas famílias que não têm terra. Isso é uma realidade em Santarém também.

Ocorre uma degradação enorme, um alto índice de desmatamento, uma privatização acelerada com uma concentração fundiária e a sociedade não ganha nada com isso. Em termos de produção agrícola, nenhum dos assentamentos atende aos objetivos pelos quais foram criados. Em Porto Acre, o objetivo era criar um grande pólo de fornecimento de verduras e legumes para Rio Branco. No começo ele até produziu verduras, mas hoje produz gado mesmo.

O que é essa rotatividade? Isso está relacionado às pessoas, à terra?

Aos lotes. A gente sabe que existe uma lei do Incra que diz que quando o beneficiário da reforma agrária recebe o lote, ele não pode vender antes de receber o título. Este é dado após sete, oito, nove anos, depende de quando vier a maturidade do assentamento. Mas eles acabam vendendo mesmo assim, porque o Incra não faz a parte dele, que é oferecer condições para que o colono fique nos lotes.

Serviços públicos como educação e saúde são muito precários. O acesso à comercialização também é muito precário e, por conta disso, os colonos acabam vendendo suas terras a preço de banana. E os fiscais do Incra fazem vista grossa, porque eles sabem que o Incra não fez a parte dele e acabam se apiedando, tendo pena das pessoas que estão ali e que não tem outra solução a não ser ganhar um pouco de dinheiro em função dos investimentos que fizeram no lote.

Mais para frente muitos acabam vendendo o lote em função da valorização. Depois de dez ou doze anos começa a vir investimento em infraestrutura, asfalto. A partir de então o preço da terra aumenta e a pessoa tem uma tentação de vender o lote e seguir mais adiante na fronteira ou ir para a cidade.

A privatização desses lotes é permitida?

Oficialmente, não. A lei não permite. Eles fazem recibos informais na esperança que mais para frente eles consigam regularizar essas terras. Em alguns casos até se consegue regularizar os recibos informais de compra e venda em cartórios. Dependendo do assentamento e da unidade regional do Incra, existe uma maior ou menor pressão dos fiscais para controlar e coibir essa negociação irregular. Mas na prática todo mundo sabe que essa venda é bem aceita, que há um mercado intenso de compra e venda.

E esse mercado resulta em concentração.
Exato. Ele resulta na grande reconcentração de terras que compromete efetivação dos objetivos da reforma agrária.
Há, no artigo, alguns gráficos relacionando os lotes de assentamentos com desmatamento. O lote estimula a devastação?

Isso é, na verdade, uma teoria abordada pela primeira vez pelo João Santos Campari. A tese de doutorado dele se chama "Desafiando a hipótese turnover". Turnover seria justamente a rotatividade.

Ele aborda o fato de que a rotatividade sozinha seria responsável pela maior parte do desmatamento. O Incra assenta o pequeno produtor, este coloca o pasto, a casa. Quando chega a infraestrutura - a estrada, a eletricidade - o preço da terra aumenta. Ele então vende para o grande pecuarista, que compra os lotes em volta e se forma uma propriedade maior, uma fazenda e acaba acontecendo reconcentração.

Ente fazendeiro provoca a consolidação de grandes fazendas de pecuária, provocando o desmatamento de grandes áreas. Só que isso explica parte do processo, que é muito mais complexo.

Muitos assentados do Incra são bem sucedidos e vão comprando dos vizinhos. Eles mesmos se tornam os fazendeiros. Isso é bem comum. Existem assentados que, independente de estarem aumentando a sua propriedade ou não, aos poucos vão desmatando a região. Então essa hipótese de rotatividade como fator principal do desmatamento não se verifica.

No entanto, existe uma correlação. O fato de estar correlacionado não quer dizer que tenha um efeito de causalidade. A gente não está dizendo que a rotatividade causa o desmatamento, mas que existe uma alta correlação. Nas três áreas de estudo existe uma alta correlação entre tamanho da propriedade e taxa de desmatamento.

Dá pra supor que o que acontece nesses três assentamentos também ocorre em todos os outros? Podemos generalizar os resultados?

