21 de ago. de 2009

Ida sem volta aos infernos do trabalho precário

Um trabalho duro e perigoso é o que o jovem formado em letras Iain Levison aceita em troca da perspectiva de um salário estratosférico, conforme conta em seu livro "Ammazzarsi per sopravvivere" [Matar-se para sobreviver, em tradução livre] (Edições Socrates, 151 p.). Durante seis meses, ele terá que embarcar em um navio especializado na pesca de caranguejos gigantes e dentões [espécie de peixe] no mar do Alasca. A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no jornal Il Manifesto, 14-08-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


As "expedições" duram 12 dias, durante os quais os turnos de trabalho vão das 6h às 18h, de acordo com as condições do mar. Os pescadores arriscam sua pele toda vez que descem ou retiram as gaiolas. Ou quando um deles em turno, em uma sala que se enche até o teto em intervalos de uma hora, trabalha na "limpeza" dos caranguejos, para a pequena cadeia de montagem que trabalha nos crustáceos antes de congelá-los. São poucos os que se arriscam a "honrar" o contrato. Iain Levison nunca pensou que esse trabalho se transformaria em um dos reality shows, "Deadliest Catch", mais assistidos nos EUA.

O horror neoliberal

Quando o jovem conta a sua experiência, a "pesca extrema" se refere só a universitários que querem juntar dinheiro para continuar os estudos, criminosos fajutos que precisam mudar de ares e homens que foram demitidos de seus postos de trabalho por um tempo indeterminado. Iain Levison pertence, no entanto, a uma outra categoria, afastada ou olhada com suspeita, composta por homens e mulheres que conheceram o trabalho só por tempos determinados.

Esse "diário de sobrevivência" nasce da descoberta que a "precariedade" não é, porém, um elemento marginal, insignificante do mercado de trabalho made in USA, mas que a grande maioria dos formados entre a metade e o fim dos anos 90 são trabalhadores precários, em grande parte. O autor fez de tudo, trabalhando de pedreiro a estivador, de garçom nos fast-foods a operário de fábrica, e toda vez o tempo de contrato se encurtava mais. Dos seis meses iniciais, chegou a dois, três dias. E toda vez o salário por hora diminuía.

Ele expressa opiniões ácidas sobre a "revolução liberal" que distribuiu em poucos anos aquilo que o movimento operário norte-americano havia construído, em termos de salários e segurança social, em um século. Ele comenta amargamente o fim do socialismo real, não porque o amasse como perspectiva, mas só porque a existência da cortina de ferro era um freio aos padrões que o tornavam cômodo. O sarcasmo, porém, está reservado a Bill Clinton, o presidente que veio do Arkansas e que prometia restaurar os direitos anulados pelos republicanos, mas que depois continuou fazendo as mesmas coisas. Ele concede, na introdução algumas chances a mais para Barack Obama, não porque seja um progressista, mas porque quem votou nele quer verdadeiramente mudar os EUA.

O livro é uma descrição daquela geração "precária" norte-americana da qual se sabe pouco ou nada, mas que não é muito diferente da europeia ou italiana. Feita de formados que esperavam encontrar um bom trabalho, mas que no fim ganham um salário que permite apenas uma sobrevivência melancólica, ou de diplomados em qualquer disciplina técnica, mas que acabam fazendo outra coisa. O futuro reserva a todos eles uma frustração repetição do presente.

Além disso, Iain Levison anota que, para um precário, o casamento ou a convivência são vocábulos apagados do seu dicionário. E a paternidade (ou a maternidade) é simplesmente uma fábula que é lida quando se é criança. O fato de ser solteiro é mais uma escolha de necessidade do que uma escolha nascida de um desejo de autonomia. O autor espera, em todo o livro, poder pelo menos imaginar um caminho de saída, mas a única coisa que conseguirá fazer é colocar por escrito a sua experiência.

Iain Levison tem uma forte paixão pela escrita que o leva também a sonhar escrever o "grande" romance que mudará a literatura norte-americana. Mas, no fim, se contenta com escrever, além deste texto, dois preciosos textos noir que sempre têm trabalhadores precários como protagonistas – "Fatti fuori" (Instar) e "Una canaglia e mezzo" (Feltrinelli) – e que lhe deram um punhado de dólares, mais ou menos como os que ganha quando trabalha fazendo mudanças.

A tomada da palavra

Poucas são as indicações à política. O autor não consegue imaginar outra coisa do que contar a sua experiência. Mas a sua tomada de palavra tem o poder de colocar uma série de nós difíceis de serem desfeitos: como agir politicamente em uma situação em que não há lugares onde outros semelhantes não sejam obrigados a viver uma parte do seu dia? Os trabalhadores precários são nômades como o trabalho já é nômade. O encontro com outros trabalhadores precários é esporádico, episódico. Quando são em 30, 40 no barco pesqueiro também sabem que as suas vidas se cruzam por um tempo delimitado, circunscrito, e que, quando terminar, cada um seguirá caminhos solitários.

O diário de Levison tem muitos antepassados ilustres na história norte-americana. Lembra muito "This Land Is Your Land", de Wooddy Ghutrie, ou "Hobo", de Nels Anderson. Mas o estilo da escrita, seco, ironico, de traços paradoxais, o coloca na mesma linha do esplêndido "Lotta di classe", de Ascanio Celestini, onde a condição "precária" tem que acertar as contas com o fato de que a tomada de palavra é só o primeiro de muitos passos a serem feitos para que a "geração precária" possa dar vida àquela luta de classes desejada pelo artista italiano.

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