21 de jun. de 2009

Uma dura crítica da Anistia Internacional aos carrascos das/os Agricultoras/es Sem-Terra

Artigo de Antonio Cechin - irmão marista, militante dos movimentos sociais - e Jacques Távora Alfonsin - advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.
Fonte: UNISINOS



O Informe 2009 da Anistia Internacional sobre o “Estado dos Direitos Humanos no Mundo” dedica parte das suas denúncias àqueles fatos que, aqui no Rio Grande do Sul, levaram alguns promotores do Estado, com apoio da Brigada Militar e de liminares judiciais, a desfechar violenta repressão às/os Agricultoras/es Sem-Terra, integrantes do MST.

Convém registrar as suas próprias palavras: “No Estado do Rio Grande do Sul, promotores e policiais militares montaram um dossiê com diversas alegações contra integrantes dos Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Isso foi considerado pelo movimento como uma tentativa de restringir suas atividades e de criminalizar seus membros. O dossiê, que incluía alegações de que o MST teria ligações com grupos terroristas internacionais, foi utilizado para dar sustentação a ordens judiciais de despejo, muitas das quais foram executadas com excesso de força pela polícia.” (p. 111/112).

Como o grau de poder e influência que os adversários da Reforma Agrária têm contra a multidão trabalhadora e pobre que a defende, refletido em colunas freqüentes da mídia, uma das quais é assinada até por um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, é bem pouco provável que a violação dos direitos humanos das/os Sem-Terra, denunciada pela Anistia, alcance alguma divulgação paralela a do seu Informe, pelo menos aqui no Estado.

Pelo prestígio que a Anistia já granjeou, porém, por sua histórica luta em defesa dos direitos humanos e pela repercussão que esse Informe sempre alcança, quem acessar essa publicação, no mundo inteiro, toma conhecimento de uma das mais cruéis e violentas perseguições que o preconceito ideológico e classista desencadeou recentemente contra as/os Agricultores Sem-Terra no Rio Grande do Sul, por fração do seu Poder Judiciário e do seu Poder Executivo.

Sob o pretexto alarmista de que elas/es põe em risco a segurança nacional, entre outros absurdos, a Constituição Federal, completamente ausente da argumentação invocada para dar sustentação à violência e ao abuso de autoridade que marcaram as tais execuções, foi ignorada em dispositivos que fazem parte das suas chamadas cláusulas pétreas, como as de liberdade de associação, reunião, locomoção, direito de defesa e contraditório, presunção de inocência e direito à educação.

O devido processo legal, tão recorrentemente lembrado e valorizado em decisões que executam liminares e sentenças contra as/os Sem-Terra, não vale nem é eficaz, quando em causa possíveis ameaças ou violações de direitos titulados por outra classe de gente.

Os episódios relacionados com um juiz que transferiu uma audiência porque, quem dela deveria participar, compareceu ao foro calçado com um chinelo de dedo, e com o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, que somente se escandalizou com o uso das algemas, quando elas começaram a aparecer em pulsos de gente bem lavada, mas com os bolsos cheios do fruto colhido em golpes financeiros, dá idéia do preconceito e da discriminação odiosa que pesa sobre quem pena, há anos, por força do vício cultural de que, por ser pobre, para ela não vale a presunção da inocência garantida constitucionalmente.

Felizmente, o Informe da Anistia não generaliza essa injustiça partida de quem mais deveria cuidar da justiça social. Um Boletim da AJD, uma associação de “juízes para a democracia” publicou um boletim, à época dessa criminalização das/os Sem- Terra e do MST, afirmando: “As imagens divulgadas chocam pela brutalidade: bombas jogadas em meio a famílias com crianças, balas de borracha disparadas à altura das cabeças e espancamentos. É contra essas medidas de cunho autoritário e ditatorial que vimos a público manifestar nosso apoio ao MST. Democracia não pode ser uma palavra vazia. Dissolver o MST, torná-lo ilegal, processar e criminalizar suas ações e seus militantes políticos para “quebrar sua espinha dorsalsignifica, sem meias palavras: cassar os direitos democráticos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.”

Quem sabe alguém dos Poderes Públicos do Estado, especialmente do Ministério Público, desconfie da infidelidade que algumas das suas cabeças praticam contra os seus próprios fins sociais, persuadindo-as a, se não quiserem melhor interpretar a lei, à luz dos princípios constitucionais, pelo menos não façam dela a arma de violência que estão fazendo contra quem, por força de histórica injustiça social, é forçado a, por sua própria iniciativa e organização, defender a vida, a dignidade própria, a liberdade e a cidadania.