Esses três assentamentos são bastante representativos da região onde estão. Apenas no Acre a amostragem é um pouco menor. Então eu diria que tanto para Altamira quanto para Santarém os dados são bastante representativos.

No caso do Acre, fiz minha tese de doutorado lá. No tempo em que morei ali comparei os dados que estava obtendo com os dados de colegas dos assentamentos vizinhos e eu reparei que, por exemplo, no assentamento Pedro Peixoto, o segundo maior do Brasil, a reconcentração é muito maior do que no assentamento em que eu estava estudando. E também provavelmente vai ter uma alta correlação com o desmatamento.

Fazendo uma avaliação da bibliografia, o próprio Campari fez uma avaliação de reconcentração fundiária na área de colonização do Incra, e ele também chegou a esta conclusão. Ele estudou seis ou sete assentamentos no Mato Grosso e no Pará. Em todos os assentamentos houve altos índices de reconcentração.

Você falou que tem que haver uma mudança na estrutura agrária. Qual seria uma alternativa melhor?

Em primeiro lugar eu acho que tem que se dar ênfase para uma questão de coerência. Por exemplo, é um absurdo que os assentamentos ainda não sejam licenciados ambientalmente. Não se pode ter o Incra fazendo uma coisa e o Ministério do Meio Ambiente falando outra.

A gente precisa de um modelo que realmente priorize não apenas a quantidade, que tenha como critério indicador não a quantidade de família assentadas, mas a qualidade da produção agrícola do assentamento.

E para isso é necessário condições, políticas públicas que permitam que essas famílias permaneçam. Uma condição que eu gostaria de frisar é a proximidade de áreas urbanas e estradas. É mais importante estar perto do asfalto do que o tamanho do lote.

Às vezes vale muito mais a pena um projeto como os polos agroflorestais do governo do Acre. Em volta de Rio Branco tem um projeto de assentamento em que cada produtor receba apenas cinco, seis hectares, mas esta pertinho do mercado, contribuindo para abastecer esse mercado com produtos agrícolas.

Outra questão importante são os incentivos econômicos para a produção sustentável. Uma das sugestões é uma política de taxação do produto. O setor rural paga pouco imposto territorial, mas isso deveria ser revisto, de forma que grandes propriedades que tenham uma baixa lotação por hectare pagassem imposto maior, enquanto aquelas propriedades que tenham uso da terra mais amigável com o meio ambiente tivessem a taxação menor, ou praticamente nenhuma. Incentivos desse tipo também são bastante importantes.

Você gostaria de destacar algo?

Só mais uma coisa: é importante também a descentralização na execução do processo de reforma agrária, para não ficar tudo na mão do Incra. Essa é outra conclusão do artigo: está tudo concentrado no Incra. Há uma série de coisas a serem feitas e está claro que o Incra não dá conta sozinho.

A gente dá alguns exemplos no final do artigo dos sistemas de cooperação, chamada policentricidade, no qual o beneficiário atua com responsabilidade na gestão do projeto de assentamento. Ele deixa de ser apenas um receptor do benefício, passa a ter responsabilidade por manter uma parte daquilo que ele recebe. Por exemplo, forma uma comissão dos moradores para manter as estradas, para participar e ver como é o nível das qualidades das escolas. Isso é cidadania mesmo.
Obs: O estudo mostra a inexistência de políticas públicas voltadas para a questão agrária brasileira. Percebe-se facilmente que os governos anteriores e o atual nunca tiveram a preocupação de elaborar um projeto de desenvolvimento que atendesse as reais necessidades sociais em nosso país.
Enoisa

Nota de Esclarecimento do MST

Diante dos últimos episódios que envolvem o MST e vêm repercutindo na mídia, a direção nacional do MST vem a público se pronunciar.

