19 de jun. de 2009

México, o inferno dos emigrantes

Uma investigação de Direitos Humanos revela que 10 mil centro-americanos foram sequestrados e torturados em sua travessia para os Estados Unidos. A reportagem é de Pablo Ordaz, publicada no jornal El País, 18-06-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS

A primeira parte do relatório causa espanto. A segunda coloca os cabelos de pé. Porque as primeiras páginas da investigação realizada pela Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) do México demonstram que, entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, quase 10 mil emigrantes centro-americanos que tentavam chegar aos Estados Unidos foram sequestrados e tratados com extrema crueldade em sua passagem pelo território mexicano.

Mas, nas últimas 23 páginas, são as próprias vítimas que relatam o calvário que sofreram nas mãos de seus capturadores. Uma jovem salvadorenha diz: "Enquanto chegava o resgate, me violentaram. Mas minha amiga não tinha familiares que pagassem pela sua liberdade. Por isso, atiraram duas vezes na sua cabeça e a deixaram sangrando durante três horas na minha frente... Para me intimidar".

As vítimas são homens e mulheres jovens que partem a cada dia de Honduras, El Salvador, Guatemala ou da Nicarágua para buscar um futuro melhor nos EUA. Mas também são idosos e crianças que empreendem o caminho sozinhos para se reencontrar com seus filhos ou com seus pais. Eles também, um dia, fizeram essa mesma rota e talvez encontraram trabalho, mas não podem voltar para seus entes queridos por falta de papéis e de recursos. Crianças e idosos que viajam escondidos em vagões de trem, no fundo duplo de caminhões controlados pelas máfias. Movem-se de noite e por caminhos de desvio, fugindo das autoridades. É só cruzar a fronteira e entrar no México e se convertem nas vítimas perfeitas.

O relatório, realizado ao longo de seis meses por 30 agentes da comissão, supervisionados pelo professor Mauricio Farah, contém uma infinidade de dados, cada um mais alarmante do que o outro. O número de pessoas seqüestradas foi de 9.758. Muitas delas foram capturadas em grupos, descidas de vagões de trem e confinadas em casas de segurança ou em pavilhões industriais. O resgate que era exigido flutuava entre 1.100 e 3.600 euros. A Comissão Nacional de Direitos Humanos calcula que a indústria do sequestro obteve nesse curto espaço de tempo mais de 18 milhões de euros. Para isso, não duvidaram em utilizar uma violência extrema que inclui a tortura, o estupro e o assassinato.

Nove de cada 10 vítimas receberam ameaças de morte dirigidas a elas ou a seus familiares. Cerca de 67% dos sequestrados era de Honduras, 18% de El Salvador, 13% da Guatemala e o resto da Nicarágua, Equador, Brasil, Chile, Costa Rica e Peru. Os investigadores souberam que, de 157 mulheres que foram seqüestradas, quatro estavam grávidas. Duas foram assassinadas pelos seus capturadores. Outras foram estupradas, e uma delas foi obrigada a permanecer junto de seus agressores e a desempenhar o papel de "mulher" do chefe da quadrilha.

A partir da leitura do relatório e de uma conversa posterior com o professor Farah, deduz-se que o documento está realizado de uma forma conscienciosa. Apesar da ausência de dados – as pessoas que constam no documento não denunciam por medo de serem devolvidos a seu país –, os números de abusos foram confrontados para evitar duplicidade ou exagero.

Também se chega à conclusão de que os criminosos atuam, em muitas ocasiões, com a cumplicidade das autoridades: "Com frequência, os migrantes são vítimas de grupos organizados e, muitas vezes, de autoridades federais, locais e municipais, especialmente daquelas encarregadas da segurança pública, as quais golpeiam brutalmente, humilham e extorquem com ameaças de privá-los da vida, da liberdade ou de deportá-los a seus países de origem". Mesmo que os sequestros sejam mais frequentes na fronteira sul do México, os dados também demonstram que os indivíduos que constam no documento não estão seguros em nenhum lugar de sua travessia pelo México. "Às vezes", explica o professor Mauricio Farah, "as máfias roubam-lhes dos coiotes [traficantes que os ajudam a cruzar a fronteira em troca de dinheiro] para extorqui-los".

E é nesse momento que o leitor do relatório se aproxima das últimas páginas. E encontra ali a história de uma emigrante hondurenha: "Bateram na minha cabeça, na cintura, nos braços, com uma tábua que chamavam de 'a lembrança'. Quando ligavam para minha família para pedir dinheiro, colocavam uma furadeira na minha mão para que eles ouvissem. Depois me estupraram".

E a de um menor de idade, também de Honduras: "Durante o sequestro, só me davam de comer uma vez por dia, 'tortillas' duras e um pedaço de frango velho. Mataram um salvadorenho que estava conosco. Não denunciei o sequestro porque, junto aos seqüestradores, que bebiam cerveja e consumiam cocaína todo o dia, também havia policiais de uniforme. Obrigaram um companheiro e eu que estuprássemos uma mulher seqüestrada na presença deles...".

O jornal El País tentou, sem êxito, que a presidência da República ou algum departamento do governo do México desse a sua versão sobre as graves denúncias realizadas pela Comissão Nacional de Direitos Humanos.

Resgates milionários:

* Entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, foram seqüestrados 9.758 imigrantes sem papéis.
* Os grupos criminosos receberam até 25 milhões de dólares (18 milhões de euros) pelos resgates.
* Cerca de 67% dos sequestrados são oriundos de Honduras, 18% de El Salvador e 13% da Guatemala.
* A maioria dos sequestros ocorreu nos estados de Veracruz (2.944) e Tabasco (2.378), ambos no sudeste do país.

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