22 de mai. de 2009

A vitória judicial dos sem-terra. A mídia, entre fato e versão

Antonio Cechin e Jacques Távora Alfonsin comentam a importante vitória obtida pelas/os sem-terra em Canoas, RS e criticam a mídia. Segundo os autores, " quando é o patrimônio latifundiário o ameaçado ou agredido, que haja notícia e seja estrepitosa. Quando é a dignidade humana e a cidadania das/os pobres que estão sendo violadas, silencie-se ou fale-se bem baixinho. A credibilidade da notícia não pode ficar dependente do preconceito ideológico que pesa sobre eles, nem do poder econômico de quem a sustenta, sob pena de igualar-se comunicação social com enganação total".

Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.
Fonte: UNISINOS


O “IHU notícias” publicou artigo nosso no início deste mês, que analisava as causas pelas quais os agricultores sem-terra acampados em Nova Santa Rita promoviam um jejum em frente a um dos prédios da Procuradoria da República em Porto Alegre.

Convém que se registre essa mudança de lugar de protesto do MST não só na capital mas também no interior. Já não é mais diante de próprios do poder executivo da nação, tais como o INCRA, o Banco do Brasil, a presidência da República, etc. mas agora é defronte ao poder judiciário e órgãos que o representam como é o caso do Ministério Público e sedes de juizados. Os tempos mudaram e o MST demonstra uma versatilidade condizente com os novos tempos, adaptando-se à conjuntura das injustas criminalizações por parte do poder que tem como única função realizar a justiça especialmente aos mais deserdados.

O jejum ou greve de fome de que falamos acima protestava contra uma decisão judicial de um juiz federal de Canoas que, atendendo pedido de um procurador da República, determinava, entre outras coisas, a expulsão de gente acampada dentro de um assentamento conquistado no mesmo município, pela reforma agrária e destituía o superintendente do INCRA/RS do seu cargo.

Gente sem-terra fazendo jejum em vários outros municípios do Estado, como efeito imediato desse protesto, deixou claro que haveria resistência contra o cumprimento do mandado de desocupação do imóvel onde as/os sem-terra estavam acampadas/os.

Em audiência de conciliação do dia 12 do corrente, presidida pelo mesmo juiz que atendera os pedidos do tal procurador da república, o recuo judicial refletiu muito bem em que extensão a decisão anterior fora precipitada e injusta. Não só se determinou prazo de 30 dias para o Incra assentar 100 famílias que estavam acampadas, mais 158 até o fim do ano, sem prejuízo do direito de outras já cadastradas e à espera, receberem o mesmo tratamento jurídico; sob a condição de ser dissolvido outro acampamento vizinho, também o superintendente do Incra/Rs foi restituído ao seu cargo.

Aquela parte da mídia gaúcha, historicamente contrária à defesa que as/os agricultoras sem-terra fazem dos seus direitos e da reforma agrária, dedica várias páginas, tendenciosa e tradicionalmente contra elas/es, procurando escandalizar a opinião pública sobre desvios de conduta e crimes que, segundo a interpretação que ela faz dos fatos e da lei, têm sido praticados por essas multidões de pobres.

De preferência aos domingos, quando o tempo para a leitura dos jornais favorece uma atenção maior das pessoas, essa parte da mídia procura apoiar a perseguição patrocinada por uma fração do Ministério Publico Estadual e da Procuradoria da República, para criminalizar e condenar aquelas multidões. Isso já ocorreu relativamente a notícias sobre diários de militantes encontrados nas violentas reintegrações de posse executadas contra elas, sobre as escolas itinerantes do MST e, mais recentemente, sobre os assentados que arrendam ou vendem os lotes que recebem por força da reforma agrária.

Dessa vitória obtida em grande parte pela determinação corajosa das/os sem-terra, a forma como repercutiu a atitude das/os jejuadoras/es e a solidariedade de vários movimentos populares do Estado, pouco ou quase nada se escreveu ou falou nos meios de comunicação social de Porto Alegre. Ninguém ignora o fato de que, no meio de qualquer grupamento humano, como aquele que organiza as/os agricultores sem-terra, é possível detectar comportamentos incompatíveis com as finalidades legais e justas das suas reivindicações.

Não deixa de ser estranha, todavia, a unilateralidade tendenciosa e generalizante com que se pretende desprestigiar a afirmação histórica de sua dignidade e cidadania, testemunhada no caso, tanto pela disposição de desobediência civil que elas/es assumiram contra o mandado judicial, como pelo jejum público, ou greve de fome, que denunciou a injustiça que iria ser praticada. A desproporção que esse tratamento público guarda, entre o que ele considera censurável no comportamento das/os sem-terra, e as causas que as/os mobilizam não pode deixar de ser notada.

A terra gaúcha e brasileira, o meio-ambiente do território brasileiro todo, são vítimas diárias de um poder econômico latifundiário, capaz de manipular até a edição das leis que os possam prejudicar, de trocar relatórios de comissões parlamentares encarregadas de apurar suas responsabilidades civis e criminais; capaz de manter uma bancada ruralista no Congresso suficiente para barrar qualquer projeto de lei tendente a agilizar a reforma agrária; capaz de impedir a revisão dos índices de produtividade das suas terras; capaz de degradar o meio-ambiente por pressão exercida sobre os órgãos públicos, encarregados dos relatórios de impacto ambiental, de impor a não revisão dos índices de reserva legal e proteção ambiental sobre seus imóveis, de convencer seus iguais a não vender terras para o Incra realizar a reforma agrária; capaz de ocupar terras públicas e devolutas pela grilagem e pelo interesse de inverter o espaço físico indispensável à alimentação do povo, em favor de culturas que favoreçam a exportação, fazendo delas, em alguns casos, o uso até de trabalho escravo.

Essas incríveis aberrações, desvios de conduta, ilegalidades e injustiças as mais danosas ao povo e ao país, não escandaliza tanto aquela parte da mídia que ataca o MST, o movimento dos atingidos por barragens, dos trabalhadores desempregados, dos sem teto, dos carroceiros e catadores de material, entre outros. Não dá mais para esconder a realidade de que, por trás de certas versões midiáticas, há fatos que, por desvelarem a injustiça social que lhes serve de causa, são manipulados e deturpados por alguns jornalistas e “formadores de opinião” (?), a ponto de, por paradoxal que pareça, informarem para não comunicar (!).

A vitória obtida pelas/os sem-terra em Canoas é um atestado disso. Quando é o patrimônio latifundiário o ameaçado ou agredido, que haja notícia e seja estrepitosa. Quando é a dignidade humana e a cidadania das/os pobres que estão sendo violadas, silencie-se ou fale-se bem baixinho. A credibilidade da notícia não pode ficar dependente do preconceito ideológico que pesa sobre eles, nem do poder econômico de quem a sustenta, sob pena de igualar-se comunicação social com enganação total.

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