1. A nossa luta é pela democratização da propriedade da terra, cada vez mais concentrada em nosso país. O resultado do Censo de 2006, divulgado na semana passada, revelou que o Brasil é o país com a maior concentração da propriedade da terra do mundo. Menos de 15 mil latifundiários detêm fazendas acima de 2,5 mil hectares e possuem 98 milhões de hectares. Cerca de 1% de todos os proprietários controla 46% das terras.

2. Há uma lei de Reforma Agrária para corrigir essa distorção histórica. No entanto, as leis a favor do povo somente funcionam com pressão popular. Fazemos pressão por meio da ocupação de latifúndios improdutivos e grandes propriedades, que não cumprem a função social, como determina a Constituição de 1988. A Constituição Federal estabelece que devem ser desapropriadas propriedades que estão abaixo da produtividade, não respeitam o ambiente, não respeitam os direitos trabalhistas e são usadas para contrabando ou cultivo de drogas.

3. Também ocupamos as fazendas que têm origem na grilagem de terras públicas, como acontece, por exemplo, no Pontal do Paranapanema e em Iaras (empresa Cutrale), no Pará (Banco Opportunity) e no sul da Bahia (Veracel/Stora Enso). São áreas que pertencem à União e estão indevidamente apropriadas por grandes empresas, enquanto se alega que há falta de terras para assentar trabalhadores rurais sem terras.

4. Os inimigos da Reforma Agrária querem transformar os episódios que aconteceram na fazenda grilada pela Cutrale para criminalizar o MST, os movimentos sociais, impedir a Reforma Agrária e proteger os interesses do agronegócio e dos que controlam a terra.

5. Somos contra a violência. Sabemos que a violência é a arma utilizada sempre pelos opressores para manter seus privilégios. E, principalmente, temos o maior respeito às famílias dos trabalhadores das grandes fazendas quando fazemos as ocupações. Os trabalhadores rurais são vítimas da violência. Nos últimos anos, já foram assassinados mais de 1,6 mil companheiros e companheiras, e apenas 80 assassinos e mandantes chegaram aos tribunais. São raros aqueles que tiveram alguma punição, reinando a impunidade, como no caso do Massacre de Eldorado de Carajás.

6. As famílias acampadas recorreram à ação na Cutrale como última alternativa para chamar a atenção da sociedade para o absurdo fato de que umas das maiores empresas da agricultura - que controla 30% de todo suco de laranja no mundo - se dedique a grilar terras. Já havíamos ocupado a área diversas vezes nos últimos 10 anos, e a população não tinha conhecimento desse crime cometido pela Cutrale.

7. Nós lamentamos muito quando acontecem desvios de conduta em ocupações, que não representam a linha do movimento. Em geral, eles têm acontecido por causa da infiltração dos inimigos da Reforma Agrária, seja dos latifundiários ou da policia.

8. Os companheiros e companheiras do MST de São Paulo reafirmam que não houve depredação nem furto por parte das famílias que ocuparam a fazenda da Cutrale. Quando as famílias saíram da fazenda, não havia ambiente de depredações, como foi apresentado na mídia. Representantes das famílias que fizeram a ocupação foram impedidos de acompanhar a entrada dos funcionários da fazenda e da PM, após a saída da área. O que aconteceu desde a saída das famílias e a entrada da imprensa na fazenda deve ser investigado.

9. Há uma clara articulação entre os latifundiários, setores conservadores do Poder Judiciário, serviços de inteligência, parlamentares ruralistas e setores reacionários da imprensa brasileira para atacar o MST e a Reforma Agrária. Não admitem o direito dos pobres se organizarem e lutarem. Em períodos eleitorais, essas articulações ganham mais força política, como parte das táticas da direita para impedir as ações do governo a favor da Reforma Agrária e "enquadrar" as candidaturas dentro dos seus interesses de classe.

10. O MST luta há mais de 25 anos pela implantação de uma Reforma Agrária popular e verdadeira. Obtivemos muitas vitórias: mais de 500 mil famílias de trabalhadores pobres do campo foram assentados. Estamos acostumados a enfrentar as manipulações dos latifundiários e de seus representantes na imprensa.

À sociedade, pedimos que não nos julgue pela versão apresentada pela mídia. No Brasil, há um histórico de ruptura com a verdade e com a ética pela grande mídia, para manipular os fatos, prejudicar os trabalhadores e suas lutas e defender os interesses dos poderosos.

Apesar de todas as dificuldades, de nossos erros e acertos e, principalmente, das artimanhas da burguesia, a sociedade brasileira sabe que sem a Reforma Agrária será impossível corrigir as injustiças sociais e as desigualdades no campo. De nossa parte, temos o compromisso de seguir organizando os pobres do campo e fazendo mobilizações e lutas pela realização dos direitos do povo à terra, educação e dignidade.

São Paulo, 9 de outubro de 2009

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

Incra de SP diz que fazenda da Cutrale está em área da União

O superintendente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em São Paulo, Raimundo Pires Silva, disse ontem que estão irregularmente em terras da União todos os proprietários e empresas com fazendas no antigo Núcleo de Colonização Monções. A reportagem é de Rodrigo Vizeu e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-10-2009.
Fonte: UNISINOS

A área, de 50 mil hectares, fica no centro-oeste do Estado, entre os municípios de Iaras, Borebi, Agudos, Lençóis Paulistas e Águas de Santa Bárbara.

Ali está a fazenda de 2.400 hectares da Cutrale invadida pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) na semana passada. Os sem-terra ficaram no local por dez dias, derrubaram pés de laranja e depredaram tratores, caminhões e imóveis da sede.

Segundo Silva, a região onde fica a fazenda foi comprada pela União em 1909 para instalar colonos. O projeto não vingou, e as áreas ficaram desocupadas, levando a um processo de ocupação irregular. O superintendente diz que o Incra, em 2003, foi condenado pela Justiça a implantar assentamentos no local. A partir daí foi feito um levantamento para identificar o histórico das terras. Os atuais ocupantes foram informados sobre a titularidade irregular.

"É um patrimônio público, pertence ao povo", disse Silva. Segundo ele, não foram verificados casos de falsificação de documentos e grilagem: as ocupações foram feitas de "boa-fé".(?)

O Incra afirma que tentou acordo com as empresas. A Lwarcel Celulose reconheceu que sua terra era da União, propôs ficar ali e, em troca, deu ao órgão uma área em outra região. As empresas que chegaram a acordos são as únicas regularizadas, juntamente com descendentes dos antigos colonos do núcleo, segundo o Incra.

Na Justiça, há 50 processos questionando a posse das terras - entre eles o da Cutrale. Uma decisão da Justiça Federal entendeu que o órgão não tinha direito de reclamar a terra da multinacional, mas ainda não julgou se a propriedade é mesmo pública. O Incra recorreu.

O diretor de relações institucionais da Cutrale, Carlos Otero, não quis polemizar: "Nosso foco agora é recuperar o que foi destruído." Ele descartou firmar um acordo com o Incra. Diz que a a Cutrale "é dona" da área e tem documentos. (?)

Ontem, a Polícia Civil de Borebi anunciou que mais quatro integrantes do MST que ocuparam a fazenda da Cutrale em Iaras (SP) foram identificados. Agora são 11 as pessoas do movimento reconhecidas.

Anteontem, o delegado Jader Biazon, responsável pelo inquérito sobre a ocupação, anunciou que indiciará e pedirá a prisão temporária de integrantes do MST, que atribuiu a depredação a uma "armação" da Cutrale.
Se a Justiça "ainda não julgou se a propriedade é pública", que documentos a Cutrale têm? Enoisa
A 'generosidade' da Cutrale
Da coluna de Mônica Bergamo, jornalista, publicada no jornal Folha de S. Paulo, 13-10-2009:

"A Cutrale, que teve a fazenda invadida pelo MST há alguns dias, é uma das grandes contribuintes de campanhas eleitorais. Em 2006, desembolsou R$ 1,93 milhão para meia centena de candidatos, de partidos como o PMDB (deu R$ 200 mil para a candidatura de Orestes Quércia ao governo de SP), o PT (deu R$ 50 mil a Antonio Palocci Filho e R$ 25 mil a Arlindo Chinaglia), e o PSDB (contribuiu com R$ 50 mil para a campanha de Paulo Renato Souza). Foram contemplados também PDT, PPS e PTB. A Cutrale também contribuiu com a campanha de Severino Cavalcanti (PP-PE). Deu R$ 20 mil ao pernambucano, que tentava voltar à Câmara dos Deputados depois de ter renunciado ao mandato, acusado de corrupção."

6 de out. de 2009

Duzentos mil deixam campo rumo à cidade a cada dia no mundo

Todo dia 200 mil pessoas deixam o campo e vão para as cidades. É como se um município do tamanho de São Carlos (SP) fosse criado diariamente no mundo. No fim do mês, o resultado desse movimento cria uma cidade do porte do Rio de Janeiro ou de Santiago, com 6 milhões de habitantes. Os dados são do relatório das Nações Unidas-Habitat, divulgado ontem, com o tema "Planejando Cidades Sustentáveis". A reportagem é de Mário César Carvalho e Fábio Grellet e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 06-10-2009.
Fonte: UNISINOS

A urbanização acelerada do século XXI gera desigualdade de renda, discriminação, poluição e desastres que pouco têm de naturais, segundo a seção da ONU voltada para a questão da moradia. "A urbanização modifica o ambiente e gera novas ameaças, como o desmatamento e instabilidade nas encostas, que resultam em deslizamentos e enchentes", diz o texto.

Desde 1975, o número de desastres naturais cresceu quatro vezes, segundo a ONU.

África e Ásia são as regiões mais afetadas pela urbanização acelerada, de acordo com o relatório, provocando um aumento da população favelada no mundo. Na África subsaariana, 62,2% dos moradores vivem em favelas. Em Serra Leoa, os que vivem em moradas informais compõem 97% da população do país.

Na Ásia, os números são mais contrastados. No Camboja, por exemplo, os favelados correspondem a mais de três quartos da população (78,9%). Já na Tailândia, eles somam cerca de um quarto da população (26%).

A América Latina segue em parte a variação asiática. Enquanto o Chile tem só 9% de população em habitações informais, na Jamaica os favelados são mais de 60%. O Brasil fica no meio do caminho: tem 29% da população vivendo em favelas, segundo os dados da ONU.

Para Alberto Paranhos, oficial principal do escritório regional da ONU para a América Latina e o Caribe, o relatório oferece aos administradores públicos um recado: "Ele diz: "Na hora de planejarem uma cidade, tratem de ver especificamente habitação, transporte e emprego, pois essas são as coisas que vão definir quem fica onde". Uma pessoa se muda de cidade geralmente por conta de trabalho e se instala na cidade em função da oferta de habitação e de transporte", afirma.

Para Raquel Rolnik, professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP e relatora da ONU para a questão do direito à moradia adequada, o problema principal é a relação entre pobreza e a gestão do território. "O planejamento urbano não leva em conta a população mais pobre. Todas as áreas planejadas são voltadas para o mercado imobiliário e para a classe média", afirma.

O Brasil vive uma situação melhor do que a África e a Ásia, segundo ela, porque reconhece o direito à infraestrutura urbana daqueles que ocupam irregularmente um terreno. "O Brasil é vanguarda nessa área", diz. O maior desafio brasileiro, segundo ela, é "como parar a máquina de ocupação territorial irregular, já que urbanização de favela fica ruim".

O governo brasileiro criou o programa Minha Casa, Minha Vida, cuja meta é construir 1 milhão de casas com investimento de R$ 34 bilhões. "Esse programa tem o grande risco de criar guetos nas áreas mais pobres das cidades. Vão criar casas de pobres na "não cidade", onde não há infraestrutura. Existem ferramentas para evitar isso, mas o governo resiste a usá-las", diz Rolnik.

A secretária nacional de habitação do Ministério das Cidades, Inês Magalhães, diz que o risco não existe porque o programa só irá financiar imóveis em área com infraestrutura.